quinta-feira, 15 de junho de 2023

GIRO PELO VALE - Vale do Jequitinhonha de Luto, morre Maria Rosa Negreiros


 O cidade de Caraí é o Vale do Jequitinhonha de luto.


A história de Maria Negreiros (1973) é marcada por persistência, superação, resiliência e, como tem de ser, felicidade. Na década de 90, com duas filhas pequenas, Maria dividia seu tempo entre os afazeres domésticos e a plantação de feijão. Com a escassez das chuvas em boa parte do ano no Vale do Jequitinhonha, buscava alternativas para melhorar a renda da casa. 


Por influência de uma vizinha merendeira e ceramista nas horas vagas, Maria se aventurou no barro. “Ficava pensando ‘Aqui, desde pequenininha, a gente brinca com barro, então alguma intimidade eu tinha que ter’. Tentei e insisti até dar certo”, conta com alegria. A primeira peça a sair de suas mãos foi um presépio e, em poucos dias, foi vendida para uma cliente que se encantou com a composição.


De lá pra cá, Maria se dedicou a narrar suas redondezas. As construções, em especial, revelam traços do trabalho, da arquitetura e das relações nas zonas rurais e urbanas dos pequenos vilarejos do Vale. Com a ajuda do barro, eterniza lugares das ruas e da memória, estimulando registros a partir da observação e da invenção. “Sinto muito orgulho de fazer o que eu faço. Nada me deixa mais contente do que ver as peças prontas. É a melhor ocupação para a minha cabeça e para minha vida”, exclama. Bravo, Maria!


Texto e foto

Renato Primo

Secretária Municipal de Cultura de Caraí 

segunda-feira, 5 de junho de 2023

MEMÓRIA CULTURAL - Quiabo


 

 

O quiabo(cujo nome científico é Abelmoschus esculentum) tem origem africana e possivelmente começou a ser cultivado na região entre  o Egito e a Etiópia. Mas é também muito consumido no Sudão, Nigéria, Mali, Guiné-Bissau e Burkina Faso. Nos Estados Unidos ele é considerado um alimento típico dos Estados do sul.

  Sua chegada às Américas tem íntima relação com o triste período do tráfico negreiro. Ao traficar as pessoas capturadas na África, o vegetal também foi trazido para o “Novo Mundo”. Os primeiros registros do alimento em terras brasileiras datam de século XVII.

O quiabo também tem uma importância, além da culinária, na cultura afro-brasileira. No candomblé, existem rituais em que o alimento é utilizado como oferenda aos orixás Ibeji, protetor das crianças, e Xangô, que representa a justiça. Também pode ser preparado  como o “ajebo ou ajébo, feito com seis ou doze quiabos cortado em "lasca", batido com três clara de ovos até formar um musse, regado com gotas de mel de abelha e azeite doce. Colocado em uma gamela forrada com massa de acaçá ou pirão de farinha de mandioca, ornado com doze quiabos inteiros, doze moedas circulante, doze bolos de milho branco e seis Orobôs. A mesma oferenda pode ser oferecida a outras qualidades de Xangô, todavia acrescenta-se azeite de dendê e substitui os doze bolos de milho branco por doze acarajés

Quiabo cru, cozido, refogado, assado ou frito. Não importa o modo de preparo, quiabo é um desses alimentos que permite uma infinidade de combinações.

Atualmente, é cultivado em diversas regiões do País, principalmente no Sudeste. Entretanto, um dos maiores produtores do vegetal fica no sertão sergipano. Localizado no município de Canindé de São Francisco, no Alto Sertão Sergipano, o Perímetro Irrigatório Califórnia é referência no cultivo.

Em razão da quantidade de fibras presente no fruto, ele também é indicado no combate à aterosclerose, pois diminui os riscos de derrame e ataques cardíacos. Rico em vitaminas A, C, B1 e cálcio, há relatos na literatura de pacientes que se alimentaram desse fruto e tiveram melhoras em problemas como colesterol, refluxo, úlcera e asma. Nesse último caso, o benefício está associado ao elevado teor de vitamina C. Popularmente, o quiabo também é usado no tratamento de depressão e ansiedade

 

OUTRAS FONTES CONSULTADAS

A ORIGEM da Culinária Mineira: 300 anos de receitas bem guardadas. Disponível em: http://zip.net/bjtqWy

OFERENDAS e comidas dos Orixas. Disponível em: http://zip.net/bvtrlg


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segunda-feira, 8 de maio de 2023

MEMÓRIA CULTURAL - Povos Indígenas ou dia do Índio?



