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Você já pronunciou alguma vez a expressão:
“que baderna!” ou “aquilo foi uma baderna!”? Pois bem, pense
sobre esta mulher a partir desta leitura:
Marietta Baderna nasceu em Castel San
Giovanni, província de Piacenza, no norte da Itália, em 1828. Filha de Antônio
Baderna, médico e músico, iniciou sua trajetória artística no balé, estreando
aos 12 anos nos palcos. Ingressou na companhia de dança do Teatro Scala, em
Milão, e aos 21 já se destacava como prima ballerina assoluta (primeira
bailarina absoluta), conquistando sucesso em toda a Itália e em turnês por
diversos países europeus.
Seu pai, em meio à ocupação austríaca na
Itália, defendia publicamente o movimento democrático que agitava a Europa do
século XIX. Durante a resistência, os revolucionários decidiram suspender a
vida artística enquanto durasse a ocupação, e Marietta, militante, seguiu essa
orientação. A perseguição política era intensa, e assim Antônio e sua filha
decidiram cruzar o Atlântico. A família Baderna chegou ao Brasil em 1849.
A jovem bailarina foi recebida com
entusiasmo pela sociedade conservadora carioca. Logo estreou no Teatro São
Pedro (atual João Caetano), em 29 de setembro de 1849, com o balé Il Ballo
delle Fate, conquistando enorme sucesso e repercussão na imprensa. Marietta
não era revolucionária apenas em suas ideias políticas, mas também em seus
costumes: gostava de festas, de beber, de sexo e, embora brilhasse nos salões
tradicionais, preferia as ruas.
Nas ruas, apaixonou-se pelos ritmos e
danças afro-brasileiras, como o lundu e a umbigada, considerados “escandalosos”
pela sociedade escravista. Ela incorporou essas danças em suas apresentações e
conquistou uma legião de fãs, chamados de “badernistas”. A palavra “baderna”
passou então a ser associada a confusão ou tumulto. Ao unir a delicadeza do
balé à força das danças africanas, Marietta tornou-se uma bailarina do povo,
desafiando normas e valorizando a cultura negra em pleno século XIX, no Brasil
escravocrata de D. Pedro II.
De espírito rebelde, participava de danças
ao ar livre, em locais como o Largo da Carioca, junto aos próprios escravizados
, um escândalo para a elite conservadora. Sofreu represálias: sua dança era
relegada ao final dos espetáculos ou seus contratos não eram renovados. Em
resposta, seus fãs boicotavam apresentações ou faziam “pateada” (batendo os pés
no chão), interrompendo os espetáculos. Faziam, enfim, a maior baderna!
A epidemia de febre amarela de 1850, que
matou milhares no Rio de Janeiro, levou 45 dos 55 artistas que haviam chegado
com Marietta. Ainda assim, há registros de uma apresentação , em Recife, em
1851, com coreografias inspiradas em músicas de raízes africanas.
Há versões de que teria retornado à Itália
após a morte do pai, ou de que Antônio não morreu e voltou com ela à Europa,
onde Marietta teria dado aulas de dança. Com também há registros de sua atuação
na França, em 1863, no Grand Théâtre de Bordeaux. De volta ao Brasil, foi
contratada para a temporada de 1864-1865, mas enfrentou forte campanha moral
contra seu trabalho.
Posteriormente, casou-se, constituiu
família e encerrou a carreira de bailarina, tornando-se professora de dança e
caindo no anonimato. Faleceu no Rio de Janeiro, aos 64 anos, em 4 de janeiro de
1892, sendo sepultada no Cemitério de São Francisco Xavier.
A forma como Marietta Baderna fez política,
lutando pelo direito à cultura popular e pelo respeito às manifestações afro-brasileiras,
incomodou e revolucionou a sociedade de seu tempo. Graças a ela, colhemos
frutos de uma luta que, embora tenha deixado seu sobrenome associado a uma
expressão depreciativa, representa resistência e liberdade artística. Mesmo sem
ter vivido para assistir à abolição da escravatura, para continuar sua
trajetória clamando por dignidade, justiça e liberdade, foi intensa e especial
para o país.
Se você chegou até aqui, espero que tenha
gostado de conhecer esta mulher incrível. Divulgue sua história, fale dela com
orgulho e compartilhe a emoção que sua vida desperta. Para saber mais ainda,
assista quando puder ao docudrama Marietta Baderna, dos Palcos ao Dicionário,
dirigido por Mariana Alvim, com roteiro de Luciana Chamon. Estreado em 20 de
fevereiro, nos cinemas Cinesystem Botafogo (RJ) e Frei Caneca (SP), o filme tem
72 minutos e resgatou a trajetória da bailarina italiana que sacudiu a
sociedade carioca do século XIX com sua dança ousada e suas escolhas liberais.
Referências:
CORVISIERI, Silverio.
Maria Baderna – a bailarina de Dois Mundos. Rio de Janeiro: Record, 2001.
BUENO, Márcio. A Origem
Curiosas das Palavras. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. https://ensinarhistoria.com.br/a-origem-da-palavra-baderna/ - Blog: Ensinar
História - Joelza Ester Domingues
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