Nesse mês comemoramos um marco importante da luta dos negros e negras no Brasil. Aproveito esse espaço para falar especificamente sobre as lutas das mulheres negras brasileiras, que significa pensar sobre minha própria vida e sobre as mulheres de minha família. Muitas das dificuldades que enfrentamos podem ser compreendidas a partir do entendimento das questões que impactam o segmento mulheres negras ao longo da história do nosso país. Portanto é imprescindível conheçamos as trajetórias e lutas das mulheres negras ao longo do tempo, bem como suas reflexões acerca dos problemas vivenciados, para desta forma, pensarmos possibilidades de organização, projetos e formas de inserção na sociedade. Na última eleição houve uma entrada significativa de mulheres negras no legislativo, resultado das lutas dos feminismos no Brasil. Especialmente do feminismo negro e das lutas que o precederam. O que é importantíssimo, visto que, historicamente fomos governados por homens brancos e elitistas. Já na década de 1940, Maria Nascimento destacava a importância das mulheres negras votarem e serem votadas. Precisamos não só eleger mulheres negras, como também participar de forma coletiva nos destinos da nação. Durante minha trajetória acadêmica acessei poucas referências teóricas produzidas por mulheres negras inseridas nos currículos de minha formação. O fato de não ter nos currículos das disciplinas acadêmicas, produções escritas por pessoas negras é parte do epistemicídio, como demonstra Djamila Ribeiro em “pequeno manual antirracista”. Epistemicídio é a prática pelo segmento racial dominante de marginalizar os conhecimentos produzidos por pessoas negras. A especificidade da luta da mulher negra tem sido apontada há muito tempo por mulheres negras engajadas na modificação da situação de subalternidade. Um dos apontamentos que se tem registro é a fala de Sourjone Truth na “convenção dos direitos da mulher” em 1851 em Ohio, ficou conhecido como “Não sou eu uma mulher?” No discurso de Truth percebemos a crítica à essencialização da categoria mulher, de como a luta pelos direitos das mulheres enfatizava “ A Mulher” como identidade única e universal desconsiderando as especificidades de raça, classe, gênero etc. Bell Hooks no livro “Ensinando a transgredir: Educação como prática de liberdade” critica a ausência de reflexão no movimento negro sobre a questão de gênero. hooks menciona que os militantes negros acreditavam numa ausência de violência de gênero no interior das famílias negras, visto que o passado escravista teria enfraquecido a construção da masculinidade negra enquanto forte e dominante. Angela Davis em “mulher, raça, classe” também traz uma reflexão interseccional ao demonstrar a situação de violência a que estavam submetidas as mulheres negras nas sociedades escravista. Diferente das mulheres brancas, as negras foram consideradas ao longo do tempo como destituídas das características consideradas femininas, sendo consideradas mais fortes e insensíveis. Mesmo após a abolição essas construções sobre a força da mulher negra são usadas para justificar um tratamento desigual, violento no mercado de trabalho, na saúde, na família. (Solidão da mulher negra, trabalhos pesados, menos anestesia no parto, violência obstétrica). A visibilidade atual que o feminismo negro vem ganhando é resultado das lutas das mulheres negras ao longo da história brasileira. Na atualidade temos a atuação de inúmeras feministas negras, teóricas acadêmicas e militantes, suas ações, projetos e produções alteram a situação das demais mulheres e também são visibilizadas através das redes sociais, de publicações impressas impactando nas produções artísticas e na sociedade como um todo. Podemos citar algumas: Sueli Carneiro, Benedita da Silva, Jurema Werneck, Djamila Ribeiro, Carla Akotirene, Luana Tolentino, Conceição Evaristo, Joice Berth, Mariele Franco, Giovanna Xavier e tantas outras.A partir do momento em que as mulheres negras vão ocupando os espaços de produção de conhecimento, passam a reverter o epistemicídio ao resgatar trajetórias e pensamentos de mulheres negras do passado que ganham destaque nos seus escritos, produções, eventos: Lélia Gonzales, Beatriz Nascimento, Carolina Maria de Jesus. Termino esse texto reiterando a importância de se refletir sobre as lutas das mulheres negras no interior das instituições educacionais para reverter a colonialidade do pensamento. Axé!