Anualmente no mês de Abril, costumamos a ver projetos com suas atividades voltadas para homenagem ao dia dos povos indígenas, alguns profissionais nem sabem da alteração do dia 19 de abril, não é mais “dia do Índio, mas através da Lei 14.402/22 agora é “dia dos Povos Indígenas”. A justificativa desta lei tem o propósito é reconhecer o direito dos povos, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, assumindo tanto o controle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico.

           Assim é possível ouvir Maria Luiza Moreira ou simplesmente Luiza Aranã,  mulher que honra sua etnia, falando sobre seu povo e suas transformações ao longo de sua experiência, numa linguagem simples e real. Pois, desde os anos de1990, sua família  se autodeclarou  pertencente ao povo originário, da região do Vale do Jequitinhonha. Ela é cabelereira e artesã de produtos indígenas; cursou seus primeiros estudos na zona rural; teve de interromper os estudos para trabalhar; depois de certo tempo, ingressou-se no EJA, momento que pode concluir o segundo grau, junto ao seu marido. Isto reforça o movimento que o cidadão, pertencente de povo originário precisa trilhar para não ser vítima da exclusão social, econômica  e política.

 O povo da etnia indígena Aranã, que já foi considerado extinto, atualmente  se encontram dispersos em áreas rurais e urbanas de Minas Gerais e São Paulo.

 Diante destas fontes vivas, é preciso orientar nas escolas desde cedo que a figura estilizada do índio é irreal; trazer para dentro das escolas palavras como  “desadeados”, ao invés de reforçar a ideia que todo índio vive da lavoura de subsistência, se nem terra ele tem mais.

           O trabalho com grafísmo indígena, talvez seja importantes alternativas para substituir a forma agressiva de se tratar a figura indígena, bem como a mostra de artesanato, filmes e fotografias. São recursos que atestam a realidade em que vivem atualmente, com dignidade.

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segunda-feira, 10 de abril de 2023

MEMÓRIA CULTURAL - Artesão do Sertão


 

Em 30 de maio, de 2021 publicamos uma matéria com o título “Seu Tião e a arte do sertão”. A importância de se escrever é simplesmente: Deixar registrado um pouco de quem somos e como somos gente de labuta, nem sempre sabemos o que escrever para não entristecer as pessoas. Mas escrever sobre pessoas é uma tarefa de muita responsabilidade, é como tirar o retrato, pegar sua essência e escrever aquilo que melhor condiz com a sua pessoa.

Foi assim com Sebastião Moreira, que se declarava “Caboclo” por ter nascido em uma geração “misturada”, como ele explicou na época, ou seja, processo de miscigenação do índigena, negro e branco, da região de Coronel Murta.

A importância de ter um movimento cultural ativo e atento, não apenas pela sua amostragem de produção artística. Este senhor nascido em 1945, nos rincões deste sertão, trabalhou no campo em boa parte de sua vida. Trocou as brincadeiras de menino para trabalhar duro na roça e lutar pelo sustento da família. Mas através de sua filha Maria Luiza Moreira ou “Luiza Aranã”, que teria apresentado o mundo das artes, em eventos culturais e ao seu primeiro FESTIVALE, na cidade de Capelinha. A partir daí aquele homem resolveu pegar sua carapuça do menino arteiro e resolveu brincar de novo.

 Em 2010, na cidade de Padre Paraíso, o homem não era mais Sebastião, virou “Tião –Artesão da Itira”. Sua coleção de animais silvestres, canoas, canoeiro, imagens de Nossa Senhora e São Francisco. Tudo feito em madeira morta, trabalhada com sua técnica de esculpir, comunicação entre o imaginário e infância.

Quando foi convidado para levar suas peças para “Exposição Aparecida – 300 anos”, em Belo Horizonte no Centro de Arte Popular – Cemig, e cumprimentar o Secretário Estadual de Cultura da época, Angelo Osvaldo. Revelou tamanha gratidão pelo reconhecimento, não por ser homenageado somente, mas por mostrar a sua devoção compartilhada com outras pessoas, inclusive por uma autoridade do estado.

