terça-feira, 26 de outubro de 2021

O ASSUNTO É? - O mito da beleza

 

Fotos: Jô Pinto


“Adquira já o creme que vai deixar sua pele mais jovem, bonita e saudável”. Somos bombardeadas constantemente por anúncios como esses que associam juventude, beleza e saúde. Vivemos numa sociedade onde o processo inevitável do envelhecimento não é bem visto, principalmente quando se trata das mulheres. De forma geral, a nossa sociedade despreza as pessoas idosas, porém quando o marcador geracional se intersecciona ao marcador de gênero, o desprezo se intensifica. Às mulheres não é permitido envelhecer. Uma gigantesca cadeia de indústrias de cosméticos investe em propagandas direcionadas ao público feminino  que enfatizam que é preciso nutrir a pele, revitalizá-la, hidratar cabelos, unhas, cotovelos, cutículas e dedicar cuidados intensos e contínuos a cada milímetro do corpo com o intuito de mantê-lo jovem e belo. Porém, a nutrição e hidratação são externas, pois concomitantemente as mulheres devem desnutrir seus corpos, uma vez que corpos muito nutridos também não são bem vistos. Desde a primeira infância, as meninas aprendem que o mais importante para serem aceitas pela sociedade é a aparência física dentro dos padrões estabelecidos de beleza e feminilidade que são associados à magreza, brancura e juventude. Beleza e aparência adequada são estabelecidas como características consideradas imprescindíveis para que a mulher seja aceita.  Outro dia li em algum lugar que, enquanto nos meninos são elogiadas características como força, coragem, persistência, nas meninas os elogios são sempre voltados para a beleza, as roupas e  os acessórios. Podemos considerar tais “elogios” como uma pedagogia de gênero que através da repetição estabelece  aspectos específicos para mulheres e homens. É importante perceber que tais construções estão a serviço do capital. Somos levadas a direcionar nossa energia para a busca de adequação aos padrões sempre inatingíveis de beleza, tal potencial poderia ser utilizado na luta contra o patriarcado, ao mesmo tempo em que consumimos incansavelmente inúmeros produtos e serviços que nos são oferecidos. São tantos os produtos de cosmética voltados para as mulheres, que se fôssemos nos dedicar a estes “cuidados” o dia seria curto para tantas rotinas de beleza, sobraria pouco tempo para o estudo e outras atividades.  Naomi Woolf, no livro “O mito da beleza” sugere que a mobilização para o cuidado da beleza é uma forma contemporânea de controle dos corpos e mentes femininas, pois nos desmobiliza ao drenar nossas energias da luta por transformação social, para a busca constante de adequação a padrões de beleza inatingíveis. Podemos mencionar também o crescimento do mercado das cirurgias plásticas que tem como público-alvo principalmente as mulheres de todas as idades. Inclusive, tem crescido assustadoramente o número de adolescentes e jovens que se submetem a cirurgias plásticas com finalidades estéticas, ou seja, para se enquadrar nos padrões de beleza reiterados nas mídias sociais, numa fase em que o corpo jovem ainda está em processo de transformação. O bombardeamento constante que sofremos para nos enquadrar nos padrões de beleza contemporâneos causa angústia, tristeza e aniquilamento da autoestima, principalmente das mais jovens, levando ao adoecimento mental que se materializa em transtornos como bulimia, anorexia, dentre outros. Por fim, convém refletir que toda essa ênfase na necessidade de busca da beleza ecoa no vazio existencial que caracteriza a existência humana, tal falta nunca é preenchida, embora sigamos na busca. Acredito que a filosofia, a literatura e o engajamento em causas coletivas são profícuas formas de buscar preencher nosso vazio existencial. E você, o que faz para nutrir seu ser?

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sábado, 23 de outubro de 2021

EscreVIVENDO – convida JULIA GOMES



Júlia Gomes nasceu em 12 de maio de 1997, reside no município de Araçuaí, no médio Jequitinhonha.

Vinda de uma família de grandes mulheres lutadoras, ela não fugiu do grande legado da sua ancestralidade e, por isso, tem uma trajetória marcada pela luta em movimentos quilombolas, feministas, culturais, teatrais, entre outros.

