sábado, 20 de novembro de 2021

EscreVIVENDO- Algumas reflexões sobre a escrita da mulher negra brasileira: contribuição para este dia 20 de novembro.

 

 

Arte Vinicius Figueiredo 


No Brasil, o corpo negro tem sido, durante séculos, violado em sua integridade, o que leva e sempre levou ao povo negro desenvolver formas de resistência que estão expressas na formação do nosso país, por meio da dança, da música, da culinária, da religião e, também, da escrita.

Apesar de lidar com séculos de apagamento e perseguição dos seus corpos, nós, mulheres negras, sempre escrevemos, embora o mercado editorial há pouco tempo tenha se ampliado, para este público.

Vejamos então, algumas escritoras negras:

Você sabia que a Maria Firmina dos Reis, com o seu romance “Úrsula”, foi a primeira romancista e a primeira mulher a escrever um romance abolicionista no Brasil, em 1859? Historicamente, a sua imagem foi apagada, confundida com uma escritora branca, a gaúcha Maria Benedita Borman. Maria Firmina nasceu em 1882, na ilha de São Luís (MA). Começou a estudar de forma autodidata, vindo a ser a primeira professora concursada do Estado do Maranhão, com 25 anos de idade, e falecendo em 1917, no município de Guimarães, como aprendi com a escritora Jarid Arraes.

Você sabia que Carolina Maria de Jesus, escritora de diversas obras, dentre elas o famigerado “Quarto de Despejo: diário de uma favelada”, foi, além de autora de livros, compositora e contista? Li Carolina, pela primeira vez, com quatorze anos. Tenho ficado cada vez mais empolgada em estudar sobre a sua vida e a sua obra. Esta autora é mineira, nasceu na cidade de Sacramento, em 1914, vindo a falecer em São Paulo-SP, no dia 13 de fevereiro de 1977. No referido livro, Carolina narra em forma de diário o seu cotidiano na constante busca pela sobrevivência na favela, por meio de uma linguagem simples, direta, comovente e com um extremo realismo que toca quem a lê. Observamos as marcas da violência, do alcoolismo, da negligência do poder estatal e do constante descaso da política brasileira, naquele contexto. Ler Carolina me faz pensar, inclusive, que, mesmo após 61 anos da primeira publicação desta sua obra, vários quartos de despejos estão sendo e podem vir a ser reescritos no Brasil.

E você conhece a escritora Maria Roberta Souza Mendes? Ela é da minha cidade, Araçuaí. Tem apenas 17 anos. Estuda no Instituto Federal do Norte de MG-Campus Araçuaí, e pretende ingressar na faculdade de Direito ou Jornalismo. Adora ler e escrever, sobretudo, sobre o racismo e o machismo. A sua inspiração começou com o projeto “Literartes”, no Instituto em que estuda. Interessou pela área e fez alguns poemas do que mais interessava. " - Por que a nossa cor interfere na ação de um policial? - ", ela diz. Escreve a raiva que sente ao abrir um noticiário, pois a escrita, para Maria Roberta, é onde ela pode expressar os seus sentimentos. Com a ajuda de alguns amigos, criou uma página literária, dando início a um sonho, o instragram: @verdadespoemas.

Tendo em vista estas inspirações negras, fico pensando sobre a importância de destacar que a nossa subjetividade não se separa da nossa escrita, pois não existe uma escrita neutra. Portanto, se é para falar de nós, que exerçamos a nossa “escrevivência”, como tenho tentado, neste espaço, como uma mulher negra.

Aproveito para destacar que, neste dia 20 de novembro, possamos discutir sobre o real significado de se reconhecer como povo negro, que é algo que não deve ser esgotar apenas neste mês ou neste dia. Se a maioria da população brasileira é negra, 56,10%, (IBGE, 2020), e tendo em vista que a formação sócio-histórica deste país nos revela que convivemos com quase quatro séculos de escravização desta população, negar esta marca é perder de vista a totalidade da constituição deste país. E a luta das mulheres negras tem uma grande contribuição para esta reflexão.

Dessa maneira, hoje, dia 20 de novembro, data de morte do conhecido líder quilombola Zumbi dos Palmares, momento de rememorar a luta por igualdade racial, faz-se necessário que falemos não só de Zumbi, mas de sua parceira, a Dandara. Como afirma Jarid Arraes, em “Heroínas Negras Brasileiras”, ainda há poucos dados sobre vida desta lutadora, não tendo a confirmação se ela nasceu no Brasil ou em alguma parte do continente Africano. Morreu em 1694, jogando-se de uma pedreira, para não voltar a condição de escravizada. Que simbólico, não é? Fiquei sabendo disso há pouco tempo e quis partilhar com vocês.

Portanto, a mensagem que quero deixar, hoje, para a contribuição deste dia tão importante para a formação e para a resistência do povo brasileiro, é que cada vez mais possamos destacar a contribuição que, nós, as mulheres negras, damos para este país, e que a nossa escrita, também, possa ser compreendida como um enfrentamento às opressões, ainda que possamos escrever sobre tudo, como qualquer outra pessoa.

 

Este texto foi inspirado no artigo “Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade” de Conceição Evaristo e no livro “Heroínas Negras Brasileiras” de Jarid Arraes. Ambos os materiais foram objetos de consulta para referências.


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