Segundo dele:__”Fazer os bichos do mato é como dar vida, pena que eles não possam voar de verdade! E fazer uma peça de santo é como uma reza, uns gostam de segurar no rosário para rezar, e, eu rezo dando forma ao santo de minha cabeça”(não segurando a risadinha marota, abaixa a cabeça, num gesto de menino acanhado).

Assim se encerra um ciclo de vida, do homem que foi Sebastião Moreira, em 09 de Abril, de 2023, mas o menino “Tião” agora segue brincando com seus bichos de seu sertão, festejando nas folias, do mundo espiritual, com Sâo Francisco e a  Virgem Maria.

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domingo, 9 de abril de 2023

GIRO PELO VALE - Vale do Jequi de luto ,Faleceu seu Tião Artesão


 

É com muito pesar que comunicamos o falecimento do artesão Sebastião Moreira Santos ,

Seu Tião como gostava de ser chamado, revela  despontou e se descobriu neste ofício de artesão , acompanhado pela sua companheira que também aprendeu o ofício.

Nascido na Fazenda Santa Rita,  em 20 de abril de 1945, município de Coronel Murta, a história de sua família remonta ao processo de miscigenação entre índios, negros e brancos trabalhadores da região de Coronel Murta. Seu Tião se autodeclara “Caboclo”.

Foi casado com uma descendente dos povos originários Aranãs, no qual constituiu família, mas depois se separou da sua esposa.

No final dos anos de 1990, passou a acompanhar sua filha Luíza Índia Aranã, em eventos culturais, expondo peças como colares, brincos e pulseiras que representam a sua etnia indígena.  

Com o tempo resolveu criar suas próprias peças, no qual fazia quando criança para brincar, peças feitas de madeiras: Figuras humanas e os bichos que ele observa nas matas do cerrado do Vale do Jequitinhonha.

Sua primeira exposição a convite da diretoria da FECAJE na época foi no FESTIVALE, do ano de 2010, na cidade de Padre Paraíso/MG. A arte, que ele gostava de fazer desde criança, para sua emoção foi muito bem recebida, todas as peças foram vendidas.

Ele se sentiu muito valorizado, e resolveu seguir desenvolvendo e aprimorando seu trabalho.

Revela para confeccionar sua peças sempre usou  madeira seca de arvores já morta, preferencialmente a emburana, por ser leve e fácil de manusear.  Conta que cada peça é batizada por um nome, seu trabalho já foi até para o exterior.

Em 2017, houve uma exposição em Belo Horizonte, denominada  de  “Exposição Aparecida – 300 Anos”, no  Centro de Arte Popular – Cemig, integrante do Circuito Liberdade, ele se sentiu muito lisonjeado pelo convite.

Tive a honra de convida- lo para sua primeira exposição  quando ajudei a coordenar a Feira do Festivale.

Morre o homem e fica seu legado como artesão, pai , esposo e um amigo que contribuiu para o fortalecimento da cultura só Vale do Jequitinhonha e de Minas Gerais.

Vai na luz meu amigo......




 

 

quinta-feira, 23 de março de 2023

DIÁRIO DE LEITURA - Dica de leitura , livro " Solitária "


 

 Recentemente lançado pela Companhia das Letras, o conto da escritora Eliana Alves Cruz “Solitária”, conta a história de Mabel e Eunice, duas mulheres negras, mãe e filha, que moram no trabalho, um condomínio de luxo desses encontrados em qualquer grande cidade brasileira. Eunice, a mãe, é testemunha-chave de um crime chocante ocorrido na casa dos patrões. Mabel, a filha, constrói o caminho que leva não apenas à elucidação deste crime, mas a uma mudança radical na vida das pessoas que cercam as protagonistas. Em prosa ágil, intensa e assertiva, Eliana Alves Cruz constrói uma miríade de histórias que revolve o imaginário do trabalho doméstico no Brasil — ainda tão vinculado à época escravocrata — e o relaciona a questões contemporâneas urgentes como a pandemia, o debate sobre ações afirmativas e a luta por direitos reprodutivos.

Solitária, de Eliana Alves Cruz, constitui-se como uma narrativa que tira o leitor do lugar. Espacialmente, pois nos transporta ao edifício Golden Plate, mais especificamente ao apartamento da cobertura que ocupa todo um andar, onde vive a família de D. Lúcia: “aquela residência parecia mesmo: um cenário” (p. 16). Simbolicamente, porque nos possibilita compreender o espaço e ações narrativas que nele ocorrem, por meio de uma perspectiva inovadora: via personificação dos ambientes domésticos. Ainda, deixa muito claro para nós que a ficção espelha, e se espelha, na realidade, e vice-versa.