É graduada em Serviço Social pela UFVJM e técnica em Agroecologia pelo IFNMG. Escreve poesias em Zines e participou como umas das autoras do livro "Raízes: Resistência histórica/ escritoras negras", lançado em 2018, pela Editora Venas Abiertas.

Atualmente, ela também é empreendedora, e tem uma loja, a @store_flordosol. Uma marca cheia de estilo e empoderamento feminino. Ela ainda fabrica incensos artesanais e sais para banho. Uma delícia! Vocês precisam conhecer. Sigam o Instagram da Julia Gomes, a @ju.sol, “Filhas do Sol”.

Abrir este espaço para ela é muito significante para mim. Uma grande amiga, com que já partilhei inúmeras vivências. Uma mulher negra, que me inspira, com sua luta, fé, escrita e ancestralidade. Falar de Júlia é falar de afeto. Gratidão, mana!


Luta à reflexão

(Julia Gomes)

 

Ser mulher por si só já é muuuita luta

Luta desde o nascer

À cada dia que passa... padrões já são impostos

Rosa de menina e não se deve discutir isso não!

 

Vai crescendo já começa a brincar de boneca...

Nem sei mesmo se quero isso.

 

Mas só tive isso de brinquedo!

Na verdade não. Tinha também umas panelinhas, vassourinhas e geladeirinhas todas rosinhas

 

Eram lindas confesso

 

Mas o que elas queriam me passar ?

 

Pq os meninos tinham carrinhos avioezinhos e super heróis?

 

Falando nisso é difícil ver uma mulher como super heroína né ? Até tem! Mas não é visibilizada

 

O ser menina já era uma luta

 

Os padrões que nos educaram querem nos dizer algo. UM lugar que devemos estar.

 

O que você acha sobre esse lugar que querem nos impor ?



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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

DIÁRIO DE LEITURA - Degustação



Biografia

LARISSA SANTOS nasceu em 25 de fevereiro de 2001, em São Paulo – SP. Com sete anos de idade mudou-se para a Cidade de Comercinho – MG localizada no Vale do Jequitinhonha, onde reside até os dias atuais e pela qual possui imenso amor e considera seu lar. É estudante de pedagogia pelo IFNMG - Campus Salinas. Apaixonada pela arte desde pequena, já participou de corais de igreja, já foi atriz e integrante do GTTV (Grupo Teatral Terra Vaga) e hoje se encontra na escrita.

 

Lampejo do Vale

Larissa Santos


Ei moça

Você é luz

Lampejo do vale

Que brilha mais que o nascer do sol

Do rio Jequitinhonha

Mostra sua força pro mundo

Orgulhe-se de ser

Do jeitin que ocê é

Uma formosura de mulher

Guerreira

Que apesar das tormentas

Não abaixa a cabeça

Continua a sorrir

Segue na fé

E venha o que vier

Não tem medo de cair

Sacode a poeira

E logo está de pé

Esbanjando esperteza

Força e beleza

Transborda poder

Da mulher do vale

Que sabe o que quer.

 

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terça-feira, 19 de outubro de 2021

O ASSUNTO É- ? Professoras

 


