terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

O ASSUNTO É? - Relato de viagem

 


Há lugares que nos marcam profundamente, Milho Verde-MG é um desses. É uma vila que fica no Alto Jequitinhonha, próximo à cidade de Diamantina. A primeira vez que ouvi seu nome singular, fiquei encantada e muito interessada em conhecer o lugar. Desde que foi possível, guardo no coração e sempre que sinto saudades de Milho, retorno em pensamento através das memórias aprazíveis que tenho do lugarejo. Lá a vista se perde no horizonte azulado, as casas têm quintais, com mangueiras, girassóis, roseiras, brincos de princesa, amarílis. A população local é acolhedora, predominante negra, visto que  é uma região com forte presença quilombola. Há pessoas de outras regiões do Brasil e de outros países que se apaixonaram pelo lugar e ali fixaram residência.  Lá tem um chafariz numa clareira ladeado de açucenas, cercado de árvores apinhadas de passarinhos.  A rua principal da Vila não é calçada, e sim, recoberta de areia e gramíneas, tem trechos com pouca  iluminação, o que é  permite apreciar os vaga-lumes e o céu estrelado, nessa rua ficam áreas de camping que recebem pessoas do Brasil e do mundo. A vida cultural gira em torno da igrejinha, que fica num lugar elevado, ao lado do cemitério antigo. Em Milho Verde respira-se melhor e têm-se a sensação de que o tempo desacelera. Anualmente sedia um festival de inverno que reúne artistas da região e de vários lugares do país, há também as festas populares da região como a festa de Nossa Senhora do Rosário, uma festa tradicional que mescla catolicismo popular com tradições africanas. A economia local é baseada na agricultura de subsistência e no turismo. Na região, há quilombos como o dos Baú em Ausente, lugarejo próximo. Não posso deixar de falar da  principal atração da região, as cachoeiras. A cachoeira do tempo perdido, magnífica em sua grandiosidade e beleza, cercada de rica vegetação, localizada na Vila de Capivari, bem próxima de Milho Verde. A cachoeira do Moinho na entrada da Vila, para a qual é possível ir caminhando, lugar belo e agradável. A cachoeira do Lajeado cuja trilha permite apreciar os horizontes largos, a rotação do sol, os beija-flores e uma gama de passarinhos, além da vegetação com uma infinidade de plantas como bromélias, orquídeas, sempre-vivas e quaresmeiras. São algumas das muitas belezas da região, que atualmente é ameaçada pela expansão da mineração predatória, como outras regiões paradisíacas de Minas Gerais. Vale a pena conhecer Milho Verde e todo o Vale do Jequitinhonha. 

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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

MEMÓRIA CULTURAL - A arte de fazer boneca de pano


 

 

Alguns autores relatam a existência de bonecas nas tribos indígenas brasileiras, eram feitas de barro, madeira e pano. Elas representavam divindades ou eram usadas como brinquedo para meninas, simulando atividades cotidianas. Outros defendem que as bonecas foram trazidas para o Brasil pelos europeus, como brinquedos de criança e como parte das prendas domésticas das noivas. Há também os que afirmam que as bonecas de pano chegaram ao Brasil com os escravos e aqui se transformaram em elemento lúdico das crianças carentes. 

Conhecí na Escola Família Agroecológica de Araçuaí, Amanda Magalhães Pereira, dezessete anos. Mora com seus pais na Comunidade Olhos Dágua, município   de Coronel Murta-MG., ambos lavradores. Pais amorosos, mas enfrentando dificuldades como tantos trabalhadores que lutam e labutam no campo, deu-lhe uma boneca Barbie, aos cinco anos de idade. Ficou muito feliz com seu único brinquedo comprado em algum estabelecimento comercial da cidade.