Os capítulos do romance receberam títulos que fazem referência direta à organização, disposição e funcionalidade dos espaços: piscina, escritório, cozinha, quarto de despejo, criada-muda. Este é o “cenário” de um crime mencionado já no começo do livro, mas que nós, leitores, iremos desvendar enquanto caminhamos pelas páginas-espaços.

Na primeira parte, a história é narrada pela perspectiva de Mabel, que ainda criança adentrou com a mãe, pela porta de serviço, o apartamento, e com ela dividiu a cozinha e o quarto de empregada; também lá, fez amigos, amores, e viveu dissabores, principalmente, em se tratando da relação com Camila, a filha dos patrões. É no espaço da cozinha que Mabel e sua mãe comemoram uma grande conquista: a aprovação da jovem no vestibular, o que transformam ambas, principalmente porque Mabel reflete: “Eu e mamãe continuávamos ali, na gaiola dourada do edifício Golden Plate. Éramos pássaros dentro de um viveiro luxuoso, mas uma jaula não deixa de ser vilã da liberdade só porque é pintada de dourado?” (p. 69). Aquele é também um cenário de aprisionamento.

Na segunda parte do romance, a história é narrada pela perspectiva de Eunice, por meio da qual se constrói uma linha temporal que ilustra a trajetória do trabalho doméstico no Brasil: da senzala ao quarto de despejo. A mãe de Mabel, no auge do seu/nosso processo de reflexão, afirma, relembrando a trajetória das mulheres de sua família: “além dos espaços apertados que ocupávamos, o silêncio era um companheiro. Era preciso estar presente sem estar. Uma boa serviçal é silenciosa, e a criança que é filha dessa mulher também deve ser” (p. 97). Todavia, alimentada pela partilha da leitura pela filha, pondera: “era como dizia num dos livros de uma escritora chamada Conceição Evaristo, que Mabel passou a devorar e de vez em quando lia pra mim: ‘em boca fechada não entra mosquito, mas não cabem risos e sorrisos’” (p. 97). Aquele é também um cenário de tolhimento.

Já a última parte – Solitárias – os lugares nos quais Eunice e Mabel viveram, bem como aqueles pelos quais passam a transitar são personificados, e pela voz narrativa deles outro olhar sobre as páginas-espaços é possível: Quarto de empregada, Quarto de porteiro, Quarto de hospital, Quarto de descanso, sinalizando uma transformação, uma nova vida, cujo crime ocorrido no Golden Plate parece ter sido um dos desencadeadores. Surge um novo espaço de vida, conquistado por duas mulheres – mãe e filha – que juntas passam a reconhecer e a revelar a mentalidade elitista, traduzida em muitos discursos e ações que, aparentemente em prol da igualdade, visam a permanência de cada um em seu lugar e que traduzem muito bem os nossos tempos: a empregada que a patroa afirma ser “considerada da família”, a demonização das cotas raciais, o julgamento sobre as decisões sobre o corpo da mulher negra, as bandeiras do Brasil estendidas nas janelas, enfim. É lindo ler que na última parte Eunice e Mabel estão livres! Ambas estão livres também do peso de “serem gratas” e, em virtude disso, serem levadas a proteger quem seria a responsável pelo crime: a morte de uma criança, no pátio luxuoso do Golden Plate.

 

Referência

https://www.revistabula.com/57068-os-10-melhores-romances-brasileiros-de-2022/

CRUZ, Eliana Alves. Solitária. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

 

* Elisangela A. Lopes Fialho é mestre em Teoria da Literatura pela UFMG, Doutora em Literaturas de Língua Portuguesa pela PUC-Minas, professora do IFSULDEMINAS - Campus Pouso Alegre e pesquisadora da literatura afro-brasileira e da prosa de Machado de Assis. É coautora de Literatura afro-brasileira: 100 autores do século XVIII ao XXI (2. ed., 2019), Literatura afro-brasileira: abordagens na sala de aula (2. ed., 2019) e de Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica (2Reimpr., 2021).