O dia 15 de Outubro é uma data muito feliz para nós, professoras e professores, quando recebemos as felicitações gratificantes por parte dos/as estudantes com os quais convivemos, aprendendo e ensinando. Nesta data até 2017, meu telefone tocava e minha mãe cantava: “Professora, querida professora, nesta data, nesta data tão feliz, Deus lhe dê, Deus lhe dê, professora, todo bem, todo bem que a gente quis. (...) no recreio a correr, como nós a viver, a nos dar sempre o seu coração”. Eu ficava desconcertada e sem saber o que falar, me emocionava com esse reconhecimento dela, que demonstrava também orgulho por eu ter me tornado professora, a primeira da família. Nesse dia, todo ano,  fico esperando a ligação que não mais virá, pois ela partiu definitivamente de minha vida, porém, a grata lembrança permanece. Quero neste espaço compartilhar com vocês um pouco da trajetória de uma professora que conheci, trata-se de minha Tia Zezé que já mencionei em outro texto. Ela foi professora por trinta anos na Comunidade Rural de Catarina, município de Bocaiúva. Me relatou que após ter  formado a quarta série primária, que equivale a atual quinta série do ensino fundamental que conhecemos hoje, foi indicada para o cargo de professora rural. Chegou na Fazenda Catarina para lecionar, entretanto, como não havia prédio escolar, as aulas ocorriam  na casa de um fazendeiro. Posteriormente, Tia Zezé mobilizou a comunidade e conseguiu construir a escola que até hoje funciona como educandário do município. Relatou-me também, que, naquela época era um tanto quanto difícil, além de ensinar, ela também fazia a merenda dos/as estudantes, sua casa era muito distante, os caldeirões eram pesados, a comida cozida no fogão de lenha. Para transportar até a escola, usava uma vara forte que passada na alça do caldeirão o suspendia, uma ponta no seu ombro e a outra no ombro de alguma das estudantes, assim iam levando até a escola. Além de ensinar as primeiras letras e as quatro operações, era ela quem orientava as meninas sobre as questões próprias da vida das mulheres, como a primeira menstruação, casamento etc. Também se envolvia em conflitos familiares ao tentar proteger suas alunas das violências dos pais. Durante o dia lecionava para as crianças e à noite para os adultos, em sua maioria não alfabetizados, dentre estes, conheceu o marido, meu tio Preto e se casaram. Depois de casada passou a desempenhar um jornada exaustiva, dava aulas, trabalhava em casa fazendo comida para os camaradas, buscava água, lavava roupas no rio e ainda trabalhava na roça. Uma vida dura, amenizada pelas atividades religiosas e comunitárias, minha tia era  Católica, devota de Bom Jesus da Lapa e do Senhor do Bomfim. Todo ano viajava para a Lapa em peregrinação, bem como, para Bocaiúva em procissão. Penso que a experiência de minha já falecida tia é semelhante à de muitas/os professoras/es ao longo da história da educação no Brasil. Tendo que assumir muitas vezes as atribuições dos gestores públicos, como a construção de escolas, para garantir o acesso do povo brasileiro à educação. Nos ficam como símbolos da luta e resistência anônima pela educação popular.

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segunda-feira, 18 de outubro de 2021

MEMÓRIA CULTURAL - Ao Mestre com Carinho

 


Imagem internet

            Recordando dos meus professores no primário, cada um com seu melhor e mais moderno da época.

            No meu primeiro ano, ganhei um abraço da professora Vilma. Aquilo era como se fosse um prêmio e valia ouro.Sonhava em poder ganhar outro abraço apertado, não foram muitos, mas suficiente para me encher de alegria.

            No segundo ano, tive uma professora que achava parecida com uma fadinha, por ser baixinha, alegre e adorava cantar na sala. Assim era Dona Miracy.

            No terceiro ano, foi uma surpresa! Ter um homem como professor. Tinha muito medo, por causa de um cipó que caminhava  de um lado para outro. Ser chamada à frente, para responder a tabuada, era tortura. Mas quando chamava para fazer uma roda. Significa que a semana tinha sido perfeita! Porém seu humor podia mudar de uma hora, para hora, qualquer que fosse a falta de educação de algum, todos pagavam o preço da mal criação.Assim era o professor Eustáquio.

            No quarto ano, foi a vez de conhecer alguém que instigava, perguntava, questionava. Tinha sempre em seus lábios saindo um “porquê?”. Era extremamente observadora e cautelosa. O nome dela era Dona Dôra, era gorda,  fumava às escondidas , mas de uma atenção e cuidado! Em sua companhia  desfrutei  de muitos piqueniques no campo de futebol, no clube da cidade, regado com muito biscoito de goma, bolacha e K-suco de groselha.

            Assim foram meus professores do primário, que marcaram minha infância  no saudoso Grupão!

            Destes mestres apenas Dona Dôra não está mais neste plano, os outros estão aposentados , mas na memória de tantas pessoas, que como eu , guarda o sabor da infância  e a memória destes mestres, que fizeram nossas histórias mais coloridas.


