terça-feira, 11 de novembro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - O Crime da Macieira

Imagem criada por IA

 

Como se viu, seu Custódio era versado em leis e, visto que a cidade nem sempre contava com advogados, funcionava como rábula, em suas horas vagas. Nessas ocasiões, o dr. Rufino, nosso meritíssimo e o Promotor, dr. Lacerda se viam embaraçados. Dr. Rufino já havia transposto a barreira dos sessenta. Estava cansado, de aspecto doentio. De baixa estatura, meio gordo e careca, arrastando-se com dificuldade.

Viúvo, deu de contrair novas núpcias e isso veio contribuir para o agravamento de suas condições. Dona Hortênsia era bem mais jovem e o Juiz não poderia mesmo dar conta do recado. E, como sempre acontece, a mulher precisava de ser satisfeita, de um modo ou de outro. E o velho foi colecionando chifres, segundo se dizia. Como magistrado, era homem íntegro e para aquele fim de mundo, um luminar da ciência do Direito.

Já o dr. Promotor apresentava como melhor credencial as maravilhas de dona Vanda. Garota da capital, moderna e sirigaita, destoava das jovens de sua idade. Vestia-se com ousadia, cruzava as pernas descobrindo as calcinhas e, pior do que tudo, banhava-se no rio em companhia do marido, a quem não regateava carinhos, à vista de todos. "Pouca vergonha danada", murmuravam as más línguas. Parece que o diabo da mulher está sempre pedindo mais! Suspeitava-se. Falava-se à boca pequena. Mas não havia provas. Chegava-se a admitir que na cidade não tinha ainda mijado fora do penico.

Era o que se dizia. Mas na capital, não se tinham dúvidas: "entrava na vara. Ora, se entrava". Era lá que ia esfriar o rabo. Se o dr. Lacerda nutria alguma suspeita, não deixava que transparecesse. E a vida ia correndo. Do Juiz, não se duvidava. Dona Hortênsia se deitava em qualquer pedaço de jornal. E dona Vanda..... Ah! Quem me dera!.

Foi quando Mané Gaudêncio provocou a dupla tragédia. Tratava de sua roça na Macieira e raramente vinha à cidade O dia quase inteiro no mato e dona Sinhana, em casa. Mané Gaudêncio chegou, aí pelas quatro, e ainda de machado na mão, abriu a porta do quarto. De pronto, раrece não ter acreditado no que viu. Firmou as vistas. Não era ilusão. Bidinho e dona Sinhana, nus como nasceram, rolavam na cama. Não pensou duas vezes. De um golpe, decepou a cabeça do macho. Dona Sinhana uivou de pavor, implorando:

- Pelo amor de Deus, Mané!...

O marido puxou-a e arreganhou-lhe as pernas:

- É pau que ocê qué, num é? Então, toma!

               O cabo do machado enterrou-se em seu corpo, do útero à garganta, estraçalhando-a.

Mané Gaudêncio entregou-se à polícia. A família do morto reuniu os cobres e mandou vir o dr. Expedito para auxiliar a acusação. Seu Custódio concordou com a defesa.

No dia do julgamento, a Coletoria não funcionou e seu titular, desde as nove da manhã, palestrava com Antônio de Aristides, lubrificando sua garganta para os debates.

O dr. Lacerda tomou a palavra. Estávamos diante de um dos mais bárbaros crimes de que se tinha notícia. Gaudêncio não era um homem. Era uma feral. Um animal irracional! Nossa civilização não poderia aceitar que tal facínora escapasse à condenação! Teríamos que escolher entre sermos considerados bárbaros ou civilizados! A pena máxima era muito pouco para Manoel Gaudêncio! Seu auxiliar seguiu a mesma linha e descreveu o crime brutal com riqueza de detalhes.

O dr. Rufino passou a palavra à defesa. Seu Custódio limpou os óculos.

- Senhor Juiz, senhores jurados! Afirma-se, de um modo genérico, que todo advogado é mentiroso. Nesse caso, porém, os acusadores disseram a verdade. Foi exatamente como eles afirmaram que Manoel Gaudencio cometeu o duplo assassinato. E ainda mais, que não tinha sido aquela a primeira vez que Bidinho e dona Sinhana tinham se encontrado. Isso pode não ser verdade, mas muito pouco importa. Meritíssimo Senhor Juiz, dr. Promotor de Justiça, senhor auxiliar da acusação. Existe um ditado que reza ser o homem traído é o primeiro que sente e o último que sabe. Muitos dos que aqui estão presentes não o ignoram. Ninguém tem pena do corno. Todos o achincalham. Por isso, aqueles que sabem, fingem que ignoram. Para eles, é bem mais cômodo. Para os que não nasceram para a chacota, a descoberta da traição conjugal sempre termina em tragédia. Também aqui há muitos que sabem disso. Mas a acusação vem de nos colocar entre a civilização e a barbárie, em dependência da decisão dos senhores jurados.

