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Arte Vinicius Figueiredo |
No
Brasil, o corpo negro tem sido, durante séculos, violado em sua integridade, o
que leva e sempre levou ao povo negro desenvolver formas de resistência que
estão expressas na formação do nosso país, por meio da dança, da música, da
culinária, da religião e, também, da escrita.
Apesar de lidar com séculos de apagamento e perseguição dos seus
corpos, nós, mulheres negras, sempre escrevemos, embora o mercado editorial há
pouco tempo tenha se ampliado, para este público.
Vejamos então, algumas escritoras negras:
Você sabia que a Maria Firmina dos Reis, com o seu romance
“Úrsula”, foi a primeira romancista e a primeira mulher a escrever um romance
abolicionista no Brasil, em 1859? Historicamente, a sua imagem foi apagada,
confundida com uma escritora branca, a gaúcha Maria Benedita Borman. Maria
Firmina nasceu em 1882, na ilha de São Luís (MA). Começou a estudar de forma
autodidata, vindo a ser a primeira professora concursada do Estado do Maranhão,
com 25 anos de idade, e falecendo em 1917, no município de Guimarães, como
aprendi com a escritora Jarid Arraes.
Você sabia que Carolina
Maria de Jesus, escritora de diversas obras, dentre elas o famigerado
“Quarto de Despejo: diário de uma favelada”, foi, além de autora de livros, compositora
e contista? Li Carolina, pela primeira vez, com quatorze anos. Tenho ficado
cada vez mais empolgada em estudar sobre a sua vida e a sua obra. Esta autora é mineira, nasceu na cidade de Sacramento, em
1914, vindo a falecer em São Paulo-SP, no dia 13 de fevereiro de 1977. No
referido livro, Carolina narra em forma de diário o seu cotidiano na constante
busca pela sobrevivência na favela, por meio de uma linguagem simples, direta,
comovente e com um extremo realismo que toca quem a lê. Observamos as marcas da
violência, do alcoolismo, da negligência do poder estatal e do constante
descaso da política brasileira, naquele contexto. Ler Carolina me faz pensar,
inclusive, que, mesmo após 61 anos da primeira publicação desta sua obra,
vários quartos de despejos estão sendo e podem vir a ser reescritos no Brasil.
E você conhece a escritora Maria Roberta Souza Mendes? Ela
é da minha cidade, Araçuaí. Tem apenas 17 anos. Estuda no Instituto Federal do Norte
de MG-Campus Araçuaí, e pretende ingressar na faculdade de Direito ou
Jornalismo. Adora ler e escrever, sobretudo, sobre o racismo e o machismo. A
sua inspiração começou com o projeto “Literartes”, no Instituto em que estuda.
Interessou pela área e fez alguns poemas do que mais interessava. " - Por que
a nossa cor interfere na ação de um policial? - ", ela diz. Escreve a
raiva que sente ao abrir um noticiário, pois a escrita, para Maria Roberta, é
onde ela pode expressar os seus sentimentos. Com a ajuda de alguns amigos,
criou uma página literária, dando início a um sonho, o instragram:
@verdadespoemas.
Tendo em vista estas inspirações negras, fico pensando sobre a
importância de destacar que a nossa subjetividade não se separa da nossa
escrita, pois não existe uma escrita neutra. Portanto, se é para falar de nós,
que exerçamos a nossa “escrevivência”, como tenho tentado, neste espaço, como
uma mulher negra.
Aproveito para destacar que, neste dia 20 de novembro, possamos
discutir sobre o real significado de se reconhecer como povo negro, que é algo
que não deve ser esgotar apenas neste mês ou neste dia. Se a maioria da
população brasileira é negra, 56,10%, (IBGE, 2020), e tendo em vista que a
formação sócio-histórica deste país nos revela que convivemos com quase quatro
séculos de escravização desta população, negar esta marca é perder de vista a
totalidade da constituição deste país. E a luta das mulheres negras tem uma
grande contribuição para esta reflexão.
Dessa maneira, hoje,
dia 20 de novembro, data de morte do conhecido líder quilombola Zumbi dos
Palmares, momento de rememorar a luta por igualdade racial, faz-se necessário
que falemos não só de Zumbi, mas de sua parceira, a Dandara. Como afirma Jarid
Arraes, em “Heroínas Negras Brasileiras”, ainda há poucos dados sobre vida
desta lutadora, não tendo a confirmação se ela nasceu no Brasil ou em alguma
parte do continente Africano. Morreu em 1694, jogando-se de uma pedreira, para
não voltar a condição de escravizada. Que simbólico, não é? Fiquei sabendo
disso há pouco tempo e quis partilhar com vocês.
Portanto,
a mensagem que quero deixar, hoje, para a contribuição deste dia tão importante
para a formação e para a resistência do povo brasileiro, é que cada vez mais possamos
destacar a contribuição que, nós, as mulheres negras, damos para este país, e
que a nossa escrita, também, possa ser compreendida como um enfrentamento às
opressões, ainda que possamos escrever sobre tudo, como qualquer outra pessoa.
Este texto foi inspirado no
artigo “Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade” de Conceição
Evaristo e no livro “Heroínas Negras Brasileiras” de Jarid Arraes. Ambos os
materiais foram objetos de consulta para referências.
Por