Link para texto completo

http://www.letras.ufmg.br/literafro/arquivos/autores/Eliana_Alves_Cruz_resenha_Elis_Solitria1.pdf

 

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terça-feira, 21 de março de 2023

O ASSUNTO É? - Identidade

 

MULHER PERDIDA

Por vontade própria

Rompe a opressão e se faz MULHER DE VIDA LIVRE

Livre das prisões seculares

Heterossexuais,

Monogâmicas,

Normativas,

Da misoginia

Da homofobia,

Da transfobia,

Da bifobia,

Livre do estupro,

Do incesto,

Do casamento,

Das ordens do pai,

Dos rótulos,

Das determinações do marido

Não quer ser moça de família

Rainha do lar

Exemplar

Filha de maria

Mulher para casar.

 


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quinta-feira, 2 de março de 2023

DIÁRIO DE LEITURA


 Depois de um tempo de silêncio necessário na coluna, nada melhor que um texto sobre um dia de experimentação de um dos meus grandes desafios de vida: silenciar-me.


DAQUELE NOSSO SINGELO SILÊNCIO

 

Eu não sei calar.

Evidente que há momentos em que não falo. Por fora. Por dentro sou um turbilhão. Quase sempre, mesmo calada, eu estou falando.

Falar demais é um preço alto, porque não me esvazio. Talvez por isso, em mim, as coisas pareçam, às vezes, passar muito rápido. Porque ficam pouco.

Meus silêncios são sempre fortes. Porque eu não sei fazer silêncios. Quando eles existem, é porque não podem mesmo deixar de ser. É porque não há absolutamente nada dentro de mim que conheça de alguma forma a palavra daquele momento. E ele me sujeita a calar.

E não é uma estranheza de novidade. Às vezes, é um toque. É: o toque, já tão bem conhecido da pele. Um toque chega despretensiosamente, como um toque qualquer, e, então, arrebata um silêncio.

Pleno.

E o engraçado é que, quando o silêncio chega, é como se ele sempre estivesse ali. Eles. Neste caso, silêncio e toque. É como se sempre tivessem existido para ser aquele momento de sobrenadar.

É como se eu fosse desde sempre a espera deste quieto. E como se, a partir de então, eu não pudesse ser outra, mas apenas essa que o conhece.

O tempo acentuou meu desejo pelo silêncio. Sou uma busca, mal aplicada, e inglória, de falar menos.

Mas então veio o nosso. Curto e sob o céu nu. E depois dele, o que eu desejo mesmo, ao menos por um tempo, é apenas calar mais. E isso é só porque eu preciso serenar.

Sei que é um eufemismo bobo que espera não macular sua importância. É um medo de que os ruídos de menos acabem por banalizar a plenitude de calar. E que, silenciando demais, tudo se faça sossego, e eu me esqueça do torpor de que sobrepujar a inquietação é estar tão dentro de mim. E, dessa vez, e sobretudo, pelo outro.



Agenda

Na Noite de 10 de março, em Jequitinhonha, lançamento do livro “A Invenção das Coisas”, de Cláudio Bento, no Hotel Bela Vista



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terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

O ASSUNTO É? - Relato de viagem

 