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sábado, 16 de outubro de 2021

EscreVIVENDO- ProfessorAR

 

Fonte Instagram @zedocordel


No dia 15 de outubro, os/as professores/as recebem homenagens. Mas você sabe a origem disso? Já parou para pensar o seu real significado em nossas vidas? Já se deu conta de que sem um/a professor/a nenhum outro/a profissional é formado/a? Vamos refletir sobre isso?

O dia do/a Professor/a foi criado por Antonieta de Barros (1901-1952), filha de ex-escravizados, foi uma política e jornalista catarinense, sendo, segundo Jarid Arraes, a primeira deputada estadual negra em todo o Brasil. Ela criou a sua própria escola para que pudesse alfabetizar a população negra e pobre, atuando, também, como escritora.

Diante do legado deste dia, acredito que falar do exercício de professorAR, é destacar a necessidade de valorização da educação brasileira, como um direito social nosso, do povo. Significa pautar a suspensão do teto dos gastos por 20 anos, que vem se consolidando em nosso país, em diversas políticas públicas, como a política de educação. E significa, ainda, pensar que a educação é um campo de disputas. Afinal, de que educação estamos falando, quando a defendemos? Como afirmava Paulo Freire: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Então, que saibamos conectá-la com experiências cada vez mais próximas do projeto popular e não para reproduzirem a meritocracia.

Neste período pandêmico, com aulas remotas, fico pensando: quantos/as professores/as tornaram a sua casa uma extensão da sala de aula ou a sala de aula uma extensão das suas casas? Quantos/as estão sofrendo com dores musculares e ansiedade? Quantos/as nunca deixaram de conviver com os salários defasados? E quantos/as queriam que, neste dia de hoje, muito mais do que ganhar flores e/ou bombons, os seus direitos fossem reconhecidos?

Por isso, deixo aqui um SALVE para todas/os aqueles/as educadores/as que marcaram a minha trajetória e, em especial, aquelas/es que me possibilitaram um dia eu ser professora e que ainda me possibilitarão. Viva a educação pública brasileira! Que nunca esqueçamos de a reverenciar e de lutar por ela. É por ela que aqui estou.


Dados: Jornal Brasil de Fato

E conheça a história de Antonieta de Barros, no livro "Heroínas Negras Brasileiras " (Jarid Arraes)


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quinta-feira, 14 de outubro de 2021

DIÁRIO DE LEITURA - Palavras

 



 

Pode parecer estranho,

mas na ausência das pessoas,

as palavras me trouxeram

compreensão e humanidade.

 

São poucas as pessoas que

me confortaram como as palavras.

As palavras estavam lá,

quando ninguém mais estava.

 

Ocuparam o vazio que

muitos aqui deixaram...

Acalmaram as minhas tristezas.

Nunca sozinho... sempre com elas.

 

Está aí a razão da minha escrita,

das minhas madrugadas sobre os papéis.




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quarta-feira, 13 de outubro de 2021

OPINIÃO DO BLOG - Desses achados que vale a vida.

Visita da Imagem de Nossa Senhora Aparecida  Itinga - Foto: Jô Pinto
 

A mais de três séculos com uma fé inabalável uns pescadores experimentaram o achado interessante. De uma dor da opressão, de uma ausência de amor e de um desejo grande em encontrar Deus se colocaram em preces sobre uma canoa singela a procura de peixes.

Não estava nada fácil, como não é fácil a vida dos pobres no Brasil. Já naquele tempo o povo oprimido por um governo bandido que tinha como lema a riqueza pela exploração. Se alguma semelhança, mera coincidência.

E, aquele governo tirano queria comer peixe ali no Vale do Paraíba e exigiu dos pescadores um feito tão duro como acertar um tiro no escuro. Saíram destemidos sem saber por onde começar, mas sabiam ao tocar nas águas que a oração era seu único argumento. 

E se colocaram em preces diante do desespero de voltar pra casa sem o peixe exigindo. E a fé daqueles homens simples, chegaram aos ouvidos de Deus. Lançaram as redes no rio, e sem peso de pescado nenhum trouxe a cabeça de uma imagem pretinha, e da segunda tentativa pescaram o corpo que compunha a imagem da mãe do Senhor. 