Nunca souberam da verdadeira história desta famosa Barbie, criada pela empresária americana Ruth Handler em 1959, plágio de uma boneca alemã chamada Bild Lili, lançada em 1955, nem tão pouco que o nome Barbie, estava associado a filha do casal americano chamada Bárbara e muito menos ainda que, a empresa do casal americano havia comprado os direitos autorais da boneca  Lilli.

A boneca Barbie chegou ao Brasil através da marca de brinquedos Estrela sob licença da Mattel (empresa do casal  Ruth e Eliot Handler, pais da menina Bárbara) em 1982.

Quando a menina Amanda ganhou sua boneca, iniciou logo a sua criatividade em confeccionar roupas para seu brinquedo, vendo sua mãe remendando as roupas da casa, sempre lhe dava algumas tirinhas de retalhos. Espetando o dedo ali e aqui, mas com o olhar atento da genitora, não foi difícil produzir os primeiros modelinhos para sua boneca.

Porém a Barbie perdeu seu encantamento nas mãos da menina Amanda, quando viu sua colega com uma boneca de pano. Ficou fascinada! Lógico, queria uma bonequinha de pano também.

Apesar de observar bastante a boneca de sua colega, tentava criar, mas não conseguia. Até que assistindo televisão, viu num destes programas de entretenimento um quadro ensinando a confeccionar bonecas de pano. Curiosa, rapidamente foi tentar, não saiu com  perfeição, mas para quem sonhava em ter uma boneca de pano, aquilo era obra de arte! E, criou uma boneca diferente daquilo que havia no mercado, tinha seus traços físicos: morena, olhos pretos, cabelos cacheados e desta maneira fui produzindo outras, em pouco tempo tinha muitas bonecas para brincar, se sentia muito feliz!

Depois de um tempo entre seus oito /nove anos, uma de suas tias lhe pediu para fazer uma bonequinha porque havia achado de muito bom gosto suas bonecas. A partir daí começou a produzir e vender no povoado e aos arredores.

De repente, já recebia pedidos de encomendas, percebeu assim uma forma prazerosa de ajudar sua família. Foi aprimorando, ao invés de costurar na mão, passou a usar a costura na máquina para maior resistência; realizou pesquisas quanto as características com estilos diversificados; substituiu os retalhos de pano por tecidos novos.

Recorda que a primeira boneca que vendeu custou dez reais, atualmente o valor mínimo é de cinquenta reais. Descobriu ainda neste percurso, que juntando seu dinheirinho, conseguiria comprar sua própria máquina de costura e com ajuda e apoio dos pais adquiriu sua primeira Singer Industrial. Aumentando sua produção e criando inclusive novos modelos, como: boneca para escorar portas, porta-chaveiro e outros conforme solicitações do freguês.

Esse movimento de jovens empreendendo é altamente produtivo, primeiro porque tem considerado as tradições culturais, fortalecimento de vínculos e convivência familiar e pôr fim a superação para as dificuldades econômicas comuns, como é o caso desta jovem.

Empreender  aqui, não é ficar rico, mas valorizar um saber, recompensada por um valor justo de seu trabalho e dedicação, dando-lhe  satisfação, saúde mental e bem estar por sua atividade e conhecimento.


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terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O ASSUNTO É? - Reflexões sobre a infância

Imagem internet


A infância é uma etapa inesquecível de nossa vida. Isso quando não vivenciamos situações intoleráveis de violência, nesses casos, muitas vezes a memória da infância é apagada. A meninice é de completa alteridade para os adultos. Podemos aproximar das crianças e nessa aproximação, ao entrar para o espaço da ludicidade, relembrar nossa própria infância. Nenhuma infância é igual à outra, há crianças que convivem com as questões dos adultos, em contato com a carência afetiva e material destes, outras que sofrem violências diversas. Em minha infância convivia com minha mãe e meu irmão. Hoje, quando relembro,  me dou conta da solidão de minha mãe que tinha que compartilhar suas questões conosco, visto que vivia muito isolada. Lembro que ela contava histórias, brincava de pular conosco, comemorava as conquistas e compartilhava os problemas materiais. Junto plantamos roça, limpamos e colhemos. Presenciamos tempestades assustadoras, com raios, trovões e queda de árvores. Certa vez, íamos lavar roupa quando vimos um raio cair e depois a grama queimada da descarga elétrica. Quando conseguiu receber seu primeiro salário de pensão por morte de meu pai, ela comemorou muito conosco. Quando choveu na roça de feijão e perdemos a colheita, choramos juntos. Minha infância foi uma etapa de privações, mas vivida com o entusiasmo e alegria própria das crianças. Hoje no convívio com meus pequenos, muitas vezes me deparo com minha criança interior, com a criança que fui. E como mãe, me reencontro com minha própria mãe.