Há lugares que nos marcam profundamente, Milho Verde-MG é um desses. É uma vila que fica no Alto Jequitinhonha, próximo à cidade de Diamantina. A primeira vez que ouvi seu nome singular, fiquei encantada e muito interessada em conhecer o lugar. Desde que foi possível, guardo no coração e sempre que sinto saudades de Milho, retorno em pensamento através das memórias aprazíveis que tenho do lugarejo. Lá a vista se perde no horizonte azulado, as casas têm quintais, com mangueiras, girassóis, roseiras, brincos de princesa, amarílis. A população local é acolhedora, predominante negra, visto que  é uma região com forte presença quilombola. Há pessoas de outras regiões do Brasil e de outros países que se apaixonaram pelo lugar e ali fixaram residência.  Lá tem um chafariz numa clareira ladeado de açucenas, cercado de árvores apinhadas de passarinhos.  A rua principal da Vila não é calçada, e sim, recoberta de areia e gramíneas, tem trechos com pouca  iluminação, o que é  permite apreciar os vaga-lumes e o céu estrelado, nessa rua ficam áreas de camping que recebem pessoas do Brasil e do mundo. A vida cultural gira em torno da igrejinha, que fica num lugar elevado, ao lado do cemitério antigo. Em Milho Verde respira-se melhor e têm-se a sensação de que o tempo desacelera. Anualmente sedia um festival de inverno que reúne artistas da região e de vários lugares do país, há também as festas populares da região como a festa de Nossa Senhora do Rosário, uma festa tradicional que mescla catolicismo popular com tradições africanas. A economia local é baseada na agricultura de subsistência e no turismo. Na região, há quilombos como o dos Baú em Ausente, lugarejo próximo. Não posso deixar de falar da  principal atração da região, as cachoeiras. A cachoeira do tempo perdido, magnífica em sua grandiosidade e beleza, cercada de rica vegetação, localizada na Vila de Capivari, bem próxima de Milho Verde. A cachoeira do Moinho na entrada da Vila, para a qual é possível ir caminhando, lugar belo e agradável. A cachoeira do Lajeado cuja trilha permite apreciar os horizontes largos, a rotação do sol, os beija-flores e uma gama de passarinhos, além da vegetação com uma infinidade de plantas como bromélias, orquídeas, sempre-vivas e quaresmeiras. São algumas das muitas belezas da região, que atualmente é ameaçada pela expansão da mineração predatória, como outras regiões paradisíacas de Minas Gerais. Vale a pena conhecer Milho Verde e todo o Vale do Jequitinhonha. 

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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

MEMÓRIA CULTURAL - A arte de fazer boneca de pano


 

 

Alguns autores relatam a existência de bonecas nas tribos indígenas brasileiras, eram feitas de barro, madeira e pano. Elas representavam divindades ou eram usadas como brinquedo para meninas, simulando atividades cotidianas. Outros defendem que as bonecas foram trazidas para o Brasil pelos europeus, como brinquedos de criança e como parte das prendas domésticas das noivas. Há também os que afirmam que as bonecas de pano chegaram ao Brasil com os escravos e aqui se transformaram em elemento lúdico das crianças carentes. 

Conhecí na Escola Família Agroecológica de Araçuaí, Amanda Magalhães Pereira, dezessete anos. Mora com seus pais na Comunidade Olhos Dágua, município   de Coronel Murta-MG., ambos lavradores. Pais amorosos, mas enfrentando dificuldades como tantos trabalhadores que lutam e labutam no campo, deu-lhe uma boneca Barbie, aos cinco anos de idade. Ficou muito feliz com seu único brinquedo comprado em algum estabelecimento comercial da cidade.

Nunca souberam da verdadeira história desta famosa Barbie, criada pela empresária americana Ruth Handler em 1959, plágio de uma boneca alemã chamada Bild Lili, lançada em 1955, nem tão pouco que o nome Barbie, estava associado a filha do casal americano chamada Bárbara e muito menos ainda que, a empresa do casal americano havia comprado os direitos autorais da boneca  Lilli.

A boneca Barbie chegou ao Brasil através da marca de brinquedos Estrela sob licença da Mattel (empresa do casal  Ruth e Eliot Handler, pais da menina Bárbara) em 1982.

Quando a menina Amanda ganhou sua boneca, iniciou logo a sua criatividade em confeccionar roupas para seu brinquedo, vendo sua mãe remendando as roupas da casa, sempre lhe dava algumas tirinhas de retalhos. Espetando o dedo ali e aqui, mas com o olhar atento da genitora, não foi difícil produzir os primeiros modelinhos para sua boneca.

Porém a Barbie perdeu seu encantamento nas mãos da menina Amanda, quando viu sua colega com uma boneca de pano. Ficou fascinada! Lógico, queria uma bonequinha de pano também.

Apesar de observar bastante a boneca de sua colega, tentava criar, mas não conseguia. Até que assistindo televisão, viu num destes programas de entretenimento um quadro ensinando a confeccionar bonecas de pano. Curiosa, rapidamente foi tentar, não saiu com  perfeição, mas para quem sonhava em ter uma boneca de pano, aquilo era obra de arte! E, criou uma boneca diferente daquilo que havia no mercado, tinha seus traços físicos: morena, olhos pretos, cabelos cacheados e desta maneira fui produzindo outras, em pouco tempo tinha muitas bonecas para brincar, se sentia muito feliz!

Depois de um tempo entre seus oito /nove anos, uma de suas tias lhe pediu para fazer uma bonequinha porque havia achado de muito bom gosto suas bonecas. A partir daí começou a produzir e vender no povoado e aos arredores.