Ajoelharam ali diante da pequenininha imagem, e mesmo sem bagagem agradeceram. Um encontro inusitado, um desejo orado Deus veio ao encontro. Não importava mais peixe. 

A liberdade chegou. Pelas mãos de Nossa Senhora Aparecida a alma livre dos pescadores. Ali mesmo agradeceram e fizeram da fé um ato de liberdade para aqueles que querem ser livres e de Deus. 

Hoje pelo Brasil amada, pelo mundo venerada, tudo num desses achados que vale a pena toda vida.


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sábado, 9 de outubro de 2021

EscreVIVENDO - Momento de Poesia

 

                                                                                                  
Nas foto: Thaisa Martins 
Bonecas de Arlete Barbosa  ( Comunidade Quilombola Santo Izidoro/ Berilo-MG)
Créditos da Foto: Joildes Brasil


Pretinha

 

Como eu queria com ela brincar

Estar com ela, desde pequena,

E, com isso, me identificar.

 

Sentir os seus traços junto aos meus,

E saber que posso ser assim,

De cabelos para cima e sem medo de mim.

 

Eu queria que todas as crianças a pudessem ter,

E conhecessem todas as possibilidades que uma boneca pode ser.

 

Na infância, pela Barbie “legítima”, eu chorei.

Não só por não me reconhecer,

Mas por dinheiro para comprar não ter.

 

Hoje, digo que a Barbie não nos representa.

É só uma ideia fútil, que o capitalismo sustenta,

Para mostrar para você, que é o consumismo que te alimenta.

 

O que te sacia é ser você!

Ponha o seu black para cima!

Levante!

E mostre todo o seu poder.


Thaisa Martins


    



 Nas foto: Thaisa Martins 
Bonecas de Arlete Barbosa e  de Sandra Alves ( Comunidade Quilombola Santo Izidoro/ Berilo-MG)
Créditos da Foto: Joildes Brasil




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quinta-feira, 7 de outubro de 2021

DIÁRIO DE LEITURA - O menino que prendeu o mar

 

Imagem Internet

A inocência tem um poder que o mal não pode imaginar.

- O Labirinto do Fauno

 

 

Mineiro na praia é até bonito de se ver. Eu gosto de quem consegue ainda olhar, para o que quer que seja, com encantamento. Essa coisa de não ter, deixa a gente num gostar meio desajeitado. Pela falta de trato mesmo. Ainda aqueles que dedicam todas as suas férias em viagens litorâneas, não conseguem desenvolver aquela familiaridade do convívio.

O meu pequeno, já não tão pequeno assim, parou logo que chegamos e botou reparo intenso naquele mundão velho d’água a nossa frente. Sentou-se na areia e disse tranquilamente, quase para si mesmo:

— Vou prender o mar.

Eu ri, bastante descrente, coisa que se ele percebeu não se importou, porque começou a remexer na areia. Para forjar uma brincadeira e despistar meu descaso, falei sem muita convicção:

— Também vou ter o mar. Vou me tornar presidente do Brasil.

— Mãe, o Brasil não é dono do mar.

— Uai. Então, vou me tornar presidente da ONU.

— A ONU divide as coisas, Mãe. Vão te tirar de lá logo.

— Tá difícil, viu. Deixa eu ver... vou me aliar a extraterrestres.

O silêncio dele falou por si. Parei de teimar e me calei, observando aquele imenso todo que era ainda só um pedacinho do oceano.

- Escreve um poema, Mãe. Você é escritora.

Sorri. Claro. Peguei o caderno e comecei a rabiscar versos de um mar todinho e só meu. Metáforas do tão complicado amor. Quando acordei do transe poético olhei para o meu filho, sereno, dedicado à empreitada de brincar.

— E você, filho, quando pretende prender o mar?

— Hoje.

— Pois já devia ter começado.

— Já comecei.

— Já?

— Vou fazer um buraco.

Sorri genuinamente e voltei a me dedicar a apossamentos de mares e amores. Não percebi que a maré subia. Meu filho se aproximou com os olhinhos reluzentes e me cutucou.