O dr. Juiz e os advogados da acusação são homens civilizados. Também o são os ingleses. E na Inglaterra, ninguém estranha quando a esposa abandona o lar e a ele retorna à primeira rusga com o amante. O marido a recebe de braços abertos, até que ela parta novamente. Mas os ingleses são altamente civilizados. Talvez por isso, os soldados da guarda real, símbolos do império, usem o imponente boné de pele de urso, alto e marcial, à feição de casa de cupim. Também no Brasil, nos grandes centros, no âmbito da alta sociedade, os homens são civilizados. E todos se entendem. Mas vejam agora. Chega o homem cansado do trabalho. Procura a esposa. Contemplem, senhores jurados a horrível cena! Sobre a cama, a esposa nua, cavalgada por um amante igualmente nu! Qual teria sido a reação de um homem normal? Qual teria sido a reação dos senhores, senhores jurados? O homem civilizado, nas palavras do dr. Promotor, retirar-se-ia, pé ante pé, para não ser visto e aguardaria a partida do amante de sua mulher. E haveria de fingir ignorar sua vergonha pelo resto de seus dias. Mas outros o saberiam! O homem comum, ao contrário, diante de tal cena, se rebelaria e lavaria sua honra com sangue! Mais tarde, seria acoimado de bárbaro e de fera! Mas não viveria em desonra pelo resto de seus dias. Seu Custódio limpou a garganta. A sorte de Manoel Gaudêncio está em suas mãos. Dentro em pouco, os senhores apresentarão seus votos. Ficaremos sabendo quantos dos senhores são homens civilizados. Conheço-os a todos, um por um. Mas existem segredos que todos nós desconhecemos e que poderão se revelar agora!

Manoel Gaudêncio foi absolvido por unanimidade!


Texto extraído do livro " O estranho mundo do Dr. Boaventura, crônicas do Jequitinhonha" de Otto Paulino


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segunda-feira, 10 de novembro de 2025

MEMÓRIA CULTURAL - Envelhecimento e Patrimônio Cultural

Fotos - Internet

Este ano, a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trouxe como tema “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”. A escolha dialoga diretamente com a valorização do patrimônio cultural, especialmente em estados como Minas Gerais. Os idosos são guardiões de saberes tradicionais, práticas religiosas, culinária típica e expressões artísticas que compõem o patrimônio imaterial do país. Essa relação se torna ainda mais evidente pela forte presença de tradições mantidas por pessoas idosas, verdadeiros pilares da cultura local.

Minas Gerais é um dos estados com maior número de bens tombados e manifestações culturais reconhecidas. No Vale do Jequitinhonha, por exemplo, essa presença é marcante nas festas populares, no artesanato e na oralidade que preserva a memória das cidades históricas. Ao registrar quase dois mil inscritos com mais de 60 anos no Enem 2025, o estado revela um fenômeno que envolve memória, identidade e continuidade, reafirmando o papel ativo da terceira idade na educação e na transmissão cultural. Muitos desses idosos vivem em comunidades quilombolas e rurais, onde mantêm modos de vida ancestrais, como a agricultura familiar, o uso de plantas medicinais e os rituais religiosos afro-brasileiros.

O envelhecimento, portanto, não é apenas uma questão demográfica, mas carrega dimensões culturais profundas. Os idosos são guardiões de memórias, histórias, práticas e saberes que constituem o patrimônio imaterial brasileiro, como o congado, a folia de reis, o artesanato em barro, fibras, couro e bordado, além das receitas típicas da culinária mineira. O patrimônio cultural também se constrói pela oralidade e pela memória coletiva, e os idosos são protagonistas na manutenção da identidade cultural local, contando histórias, ensinando ofícios e mantendo vivas as raízes de suas comunidades.

Assim, a discussão proposta pelo Enem 2025 caiu no gosto e na boca do povo, extrapolando as esferas políticas e sociais, ao chamar atenção para a valorização do envelhecimento ativo e para a inserção dos idosos nos espaços de formação e cidadania. Idoso(a) não é peça de museu cheirando à naftalina, é cidadão ou cidadã que sente o gosto pela vida e saboreia noites e dias no afã do bem viver!