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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

MEMÓRIA CULTURAL - Trancista da Comunidade Alto Bravo

 




Maria Gabriela Gomes da Silva, é uma jovem de dezoito anos, órfã de mãe,  reside na comunidade rural de Alto Bravo (popularmente chamada de Bravo), município de Virgem da Lapa, com sua avó, aposentada, de oitenta e dois anos.

Ela aprendeu por meio de um vídeo na internet, criou gosto e decidiu convidar uma amiga para servir de cobaia, e desde então, não parou mais.

Percebeu que havia muitos tipos de tranças e com significados, só não sabia os nomes, mas já sabia fazer vários daqueles trançados que via. E cada vez mais foi ficando  encantada com tudo que lia. Desta forma passou a interessar ainda mais pelo assunto, e, aprendeu a colocar preço em seu trabalho, pois precisava de materiais e o tempo que desprendia, impedia de fazer os trabalhos domésticos.

Neste movimento descobriu que era possível ganhar uns trocados e ainda ajudar sua avó nas despesas da casa, porque atualmente sobrevivem com a lavoura de subsistência.Com o tempo não era mais um passatempo, mas geração de renda, à medida que as pessoas lhe procuravam, foi assim que se tornou trancista.

Estudante de escola pública, terminou recentemente o curso de Técnico de Agropecuária, na Escola Família Agroecológica de Araçuaí. Ao final do curso tinha de escolher uma experiência, que servisse de base para uma profissão real e assim encontrar soluções para problemas da vida produtiva. Ela não teve dúvida pela escolha de seu trabalho de projeto profissional do jovem-PPJ. Apresentou o projeto de trancista  como objetivo de  gerar renda , comercializar  produtos de forma ecológica e sustentável e ainda valorizar e potencializar a cultura afro, por meio das tranças africanas.

Este projeto  é  um instrumento pedagógico que  tem por objetivo geral encaminhar o jovem para a profissionalização do trabalho rural, no sentido de melhorar renda e a qualidade de vida da família, servir como facilitador para o encaminhamento do jovem para o mundo do trabalho e como um elemento de desenvolvimento econômico e social do meio rural.

Almeja aprofundar mais e melhor, aprimorando seus conhecimentos e técnicas de trançado africano. Segundo Maria Gabriela, há demanda desse trabalho, não apenas na sua comunidade, mas em toda região do Vale do Jequitinhonha, principalmente por haver o maior número de comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares.

Revela que a maioria de seus clientes solicitam as tranças Nagô. Quanto ao preço, diz que varia muito do tamanho, tipo, material e do lugar,mas , que o preço mínimo é de quinze reais em Virgem da Lapa.

Para desempenhar seu trabalho, precisa de alguns produtos e acessórios como: Pomada modeladora, creme de pentear, gel, elásticos de silicone, fios acetinados e outros.

            Ela ainda reitera que as tranças antigamente era  algo somente de pessoas negras e por mulheres, mas isso mudou, o trançado africano expandiu para todo mundo. O que antes expressava ser inferior, hoje é esteticamente bonito e acessível. Trata-se de empoderamento por meio do trançado e não importa ser homem ou mulher, importante é sentir-se bem e elegante. Além disso a pessoa negra tem sua auto estima revigorada e valorizada, enquanto que a pessoa branca se sente mais exuberante. Outro ponto importante é que muita gente está optando pela transição, quando decidem parar de utilizar produtos químicos que alisam os cabelos. E as tranças, elas fazem enquanto o cabelo cresce .

