Foto: Jô Pinto |
Para
todas as situações da vida, minha mãe, Maria de Jesus, tinha um ditado. Ao
longo de nossa convivência, fui me familiarizando com as expressões e
compreendendo suas aplicações. “Quem quer pegar passarinho não fala ‘xô’!”
Maria sempre repetia esse ditado para explicar a mudança radical do
comportamento de alguns homens após o casamento, inicialmente agradáveis, gentis,
mas após os enlaces se revelavam autoritários e violentos. Muitas vezes, usava
tal expressão para alertar mulheres próximas a terem cuidado ao iniciarem suas
relações afetivas. O ditado sintetizava sua observação sobre tais relações e sobre a violência contra as mulheres, muito
comum em nossa sociedade. Quando não lhe davam ouvidos dizia: “Quem não ouve conselho,
ouve coitado!”
Sobre
relações humanas, são inúmeros os ditos usados. “Diga-me com quem andas que te
direi quem és”, expressão sempre mobilizada para justificar o cuidado e
controle do nosso círculo de amizades. Para tal propósito falava também: “As
más companhias corrompem os bons costumes” e ainda “uma batatinha podre põe
todo o saco a perder”. Na minha infância e juventude, me rebelava contra esse
controle cuidadoso; hoje, consigo perceber que era uma forma inteligente de educar
num contexto social desfavorável, morávamos na periferia da cidade de Montes
Claros, sem acesso a atividades culturais e de lazer, exceto as desenvolvidas
na escola e igreja. Muitas de nossa época tiveram filhos na adolescência e não
conseguiram prosseguir com os estudos, outros foram presos ou mortos. Minha mãe acreditava, e com razão, que seu
cuidado era imprescindível para que nosso futuro fosse promissor, dizia: “É de
cedo que amanhece o dia”. Tentando impedir as diversas brigas entre meu irmão e
eu, dizia: “quando um não quer, dois não brigam”.
Quando tentava consertar algo e acabava
quebrando ecoava: Ora, “fui benzer, pus quebranto”. “Santo de casa não faz
milagre” era usado para expressar sua indignação quando ouvíamos mais as
pessoas de fora do que a ela.
Naquele
período, as desigualdades de gênero eram ainda maiores do que atualmente, as
meninas eram muito vigiadas por todos, familiares e vizinhos. Acreditava-se que
as mulheres eram consideradas responsáveis pela honra familiar, podendo
manchá-la com comportamento inadequado. Quando minha mãe via algum vizinho
falando mal da filha do outro, dizia: “ Quem tem telhado de vidro não joga
pedra no telhado alheio” ou então “ A língua é o castigo do corpo”.
Ainda sobre as pessoas que conversavam demais:
“Quem fala demais dá bom dia cavalo” e “quem fala o que quer, ouve o que não
quer”. Se ainda estivesse viva, sem dúvida Maria diria sobre a troca constante
dos ministros da saúde e as opções desastrosas do governo durante a pandemia:
“Panela em que muitos mexem, fica salgada ou sem sal”.
A
maior parte do tempo, vivíamos com muito pouco, para explicar as várias formas
de economia e esforços de sobrevivência, minha mãe usava vários ditados. Para
justificar o racionamento dos alimentos e o não desperdício, dizia “Quem come e
guarda põe mesa duas vezes”. Explicando
as pequenas economias mensais: “De grão em grão a galinha enche o papo”. Quando
resistíamos em auxiliar na manutenção da casa bradava: “não sou mãe de pançudo
para criar barrigudo”. Quando fazia faxina ou lavava roupas para fora e as patroas
não pagavam, costumava dizer: É assim mesmo, “quem trabalha pra pobre, pede
esmola pra dois”.
Esses
ditados e a sabedoria que transmitem há muito chamam a minha atenção. São ditos
curiosos, soam engraçados e por serem muito repetidos pelas pessoas mais velhas
em dadas situações, acabam sendo apreendidos, bem como os seus sentidos, pelas
gerações mais jovens. Hoje em dia, de quando em quando, em dada situação, um
ditado adequado me ocorre. Como agora, com as notícias sobre o escândalo da
covaxin, lembrei-me de que afirmavam terem acabado com a corrupção, e diante
disso só digo: “Este (meu olho esquerdo) é irmão deste (meu olho direito)”.
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