 

Fonte - https://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/minas-gerais-avanca-na-protecao-e-valorizacao-das-pessoas-idosas


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sexta-feira, 7 de novembro de 2025

CONHECENDO O JEQUI - A influência da colonização na formação sociocultural do Vale do Jequitinhonha.


 

A vida sociocultural do Vale do Jequitinhonha é marcada por uma rica diversidade cultural, moldada por processos históricos como a colonização, o ciclo do ouro e a produção agrícola, que deixaram profundas marcas na identidade da região

Situado no nordeste de Minas Gerais, é uma região de contrastes. Apesar de ser frequentemente associada à pobreza e à exclusão social, carrega uma impressionante riqueza cultural que se manifesta na música, na dança, na religiosidade popular e, sobretudo, no artesanato. Essa diversidade é fruto de uma complexa formação histórica que remonta ao período colonial.

Durante a colonização portuguesa, o território do Vale foi ocupado por bandeirantes e exploradores em busca de riquezas minerais. A presença de indígenas e africanos escravizados contribuiu para uma mescla étnica e cultural que ainda hoje se reflete nos costumes locais. A colonização impôs estruturas sociais excludentes, mas também promoveu o surgimento de manifestações culturais híbridas, como o congado, o batuque e as festas religiosas sincréticas.

Nos estudos que venho desenvolvendo, faço algumas analises com base nas formas e atividades que fora desenvolvida no período colonial nessa região, apesar dessa linha de divisão traçada.

O ciclo do ouro: de Diamantina até Araçuaí, que iniciou no século XVIII, o ciclo do ouro e dos diamantes teve papel central na configuração econômica e social da região. Cidades como Diamantina prosperaram com a mineração, atraindo populações e fomentando o desenvolvimento urbano. Essa riqueza, no entanto, não se espalhou de forma equitativa: Araçuaí e outras localidades do Médio Jequitinhonha foram impactadas pela migração e pela exploração, mas sem os mesmos benefícios estruturais.

A decadência da mineração no século XIX deixou um legado de desigualdade, mas também de resistência cultural. A arte barroca, a arquitetura colonial e os modos de vida herdados desse período ainda são visíveis, especialmente nas celebrações religiosas e na oralidade popular, entre esse legados vamos ter as Festas do Rosário e Irmandades do Rosários dos Homens Pretos, Marujadas, Congadas, Caboclinhos e Festas do Divino.

Por outro lado, considerando os municípios de Itinga a Salto da Divisa, mais ao sul do Vale, foram influenciados pela economia agrícola, com destaque para a produção de cana-de-açúcar e a criação de gado. Essas atividade moldaram o cotidiano das comunidades rurais, com práticas de trabalho coletivo, festas ligadas à colheita e saberes tradicionais sobre o cultivo e o beneficiamento da cana e o manejo da terra.

Essas culturas também reforçaram estruturas sociais marcadas pela concentração de terras e pela exploração da mão de obra, mas permitiu o surgimento de redes de solidariedade e resistência, visíveis nas associações comunitárias e nos movimentos culturais que valorizam a identidade, nesse sentido as manifestações nessa região são, Folias de Reis, Bois de Janeiros, Cordões de Caboclos, Grupos de Batuques e Cantos.

Não estamos afirmando que essas manifestações características dessa influencia agrícola ,não tenham também no ciclo do outro ou vice-versa.

A vida sociocultural do Vale do Jequitinhonha é resultado de um processo histórico complexo, onde a colonização, o ciclo do ouro e a produção agrícola deixaram marcas profundas. Apesar das adversidades, o povo do Vale construiu uma identidade rica, resiliente e criativa, que se expressa em suas festas, artes e modos de vida. Valorizar essa diversidade é essencial para compreender o Brasil profundo e promover políticas que respeitem e fortaleçam as culturas locais.

 

Jô Pinto

Professor, Historiador e Mestre em Ciência Humanas.

 

Referencias Biográficas

Revista Contemporâneos – Vale do Jequitinhonha: Entre a carência social e a riqueza cultural
Diagnóstico Socioeconômico do Vale do Jequitinhonha – UFMG


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quinta-feira, 6 de novembro de 2025

DIÁRIO DE LEITURA - Dica de Leitura, a poesia de Maria da Conceição


Nesta semana, nossa dica de leitura vem do Vale do Jequitinhonha: as poesias de Maria da Conceição

Natural de Santa Luzia dos Corujas e moradora de Caraí (MG), Maria da Conceição encontrou na poesia um refúgio e um recomeço. Seus textos, marcados pela simplicidade e pela emoção, nascem de vivências profundas e da fé na vida. Ler suas poesias é embarcar em uma viagem de luz, esperança e encantamento.