De repente, já recebia pedidos de encomendas, percebeu assim uma forma prazerosa de ajudar sua família. Foi aprimorando, ao invés de costurar na mão, passou a usar a costura na máquina para maior resistência; realizou pesquisas quanto as características com estilos diversificados; substituiu os retalhos de pano por tecidos novos.

Recorda que a primeira boneca que vendeu custou dez reais, atualmente o valor mínimo é de cinquenta reais. Descobriu ainda neste percurso, que juntando seu dinheirinho, conseguiria comprar sua própria máquina de costura e com ajuda e apoio dos pais adquiriu sua primeira Singer Industrial. Aumentando sua produção e criando inclusive novos modelos, como: boneca para escorar portas, porta-chaveiro e outros conforme solicitações do freguês.

Esse movimento de jovens empreendendo é altamente produtivo, primeiro porque tem considerado as tradições culturais, fortalecimento de vínculos e convivência familiar e pôr fim a superação para as dificuldades econômicas comuns, como é o caso desta jovem.

Empreender  aqui, não é ficar rico, mas valorizar um saber, recompensada por um valor justo de seu trabalho e dedicação, dando-lhe  satisfação, saúde mental e bem estar por sua atividade e conhecimento.


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terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O ASSUNTO É? - Reflexões sobre a infância

Imagem internet


A infância é uma etapa inesquecível de nossa vida. Isso quando não vivenciamos situações intoleráveis de violência, nesses casos, muitas vezes a memória da infância é apagada. A meninice é de completa alteridade para os adultos. Podemos aproximar das crianças e nessa aproximação, ao entrar para o espaço da ludicidade, relembrar nossa própria infância. Nenhuma infância é igual à outra, há crianças que convivem com as questões dos adultos, em contato com a carência afetiva e material destes, outras que sofrem violências diversas. Em minha infância convivia com minha mãe e meu irmão. Hoje, quando relembro,  me dou conta da solidão de minha mãe que tinha que compartilhar suas questões conosco, visto que vivia muito isolada. Lembro que ela contava histórias, brincava de pular conosco, comemorava as conquistas e compartilhava os problemas materiais. Junto plantamos roça, limpamos e colhemos. Presenciamos tempestades assustadoras, com raios, trovões e queda de árvores. Certa vez, íamos lavar roupa quando vimos um raio cair e depois a grama queimada da descarga elétrica. Quando conseguiu receber seu primeiro salário de pensão por morte de meu pai, ela comemorou muito conosco. Quando choveu na roça de feijão e perdemos a colheita, choramos juntos. Minha infância foi uma etapa de privações, mas vivida com o entusiasmo e alegria própria das crianças. Hoje no convívio com meus pequenos, muitas vezes me deparo com minha criança interior, com a criança que fui. E como mãe, me reencontro com minha própria mãe.


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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

MEMÓRIA CULTURAL - Trancista da Comunidade Alto Bravo

 




Maria Gabriela Gomes da Silva, é uma jovem de dezoito anos, órfã de mãe,  reside na comunidade rural de Alto Bravo (popularmente chamada de Bravo), município de Virgem da Lapa, com sua avó, aposentada, de oitenta e dois anos.

Ela aprendeu por meio de um vídeo na internet, criou gosto e decidiu convidar uma amiga para servir de cobaia, e desde então, não parou mais.

Percebeu que havia muitos tipos de tranças e com significados, só não sabia os nomes, mas já sabia fazer vários daqueles trançados que via. E cada vez mais foi ficando  encantada com tudo que lia. Desta forma passou a interessar ainda mais pelo assunto, e, aprendeu a colocar preço em seu trabalho, pois precisava de materiais e o tempo que desprendia, impedia de fazer os trabalhos domésticos.

Neste movimento descobriu que era possível ganhar uns trocados e ainda ajudar sua avó nas despesas da casa, porque atualmente sobrevivem com a lavoura de subsistência.Com o tempo não era mais um passatempo, mas geração de renda, à medida que as pessoas lhe procuravam, foi assim que se tornou trancista.