— Está quase!

Quando olhei para o mar, vi que ele veio muito perto, deixando um pouco de água num, até singelo, buraco perto de nós.

O sorriso do garoto iluminou o sol.

Na volta do mar, a areia sedenta bebeu praticamente toda a água que restara no buraco, sobrando talvez menos do que um litro ali. Ingênua, ainda me atrevi.

— Filho, você não tem o mar. Olha o tamanho dele, isso aí mal enche um copo.

— Tenho o suficiente.

Arqueei as sobrancelhas. Ele me olhou, com a ciência de quem dizia o óbvio.

— Eu não preciso do mar todo.

Respirei profundamente o ar impregnado da sabedoria genuína. O pequeno se pôs a brincar com seu suficiente e pleno mar.

— Nem eu – respondi ensimesmada.

Quando foi que crescer levou embora minha liberdade?


Herena Barcelos

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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

OPINIÃO DO BLOG - O novo normal

 

Imagem internet

Parece que foi ainda ontem que estávamos recolhidos, distante de tudo e de todos. Uma onda grande de medo tomou conta do mundo. Sem saber o que fazer e como proceder começamos reinventando coisas para fazer valer o tempo perdido. 

A expectativa em voltar ao normal gerou uma ansiedade no ser humano. Achamos que no outro dia ia passar tudo. Mas, não foi bem assim. Esperamos um ano e nada. Ou melhor, muita coisa estava mudando e eu nem percebia. A forma de trabalhar, de conviver e de ser. 

As relações próximas ganharam sentido novo. Esperamos mais um pouco e a vacina chegou. Mas, ainda não era o fim. E começamos nos testar, sair ir para o bar, juntar com outros amigos. 

Ressabiados aos pouquinhos estamos voltando. Sem se colocar no lugar das famílias que perderam entes queridos, sem se colocar no lugar dos milhões passando fome e de tantos desempregados. O novo normal precisa me tornar o humano que deixei de ser antes da pandemia.

O novo normal precisa devolver a alegria sem agredir o bom senso. Sabemos que ainda não é o momento. Mas a vontade de viver grita forte. E o novo normal é,  a consciência que precisamos agir diferente.


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terça-feira, 5 de outubro de 2021

O ASSUNTO É? - “A cor da ternura” de Geni Guimarães

 

Imagens internet

Na semana passada, li o livro “A cor da ternura”, da escritora Geni Guimarães. Ainda não a conhecia, apesar de que, há algum tempo, priorizo livros escritos por mulheres e nos últimos anos dou primazia aos escritos das mulheres negras. Tal opção tem como objetivo preencher uma lacuna na minha formação enquanto leitora, num país em que racismo e sexismo se interseccionam, fazendo com que as produções culturais e acadêmicas das pessoas negras, em especial das mulheres negras sejam invisibilizadas. Tal apagamento se insere num conjunto de práticas que constituem o epistemicídio, o aniquilamento físico e intelectual do povo negro, para favorecer o grupo racial dominante, conforme define Sueli Carneiro em sua tese de doutorado. Entretanto, ainda não havia ouvido falar de Geni Guimarães, mesmo que seu livro “A cor da ternura” tenha sido laureado com o prêmio Jabuti, importante reconhecimento, além de outros prêmios. Geni Guimarães nasceu em 1947 no Estado de SP e publicou seu primeiro livro de poemas, “Terceiro filho”, em 1979. A autora tem vasta produção, bem como uma trajetória ligada à luta contra o racismo e em favor do povo negro. Mas aqui quero falar sobre  minha experiência de leitura do livro “A cor da ternura”. O que me conectou ao texto logo no início da leitura foi a relação da protagonista com a mãe, aspecto que permeia o texto com muita sensibilidade e carinho, remetendo-me à minha própria infância e ao apego que tinha com minha falecida mãe. A escrita é fluída e de fácil compreensão, porém tais características não deixam o texto superficial, pelo contrário, são muitas as camadas de sentidos, sem falar na narrativa poética que ela tece. Fiquei encantada com a forma como Geni Guimarães construiu uma perspectiva infantil das desigualdades raciais, mas sem ignorar aspectos, como a simplicidade e a inocência da infância. A trama caracterizada como escrevivência mostra a trajetória da jovem professora negra desde a infância, as relações familiares, a chegada de mais um irmão, o ingresso na escola e a forma como o racismo está presente naquele universo, afetando a subjetividade da  narradora. Não vou dizer mais sobre o livro, para não atrapalhar a leitura que vocês certamente farão. Enquanto isso buscarei, sem mais perda de tempo, conhecer os demais livros dessa importante escritora  brasileira,  cuja escrita quebra o racismo, como ela mesma disse na 7ª edição da  Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa: “Está tudo contra nós, mas nós estamos a favor (...). Com as nossas histórias estamos construindo a verdadeira abolição.”


