segunda-feira, 24 de novembro de 2025

MEMÓRIA CULTURAL - Marocas e a geração perdida

Conheci uma senhora chamada Marocas, dona de vastas terras e de muitos animais, sobretudo burros e mulas. Sua predileção por eles vinha da utilidade: eram os que suportavam as cargas mais pesadas em seus lombos. Para fazê-los andar mais rápido, recorria ao chicote. Ainda assim, apesar da crueldade, esses animais permaneciam dóceis, inteligentes, sociáveis e incrivelmente resilientes.

A história dos burros e mulas é também a história da humanidade. Há milhares de anos caminham ao nosso lado, numa parceria silenciosa que ajudou a construir o mundo. Em diferentes regiões do planeta, foram motores de comunidades: araram a terra para o alimento, buscaram água em lugares áridos, transportaram pessoas e bens essenciais por caminhos inóspitos e até marcharam em cenários de guerra.

Sua resiliência é incontestável. Mesmo maltratados, suportavam o peso da exploração e seguiam em frente. Mas o preço era alto: a vida que lhes era imposta era injusta e cruel. Muitos não tinham sequer um espaço digno para descansar após longos dias de trabalho. Eram largados em terrenos baldios, sem abrigo, alimentando-se de mato ralo e sem acesso à água. Não possuíam casa, muito menos um lar. E, quando já não serviam, eram simplesmente abandonados.

Dona Marocas secou como a terra sem chuva, presa ao peso de suas posses e ao vazio de sua própria crueldade. Partiu como pó levado pelo vento, esquecida até pela memória das pedras. Já os burros e mulas, antes chicoteados e abandonados, encontraram no rio sua redenção e orientação para caminhada. Beberam da água fresca, seguiram o curso da correnteza e tornaram-se símbolos de vida e prosperidade. Como o rio que nunca se detém, eles mostraram que a verdadeira grandeza não está em quem oprime, mas em quem resiste e flui.

Marocas se dissolveu no silêncio, mas os animais permaneceram como águas vivas, lembrando que nenhum chicote é mais forte que o rio que insiste em correr.

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