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| Foto: Jô Pinto |
A oralidade é o alicerce da preservação dos
saberes tradicionais dos povos negro e indígena no Vale do Jequitinhonha,
funcionando como tecnologia ancestral que transmite cultura, religiosidade,
identidade e resistência frente à exclusão histórica.
No Vale do Jequitinhonha, região marcada por
desigualdades sociais, a cultural e a
oralidade se impõe como ferramenta vital na perpetuação dos saberes desses povos.
Mais do que meio de comunicação, ela é uma tecnologia social que articula
memória, identidade e resistência. Em comunidades onde o acesso à escrita
formal foi historicamente negado, a palavra falada tornou-se o principal
veículo de transmissão de conhecimentos, práticas e valores.
A
oralidade é memória viva e identidade, sustenta tradições como os Reisados, as
folias, os cantos de trabalho, contos de encantamento e de Incelências, que não apenas entretêm, mas
educam e reforçam os laços comunitários. Esses saberes são passados em rodas de
conversa, festas populares e rituais, onde cada narrativa carrega ensinamentos
sobre a terra, o corpo, o tempo e a ancestralidade. A cultura do Vale não se
escreve em livros, ela se canta, se dança e se conta.
A religiosidade é espiritualidade como
resistência, expressada em práticas como o candomblé, a umbanda, os rituais de
cura e os cultos aos encantados, depende da oralidade para manter seus
fundamentos. Os mitos, rezas e cantos são transmitidos por mestres e mestras,
que guardam os segredos dos orixás, dos encantados e dos espíritos da mata.
Essa espiritualidade oral é também uma forma de resistência à colonização
religiosa e à invisibilização dos saberes não cristãos.
A oralidade fortalece os vínculos sociais, pois
é por meio dela que se constroem redes de solidariedade, se compartilham
experiências e se educam as novas gerações. Em comunidades quilombolas e
indígenas do Jequitinhonha, a palavra falada é instrumento de organização
política, de denúncia e de afirmação identitária. Ela permite que os saberes
circulem mesmo diante da ausência de políticas públicas ou da marginalização
institucional.
Em tempos de digitalização, é preciso
reconhecer que a oralidade é uma tecnologia ancestral, sofisticada e eficaz.
Ela permite a adaptação dos saberes ao contexto, a atualização dos ensinamentos
conforme as necessidades da comunidade e a preservação de nuances que a escrita
não alcança. A oralidade não é atraso, é inovação enraizada na ancestralidade.
A valorização da oralidade no Vale do Jequitinhonha é, portanto, um ato político e cultural. Reconhecer sua importância é reconhecer o direito dos povos negro e indígena de existir, ensinar e transformar o mundo a partir de suas próprias epistemologias. Em tempos de apagamento, a palavra falada é resistência.
Jô Pinto
Professor, historiador, poeta e escritor
“Mesmo que queimem a
escrita, não queimam a oralidade.
Mesmo
que queimem os símbolos, não queimam os significados.
Mesmo
que queimem os corpos, não queimam a ancestralidade.”
Negro Bispo
Filósofo, poeta, escritor, professor e ativista
político brasileiro

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