            Jovens como Maria Gabriela, estão buscando seus espaços e descobrindo nichos de mercado, que não haviam sido notificados, mas aos poucos se ocupam e logo transformam sonhos em realidades lucrativas, com consciência ambiental e valorização da arte e cultura afro-brasileira.

 


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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

MEMÓRIA CULTURAL - Tranças Africanas

Na foto Pezinha do "Carambola Filmes" da cidade Araçuaí/MG"

As tranças não é apenas  estilo, é uma forma de arte e sempre  muito popular entre as mulheres, mas nesta atualidade estendida aos homens. Seu aparecimento remonta a 3.500 a.C. e, desde então, tem sido sinal  de status social, etnia, religião e resistência racial. A indicação de sua origem seria da Namíbia, na África,  território que abriga dois grandes desertos: o deserto da Namíbia e o deserto de Kalahari. No cenário mundial é grande produtor de diamantes e de urânio mas  com distribuição de renda desigual. A maioria da população negra é pobre enquanto a minoria branca concentra a maior parte das riquezas.

No Brasil no tempo da escravidão o cabelo servia como espécie de mapa, porque era feito no trançado a rota de caminhos, que indicavam para se chegar nos quilombos. Também escondiam nas tranças, sementes que serviam para plantarem nos lugares onde estivessem para lembrar dos seus antepassados. E ainda, podiam esconder algum mineral, que serviria para libertar mais irmãos negros.

As tranças trazem diversos significados  que varia desde  a posição social, etnia e crença como: Trança Nagô – que descende do povo Nagô(Iorubá); Afro Bantu – carregam a simbologia da realeza;Dreads – indicam resistência, etc.

Nesta atividade há uma  relação de afetividade, pois no aprendizado do fazer tranças é o momento de conversar e passar ensinamentos. É uma prática demorada, por isso é oportuno o uso da fala, do canto e toda experiência.

Atualmente tem sido fonte de renda para muitas famílias, se antes era meio para a se ganhar a liberdade e afirmar nas tranças a etnia da qual pertencia. Hoje  as tranças é meio de sobrevivência e resistência para reafirmar os caminhos percorridos dos ancestrais negros. Não importa agora a cor da pele ou  de  estética, mas importante  saber que o trançado remete a  existência do povo negro e usar tranças, significa valorizar a cultura afro-brasileira.




 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

DIÁRIO DE LEITURA - A poesia das coisas [e das não coisas] de Joaquim Celso Freire

Foto: Jô Pinto




Na coluna de hoje convidamos vocês a conhecer um pouco mais sobre a obra literária do professor e escritor Joaquim Celso Freire. 

"Coisas e não coisas" é o título  mais recente de uma publicação sua, que foi apresentado no dia 21 de dezembro, às 20h, no Museu de Araçuaí.

A obra é composta por 101 poemas; 100 deles estão reunidos em 7 capítulos temáticos (Coisas e não coisas; E se fosse toda natureza Humana; Precisão; Autorretrato; Soltando a língua; Perdidos do sol; Passe cfurto). O último, 101, fecha a quarta capa. Todos permeados pela sensibilidade e escrita afiada do autor, levando o leitor a um mundo vívido de percepções e reflexões, deflagradas pela centelha concisa de seus versos.

“A grande maioria dos poemas foi gestada ao longo da pandemia, envoltos em pensamentos sobre inquietações políticas, as relações humanas, a natureza e o desgaste desses ambientes”, explica o autor.

