segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

MEMÓRIA CULTURAL - Viva Marietta Baderna!

Imagem da Internet


Você já pronunciou alguma vez a expressão: “que baderna!” ou “aquilo foi uma baderna!”? Pois bem, pense sobre esta mulher a partir desta leitura:

Marietta Baderna nasceu em Castel San Giovanni, província de Piacenza, no norte da Itália, em 1828. Filha de Antônio Baderna, médico e músico, iniciou sua trajetória artística no balé, estreando aos 12 anos nos palcos. Ingressou na companhia de dança do Teatro Scala, em Milão, e aos 21 já se destacava como prima ballerina assoluta (primeira bailarina absoluta), conquistando sucesso em toda a Itália e em turnês por diversos países europeus.

Seu pai, em meio à ocupação austríaca na Itália, defendia publicamente o movimento democrático que agitava a Europa do século XIX. Durante a resistência, os revolucionários decidiram suspender a vida artística enquanto durasse a ocupação, e Marietta, militante, seguiu essa orientação. A perseguição política era intensa, e assim Antônio e sua filha decidiram cruzar o Atlântico. A família Baderna chegou ao Brasil em 1849.

A jovem bailarina foi recebida com entusiasmo pela sociedade conservadora carioca. Logo estreou no Teatro São Pedro (atual João Caetano), em 29 de setembro de 1849, com o balé Il Ballo delle Fate, conquistando enorme sucesso e repercussão na imprensa. Marietta não era revolucionária apenas em suas ideias políticas, mas também em seus costumes: gostava de festas, de beber, de sexo e, embora brilhasse nos salões tradicionais, preferia as ruas.

Nas ruas, apaixonou-se pelos ritmos e danças afro-brasileiras, como o lundu e a umbigada, considerados “escandalosos” pela sociedade escravista. Ela incorporou essas danças em suas apresentações e conquistou uma legião de fãs, chamados de “badernistas”. A palavra “baderna” passou então a ser associada a confusão ou tumulto. Ao unir a delicadeza do balé à força das danças africanas, Marietta tornou-se uma bailarina do povo, desafiando normas e valorizando a cultura negra em pleno século XIX, no Brasil escravocrata de D. Pedro II.

De espírito rebelde, participava de danças ao ar livre, em locais como o Largo da Carioca, junto aos próprios escravizados , um escândalo para a elite conservadora. Sofreu represálias: sua dança era relegada ao final dos espetáculos ou seus contratos não eram renovados. Em resposta, seus fãs boicotavam apresentações ou faziam “pateada” (batendo os pés no chão), interrompendo os espetáculos. Faziam, enfim, a maior baderna!

A epidemia de febre amarela de 1850, que matou milhares no Rio de Janeiro, levou 45 dos 55 artistas que haviam chegado com Marietta. Ainda assim, há registros de uma apresentação , em Recife, em 1851, com coreografias inspiradas em músicas de raízes africanas.

Há versões de que teria retornado à Itália após a morte do pai, ou de que Antônio não morreu e voltou com ela à Europa, onde Marietta teria dado aulas de dança. Com também há registros de sua atuação na França, em 1863, no Grand Théâtre de Bordeaux. De volta ao Brasil, foi contratada para a temporada de 1864-1865, mas enfrentou forte campanha moral contra seu trabalho.

Posteriormente, casou-se, constituiu família e encerrou a carreira de bailarina, tornando-se professora de dança e caindo no anonimato. Faleceu no Rio de Janeiro, aos 64 anos, em 4 de janeiro de 1892, sendo sepultada no Cemitério de São Francisco Xavier.

A forma como Marietta Baderna fez política, lutando pelo direito à cultura popular e pelo respeito às manifestações afro-brasileiras, incomodou e revolucionou a sociedade de seu tempo. Graças a ela, colhemos frutos de uma luta que, embora tenha deixado seu sobrenome associado a uma expressão depreciativa, representa resistência e liberdade artística. Mesmo sem ter vivido para assistir à abolição da escravatura, para continuar sua trajetória clamando por dignidade, justiça e liberdade, foi intensa e especial para o país.

Se você chegou até aqui, espero que tenha gostado de conhecer esta mulher incrível. Divulgue sua história, fale dela com orgulho e compartilhe a emoção que sua vida desperta. Para saber mais ainda, assista quando puder ao docudrama Marietta Baderna, dos Palcos ao Dicionário, dirigido por Mariana Alvim, com roteiro de Luciana Chamon. Estreado em 20 de fevereiro, nos cinemas Cinesystem Botafogo (RJ) e Frei Caneca (SP), o filme tem 72 minutos e resgatou a trajetória da bailarina italiana que sacudiu a sociedade carioca do século XIX com sua dança ousada e suas escolhas liberais.

 

Referências:

CORVISIERI, Silverio. Maria Baderna – a bailarina de Dois Mundos. Rio de Janeiro: Record, 2001.  

BUENO, Márcio. A Origem Curiosas das Palavras. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
https://ensinarhistoria.com.br/a-origem-da-palavra-baderna/ - Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues

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