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segunda-feira, 4 de outubro de 2021

MEMÓRIA CULTURAL - O Motorista da ambulância

 


O ofício de motorista de ambulância merece nossas considerações, pois são trabalhadores que lidam com a fragilidade das pessoas entre a morte e a vida.Atualmente muitas estradas estão sendo recuperadas, a manutenção ocorre com mais freqüência e existem mais funcionários para esta função. Porém antigamente o número era reduzidíssimo.

            Ouvi de um motorista experiente, um episódio ocorrido com seu colega, pelos anos da década de 1990.

            Um motorista de ambulância de uma cidade do interior mineiro, foi levar um doente à Belo Horizonte. Após a internação do paciente, preparava-se para retornar, quando um enfermeiro veio ao seu encontro, para avisar-lhe que acabara de falecer um paciente da sua cidade.

Naquela época não havia tantos protocolos, o pobre falecido, nem sequer caixão lhe dera, simplesmente a ordem era: pegar o corpo e despejar na ambulância.

            O destino era uma comunidade rural distante da sede, o motorista pretendia entregar aquele corpo e descansar, pois, fazia três dias, trabalhando sem parar. Porém um empecilho surgiu, porque sendo novato na função, quase não conhecia as pessoas. Logo, não sabia da comunidade que o falecido pertencia. Sabia apenas da direção da comunidade, isso era suficiente.

            Na estrada para a comunidade começou a indagar as pessoas que encontravam, pois tinha a ficha do hospital, mas nessa região se conhece mais pelos apelidos. O jeito era descer do carro, abrir a traseira e mostrar o pobre.

            Em certo caminho, avistou um grupo de jogadores, num campinho de terra, solicitou ajuda de um deles para reconhecer o corpo e ensinar o trajeto da casa. Sendo reconhecido, informou-lhe que a família já aguardava, ensinando o trajeto para percorrer.

 Assim seguiu, ao avistar uma serra, percebeu que logo anoiteceria, decidiu apertar o pé no acelerador para chegar mais depressa. Subindo e descendo ladeira finalmente avistou um movimento ao longe. Era a família enlutada, a mulher desesperada, em prantos, os mais jovens correram para aproximar-se do carro, para   tocar no seu ente querido e velar como de costume naquela redondeza.

            O motorista ao descer, percebeu algo estranho: a porta traseira balançando. Estremeceu na hora: __cadê o defunto?  

Tornou a olhar direito, mas não havia ninguém.  O motorista com jeitinho pediu licença e   arrancou o carro ladeira abaixo, perguntando aqui e ali, olhando para fora da janela.  Até que alguém gritou numa ribanceira: __está aqui!  O defunto tá emborcado!

Lá estava o pobre coitado ao relento, escorrido ladeira abaixo, ainda bem que foi detido por um galho de árvore e amortecido pelas folhagens que havia por ali.

Pegou o defunto, rapidamente com a ajuda dos homens que estavam ali, roçando, colocando no veículo.

            Chegando novamente na casa, aquela choradeira danada. Mas finalmente, o morto foi entregue para ser velado e descansar em paz. E o motorista todo sem graça, fez a despedida e partiu. Ele  de tão assustado que ficou, desistiu da função. Todos da redondeza recordam deste episódio, para lembrar da dureza que era a assistência para uma pessoa de zona rural.