"Coisas e não coisas" foi para o mundo no formato físico e virtual sob duplo selo, num esforço colaborativo entre a Alpharrabio Edições, com quase 30 anos de vivência na publicação de livros na região do ABC Paulista, e a jovem Loope Editora, do Rio de Janeiro, especializada em publicações no formato e-book. A obra está disponibilizada nos formatos e-book e livro físico, nas principais lojas online do país.

 

O Autor

Joaquim Celso Freire nasceu em Coronel Murta, região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, em 1952 e mora em São Paulo (capital, São Caetano do Sul, Araraquara) desde 1974. É escritor e poeta com oito livros publicados e participação em várias antologias. É professor da USCS – Universidade de São Caetano do Sul, onde foi também pró-reitor de extensão. Foi vice-presidente da ANGRAD - Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração e presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC.

Nasceu e viveu no campo, até os oito anos, ajudando e aprendendo na lida da roça, entre plantações, chiqueiros e currais; entre brincadeiras, orações, festas e contação de histórias. Aos oito anos, foi para a cidade, atendendo ao desejo dos pais, de “desfazer das terras, mudar para a cidade e colocar os meninos na escola”.

 

PUBLICAÇÕES EM LITERATURA:

- Fazendo Poeira; poesia. Santo André: Alpharrabio Edições, 1977.

- Versos Avessos, com Débora de Simas; poesia. Santo André: Alpharrabio Edições, 2004.

- Um Silva de A a Z; prosa. Santo André: Alpharrabio Edições, 2007.

- O rio das minhas manhãs; prosa e poesia. Santo André: Alpharrabio Edições, 2012.

-Meu pé de alecrim deu fulô, prosa. Santo André: Alpharrabio Edições, 2015.                                             

- Coisas e não Coisas; poesia. Rio de Janeiro, 2021.         

                                                             

PARTICIPAÇÃO EM ANTOLOGIAS:

As Cidades Cantam o Tamanduateí que Passa; poesia. Santo André: Alpharrabio Edições, 2003.

Humor e Sensibilidade em Crônicas; crônicas. São Paulo: All Print Editora, 2009.

Antologia Poética do Vale do Jequitinhonha; poesia. Belo Horizonte: Instituto ValeMais, 2011.

Velhice, imagem, memória: representação poética da existência; poesia e crônica. Uberlândia, Assis Editora, 2016.

Jequitinhonha – Antologia Poética lll; poesia. Rio de Janeiro, Loope Editora, 2021.

Foice na carne; poesia. Santo André: Alpharrabio Edições; São Caetano do Sul: USCS, 2021

 

PUBLICAÇÕES TÉCNICAS:

Políticas Públicas no Vale do Jequitinhonha – a difícil construção da nova cultura política regional; políticas públicas e desenvolvimento regional. Santo André: Alplarrabio Edições, 2005.

Plano Estratégico de Desenvolvimento USCS 2030, Planejamento Estratégico. São Caetano do Sul, (org.) USCS, 2020.

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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

OPINIÃO DO BLOG - DICIONÁRIOS DO POVO DO VALE: A importância dos nossos dialetos


 


“Nossa matéria prima é a palavra. A palavra como som, como sentido, como prática, como senha, como signo cultural distintivo, como argamassa social, como história, como objeto, como entidade mutável e mutante.”

Antônio Risério.

 

O vale do Jequitinhonha é uma região em que se concentra diversos povos e comunidades tradicionais que possui um dialeto próprio e palavras que são ditas de uma forma cotidiana, mas que carregam muita ancestralidade e herança de uma colonização. Datar essas palavras e seus significados auxilia no entendimento das pessoas que não são daqui, mas sobretudo saber de onde cada dialeto se deu, nos ajuda a compreender de onde viemos.

Aculá, bocó, chaboquero, despachado, encafifado, fuzuê, gastura, irmão de leite, lé com cré, limpá o beco, malineza, negaça, onde judas perdeu as bota, pereba, ribuçá, siligristido, tiquin, uruvai, varado de fome, zureta, etc, são algumas palavras e dialetos que são falados em nossa região.