Maria da Conceição estudou até a quarta série, retomou os estudos recentemente e está cursando o oitavo ano pelo EJA (Educação de Jovens e Adultos). Mas foi fora da sala de aula que ela encontrou uma das maiores lições da vida: o poder transformador da poesia.

Após enfrentar uma paralisia facial, Maria descobriu que escrever era mais do que um passatempo era uma forma de fisioterapia para a alma. Desde então, não parou mais. Em cada verso, encontra leveza, esperança e inspiração para seguir. Sua escrita é espontânea, viva e profundamente humana, refletindo sentimentos, memórias e sonhos que tocam o coração de quem lê.

Como ela mesma diz: “O poeta viaja na imaginação, despertando no leitor o desejo de pegar carona, fazendo nascer novos caminhos e reacendendo a esperança.”

Aos 58 anos, Maria da Conceição continua a escrever com entusiasmo e verdade. Suas poesias são como pequenos faróis que iluminam o cotidiano e nos convidam a ver o lado bom da vida.

 Vale a pena conhecer essa voz do Vale do Jequitinhonha, que transforma dor em beleza e emoção em poesia.

 

O UNIVERSO DE UM POETA

A alma se engrandece ao ver o seu universo,
seu brilho imenso, com surpresas surpreendentes.
Ao viajar na nave espacial, descobrimos sua beleza infinita,
onde navegamos nesse paraíso de luz e cores encantadoras,
uma imensidão que fascina e ilumina.

Assim é a vida de um poeta:
precisa navegar na imaginação,
acender a chama da alma,
ilustrar as palavras para encher de luz,
despertando nas pessoas a esperança de viver,
de sonhar, de acreditar que a vida é bela
e vale muito mais do que imaginamos
mais que ouro ou prata.

Mergulhar nesse universo encantador,
deslumbrar-se com sua beleza,
com o brilho das cores e a pureza da emoção.

Olhar para o céu, contemplando sua imensidão azul,
como o mar com suas ondas brancas como a neve,
e as nuvens cobrindo o firmamento,
viajando pelo oceano infinito
que faz a alma florescer e traz paz.

O sol se esconde atrás das nuvens,
revelando sua beleza imensa,
seu brilho deslumbrante a cada instante.

Os mais belos gestos de Deus
estão na alma de um poeta,
que escreve para se encontrar consigo mesmo.

 

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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

OPINIÃO DO BLOG - A importância da oralidade para os povos tradicionais do Jequi

Foto: Jô Pinto

 

A oralidade é o alicerce da preservação dos saberes tradicionais dos povos negro e indígena no Vale do Jequitinhonha, funcionando como tecnologia ancestral que transmite cultura, religiosidade, identidade e resistência frente à exclusão histórica.

No Vale do Jequitinhonha, região marcada por desigualdades sociais, a  cultural e a oralidade se impõe como ferramenta vital na perpetuação dos saberes desses povos. Mais do que meio de comunicação, ela é uma tecnologia social que articula memória, identidade e resistência. Em comunidades onde o acesso à escrita formal foi historicamente negado, a palavra falada tornou-se o principal veículo de transmissão de conhecimentos, práticas e valores.

A oralidade é memória viva e identidade, sustenta tradições como os Reisados, as folias, os cantos de trabalho, contos de encantamento e de Incelências, que não apenas entretêm, mas educam e reforçam os laços comunitários. Esses saberes são passados em rodas de conversa, festas populares e rituais, onde cada narrativa carrega ensinamentos sobre a terra, o corpo, o tempo e a ancestralidade. A cultura do Vale não se escreve em livros, ela se canta, se dança e se conta.

A religiosidade é espiritualidade como resistência, expressada em práticas como o candomblé, a umbanda, os rituais de cura e os cultos aos encantados, depende da oralidade para manter seus fundamentos. Os mitos, rezas e cantos são transmitidos por mestres e mestras, que guardam os segredos dos orixás, dos encantados e dos espíritos da mata. Essa espiritualidade oral é também uma forma de resistência à colonização religiosa e à invisibilização dos saberes não cristãos.

A oralidade fortalece os vínculos sociais, pois é por meio dela que se constroem redes de solidariedade, se compartilham experiências e se educam as novas gerações. Em comunidades quilombolas e indígenas do Jequitinhonha, a palavra falada é instrumento de organização política, de denúncia e de afirmação identitária. Ela permite que os saberes circulem mesmo diante da ausência de políticas públicas ou da marginalização institucional.