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sábado, 2 de outubro de 2021

EscreVIVENDO – Escrevivências a partir do CABELO

 

Imagem do Grupo sou negro

“Como, mulher, tu não querias andar assim, se tua essência é esta?” (Thaisa Martins)

Cabelo. Parece algo simples e, geralmente, é reduzido apenas ao gosto pessoal de quem o tem.

O gosto, se sentir bem como aquilo que está em cima da sua cabeça, é fundamental, óbvio. Mas acho importante conversar para além da aparência, do mero penteado, textura ou cor de um cabelo.

Pensando o meu lugar, como mulher negra, venho aqui comentar que cabelo, para nós, negras, não se trata apenas de uma questão de estilo ou modismo. É um símbolo e pode ser compreendido como um instrumento de resistência.

Em 2021, completou-se oito anos em que eu, finalmente, deixei o meu cabelo se expressar naturalmente. Dos 6 aos 23 anos passei pelos tradicionais rituais de chapinha e alisamento químico. Sim. Foram mais de 15 anos nesta rotina! Permitir com que meu cabelo pudesse, enfim, ser ele, foi a abertura para algo muito maior e profundo, que envolve o processo de reconhecimento como mulher negra. E afirmo que isso é um processo, porque de fato é. Somos um país que viveu quase quatro séculos de escravização do povo negro, e os diversos mitos de mestiçagens construídos aqui, retardou o nosso reconhecimento como negros e negras, reduzindo-nos a nomenclaturas, que nos impunha à aproximação ao branqueamento, como “moreno” e “marrom bombom”.

Por isso, não é de hoje que corpos negros incomodam a sociedade ou são hiper sexualizados, tratados como objetos e, que, portanto, as pessoas se sentem na permissão de tocar, sem a permissão, ou de dar opinião sobre, sem sequer serem questionadas. Portanto, afirmo que o cabelo crespo é resistência, porque incomoda a sociedade e a afronta, a enfrenta.

No início deste ano, em um reality show, o nosso cabelo, por ser volumoso e crespo, foi comparado como a peruca que compunha a fantasia de um “homem das cavernas”. O nosso cabelo pode ter uma aparência tida como ressecada, para a sociedade, porque a oleosidade natural do couro cabeludo não chega facilmente até as pontas, como no cabelo liso, por exemplo. Afinal, há muitas curvas e cachinhos envolvidos neste trajeto, o que impede uma hidratação contínua do próprio couro cabeludo. Então, a meu ver, olhando para a referida peruca exposta no reality, eu não nego a semelhança. Agora, usar isso como recreação é que deve ser altamente repudiado, porque, de fato, é racismo, pois oprimiu a nossa identidade ao fazer chacota de um símbolo tão importante que a compõe, como o cabelo.

Na ocasião do referido reality, como era de se esperar, o tratamento dado a esta questão foi meramente individual. Daí, a importância de refletirmos sobre o racismo como algo estrutural, pois de tanto estar presente nos diversos espaços da sociedade, chega até a aparecer como se fosse entretenimento.

Para terminar, quero dizer que sou muito grata a escritora Djamila Ribeiro por, no ensaio autobiográfico expresso em seu livro “Quem tem medo do feminismo negro?”, ter me mostrado que o que eu passei, durante a infância, na escola, não era brincadeirinha, ou mesmo, bullying. O que eu passei foi racismo. Ser segredada de espaços por ter cabelo crespo não é simplesmente briguinha de coleguinhas, e continuar a ser alvo de chacotas quando o alisava é algo que só quem viveu sabe do que se trata. Lembro direitinho do dia em que, no ônibus escolar, um colega de aula puxou o prendedor do meu cabelo e cantou a música da propaganda de esponja de aço “Assolan”. Eu fiquei muito envergonhada e desesperada. Hoje, quero dizer para atitudes como esta que podem soltar o meu prendedor, que eu balanço os meus cachos e peço que saia do meu caminho, porque eu quero passar com o meu black. Afinal, como diz a música cantada na voz de Gal Costa: “Quem disse que cabelo não sente? (...) Cabelo vem lá de dentro (...)”.

 

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