Muitas pessoas sabem que existem, falam, mas não tem noção de onde essas palavras chegaram até nós. E é onde que os dicionários entram, essas enciclopédias reúnem diversas palavras e seus significados, muitas de origem africana, indígena e a maioria como herança da colonização, como é o caso das palavras derivadas do latim.

Esses dicionários são uma ferramenta extremamente necessária para podermos buscar as fontes do nosso vocabulário, mas entender que nem todos os livros contam com as palavras que definitivamente falamos, pois o nosso vocabulário é extremamente vasto, mas não que dizer que não sejam fontes de estudo, pois muitos deles são fruto de anos de pesquisa.

Não precisamos ir longe para saber que o nosso dialeto é regional e que muitas pessoas não conhecem de fato o que falamos, um exemplo disso são muitas pessoas que moram em São Paulo não saber o que significa a palavra “gastura”. E isso demonstra o quanto nossa região é singular, sobretudo no linguajar.

Alguns dicionários que foram publicados e que trazem de maneira enciclopédica as nossas palavras e dialetos é o Dicionário Fanadês, Jequitinhonhês e Mineirês – linguagem falada às margens do Rio Fanado e adjacências, do escritor Carlos Mota, o mais interessante do livro para mim foi o estudo de onde as palavras vieram, muitas da língua banto, o autor catalogou 190 verbetes, e também da língua tupi, com 220 palavras. Nos presenteia também com 200 causos e anedotas e os 1000 apelidos de habitantes do Fanado e região (Mota é natural de Minas Novas). Essa obra é um grande presente para todos nós.

Além disso podemos contar com o exemplar do Dicionário do dialeto rural no Vale do Jequitinhonha Minas Gerais, da autora Carolina Antunes, resultado de um estudo do vocabulário da língua falada na zona rural dos municípios do Jequitinhonha durante os anos de 1980 a 2000. Bem estruturado e de fácil entendimento, esse dicionário muito contribui para o enriquecimento e saber de nossos dialetos e palavras ditas aqui na região do Jequitinhonha, ainda assim o livro conta com as peças didáticas, que são o ponto de partida para orientar professores do Ensino Fundamental e Médio, em sala de aula, com o dialeto rural.

Não menos importante, também contamos com o Dicionário da Religiosidade popular – Cultura e Religião no Brasil, de Frei Chico (Francisco van der Poel), que juntamente com a artesã Maria Lira Marques catalogou as mais diversas rezas, benditos, batuques, técnicas de trabalho, remédios, sabenças e histórias do povo do Vale. Frei Chico, muito humildemente nos mostra não só na nossas região, mas em todo o Brasil, quase todas as formas de se falar, ouvir, aprender e ensinar dos povos e comunidades tradicionais, o quanto é importante o popular, a pedagogia popular “que é do povo e para o povo”. Com suas 1150 páginas de puro conhecimento, vale muito a pena folheá-lo. Não é só um dicionário de palavras faladas, é uma enciclopédia para se buscar sempre que for necessário.

O nosso falar também é nossa riqueza, com o falar oramos, rezamos, pedimos a benção, suplicamos, também expressamos os nossos mais variados sentimentos, carregamos ancestralidade, heranças e palavras diferenciadas que nos fazem ser quem somos, um povo único. Esses dicionários vieram para materializar a nossa cultura e ler as palavras (fiz isso quando os adquiri) para uma pessoa mais velha e ela já saber o significado é muito gratificante, mais gratificante ainda é saber que tem muito mais, é vasto nosso vocabulário, que por mais que seja “normal” falar assim, carregamos muita história por trás de cada palavra ou dialeto.





MEMÓRIA CULTURAL - UM CASO DE AMOR NA ROTA BAHIA-MINAS

  Imagem: Internet   Seu maquinista! Diga lá, O que é que tem nesse lugar (...) Todo mundo é passageiro, Bota fogo seu foguista ...