Estudante de escola pública, terminou recentemente o curso de Técnico de Agropecuária, na Escola Família Agroecológica de Araçuaí. Ao final do curso tinha de escolher uma experiência, que servisse de base para uma profissão real e assim encontrar soluções para problemas da vida produtiva. Ela não teve dúvida pela escolha de seu trabalho de projeto profissional do jovem-PPJ. Apresentou o projeto de trancista  como objetivo de  gerar renda , comercializar  produtos de forma ecológica e sustentável e ainda valorizar e potencializar a cultura afro, por meio das tranças africanas.

Este projeto  é  um instrumento pedagógico que  tem por objetivo geral encaminhar o jovem para a profissionalização do trabalho rural, no sentido de melhorar renda e a qualidade de vida da família, servir como facilitador para o encaminhamento do jovem para o mundo do trabalho e como um elemento de desenvolvimento econômico e social do meio rural.

Almeja aprofundar mais e melhor, aprimorando seus conhecimentos e técnicas de trançado africano. Segundo Maria Gabriela, há demanda desse trabalho, não apenas na sua comunidade, mas em toda região do Vale do Jequitinhonha, principalmente por haver o maior número de comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares.

Revela que a maioria de seus clientes solicitam as tranças Nagô. Quanto ao preço, diz que varia muito do tamanho, tipo, material e do lugar,mas , que o preço mínimo é de quinze reais em Virgem da Lapa.

Para desempenhar seu trabalho, precisa de alguns produtos e acessórios como: Pomada modeladora, creme de pentear, gel, elásticos de silicone, fios acetinados e outros.

            Ela ainda reitera que as tranças antigamente era  algo somente de pessoas negras e por mulheres, mas isso mudou, o trançado africano expandiu para todo mundo. O que antes expressava ser inferior, hoje é esteticamente bonito e acessível. Trata-se de empoderamento por meio do trançado e não importa ser homem ou mulher, importante é sentir-se bem e elegante. Além disso a pessoa negra tem sua auto estima revigorada e valorizada, enquanto que a pessoa branca se sente mais exuberante. Outro ponto importante é que muita gente está optando pela transição, quando decidem parar de utilizar produtos químicos que alisam os cabelos. E as tranças, elas fazem enquanto o cabelo cresce .

            Jovens como Maria Gabriela, estão buscando seus espaços e descobrindo nichos de mercado, que não haviam sido notificados, mas aos poucos se ocupam e logo transformam sonhos em realidades lucrativas, com consciência ambiental e valorização da arte e cultura afro-brasileira.

 


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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

MEMÓRIA CULTURAL - Tranças Africanas

Na foto Pezinha do "Carambola Filmes" da cidade Araçuaí/MG"

As tranças não é apenas  estilo, é uma forma de arte e sempre  muito popular entre as mulheres, mas nesta atualidade estendida aos homens. Seu aparecimento remonta a 3.500 a.C. e, desde então, tem sido sinal  de status social, etnia, religião e resistência racial. A indicação de sua origem seria da Namíbia, na África,  território que abriga dois grandes desertos: o deserto da Namíbia e o deserto de Kalahari. No cenário mundial é grande produtor de diamantes e de urânio mas  com distribuição de renda desigual. A maioria da população negra é pobre enquanto a minoria branca concentra a maior parte das riquezas.

No Brasil no tempo da escravidão o cabelo servia como espécie de mapa, porque era feito no trançado a rota de caminhos, que indicavam para se chegar nos quilombos. Também escondiam nas tranças, sementes que serviam para plantarem nos lugares onde estivessem para lembrar dos seus antepassados. E ainda, podiam esconder algum mineral, que serviria para libertar mais irmãos negros.

As tranças trazem diversos significados  que varia desde  a posição social, etnia e crença como: Trança Nagô – que descende do povo Nagô(Iorubá); Afro Bantu – carregam a simbologia da realeza;Dreads – indicam resistência, etc.

Nesta atividade há uma  relação de afetividade, pois no aprendizado do fazer tranças é o momento de conversar e passar ensinamentos. É uma prática demorada, por isso é oportuno o uso da fala, do canto e toda experiência.

Atualmente tem sido fonte de renda para muitas famílias, se antes era meio para a se ganhar a liberdade e afirmar nas tranças a etnia da qual pertencia. Hoje  as tranças é meio de sobrevivência e resistência para reafirmar os caminhos percorridos dos ancestrais negros. Não importa agora a cor da pele ou  de  estética, mas importante  saber que o trançado remete a  existência do povo negro e usar tranças, significa valorizar a cultura afro-brasileira.




 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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