Conheci uma senhora chamada Marocas, dona de vastas terras e de muitos
animais, sobretudo burros e mulas. Sua predileção por eles vinha da utilidade:
eram os que suportavam as cargas mais pesadas em seus lombos. Para fazê-los
andar mais rápido, recorria ao chicote. Ainda assim, apesar da crueldade, esses
animais permaneciam dóceis, inteligentes, sociáveis e incrivelmente
resilientes.
A história dos burros e mulas é também a história da humanidade. Há
milhares de anos caminham ao nosso lado, numa parceria silenciosa que ajudou a
construir o mundo. Em diferentes regiões do planeta, foram motores de
comunidades: araram a terra para o alimento, buscaram água em lugares áridos,
transportaram pessoas e bens essenciais por caminhos inóspitos e até marcharam
em cenários de guerra.
Sua resiliência é incontestável. Mesmo maltratados, suportavam o peso
da exploração e seguiam em frente. Mas o preço era alto: a vida que lhes era
imposta era injusta e cruel. Muitos não tinham sequer um espaço digno para
descansar após longos dias de trabalho. Eram largados em terrenos baldios, sem
abrigo, alimentando-se de mato ralo e sem acesso à água. Não possuíam casa,
muito menos um lar. E, quando já não serviam, eram simplesmente abandonados.
Dona Marocas secou como a terra sem chuva, presa ao peso de suas
posses e ao vazio de sua própria crueldade. Partiu como pó levado pelo vento,
esquecida até pela memória das pedras. Já os burros e mulas, antes chicoteados
e abandonados, encontraram no rio sua redenção e orientação para caminhada.
Beberam da água fresca, seguiram o curso da correnteza e tornaram-se símbolos
de vida e prosperidade. Como o rio que nunca se detém, eles mostraram que a
verdadeira grandeza não está em quem oprime, mas em quem resiste e flui.
Marocas se dissolveu no silêncio, mas os animais permaneceram como
águas vivas, lembrando que nenhum chicote é mais forte que o rio que insiste em
correr.
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