Em tempos de digitalização, é preciso reconhecer que a oralidade é uma tecnologia ancestral, sofisticada e eficaz. Ela permite a adaptação dos saberes ao contexto, a atualização dos ensinamentos conforme as necessidades da comunidade e a preservação de nuances que a escrita não alcança. A oralidade não é atraso, é inovação enraizada na ancestralidade.

A valorização da oralidade no Vale do Jequitinhonha é, portanto, um ato político e cultural. Reconhecer sua importância é reconhecer o direito dos povos negro e indígena de existir, ensinar e transformar o mundo a partir de suas próprias epistemologias. Em tempos de apagamento, a palavra falada é resistência.

Jô Pinto

Professor, historiador, poeta e escritor

 

Mesmo que queimem a escrita, não queimam a oralidade.

Mesmo que queimem os símbolos, não queimam os significados.

Mesmo que queimem os corpos, não queimam a ancestralidade.”

 

Negro Bispo 

 Filósofo, poeta, escritor, professor e ativista político brasileiro


terça-feira, 4 de novembro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - A arte Joaimense de Politicar

Imagem - IA

 

Em uma das minhas muitas viagens trabalhando como estagiária de comunicação de imprensa, pela Câmara Municipal de Ouro Preto, no projeto Câmara Itinerante, conheci um livro no qual o subtítulo parecia ter sido escrito por alguém de Joaíma. “Peripécias de um povo apaixonado por política”. E ainda tinha mais, Lidiane Malagone, a autora da obra, contava que o livro apresentava as dores e as delícias – já parafraseando Caetano –, do universo político das cidades interioranas. Com poucas páginas de leitura, consegui ver na história a forma joaimense de politicar, que parecia não tão mais singular.

E me debrucei naquela passagem de volta pra casa. Tudo isso enquanto fazia o meu horário de almoço em uma cantina da escola de Santa Rita de Ouro Preto. Estamos em março de 2020, ano que até então, está sendo marcado pela pandemia do novo Coronavírus. Mas, também é um ano de eleições municipais. E na cidade, já estamos em época de política, que é como falamos por aqui. O ano eleitoral em Joaíma é bem-vindo

pela maior parte da população. Sempre tem um fulano ou outro que diz: “Eu que não vou votar mais, toda eleição é essa mesma coisa”. Mas é só liberar a propaganda política e os comícios que o fulano já se caracteriza com as cores do candidato escolhido e pega uma bandeira para balançar. Aprende o jingle da campanha e pula ao som da trilha enquanto caminha junto com uma multidão atrás de um paredão de som imenso. Faz apostas altas e até discute com o melhor amigo e com a vizinha, argumentando o porquê do seu candidato ser a melhor escolha. Tenta até fazer conchavos para agregar à campanha do escolhido, juntando direitistas e esquerdistas. Tudo isso, e muito mais, durante os quase três meses de campanha eleitoral liberada pelo TSE. Que duram bem mais, na realidade do joaimense.

Talvez toda essa euforia não seja só animação política, mas também pelo fato de que a Prefeitura Municipal é uma das principais empregadoras da cidade, e muita gente projeta uma oportunidade de emprego quando se posiciona do lado de um candidato, vislumbrando a vitória e um cargo no município. A máquina pública é poderosa, e só em 2020 circularam por aqui exatos R$ 9.198.126,86, provenientes apenas de recursos transferidos para a cidade. A receita arrecadada no exercício de 2019 foi de R$ 42.518.730,00. Então, mesmo que alguns não saibam de boa parte desta dinheirama rolando pela cidade, ficam afoitos para conseguirem ao menos um salário mínimo ou continuar ganhando altos salários em seus cargos comissionados.

Essa é outra paixão que move a política joaimense, mas não é só por aqui. E, é claro, existem exceções. A arte de politicar começou, oficialmente, em 27/12/1948, com a emancipação política da cidade, que movimentou as lideranças locais em busca de nomes que pudessem representar Joaíma. Cinco meses depois, Francisco Costa e Dr. Armando Sena Kangussu foram os primeiros líderes do executivo municipal. E permaneceram até 30/03/1953, com a inversão dos seus cargos. Durante a administração, construíram pontes, reformaram o grupo escolar Manoel do Norte e instalaram a primeira turbina para a captação de água que abasteceu a cidade. Os feitos desse mandato ficaram marcados por, de acordo com pesquisas, não contarem com nenhuma verba ou subvenção do estado: tudo foi pago com recursos próprios. No ano de 1950, os pais do então prefeito comemoravam os seus 25 anos de casados e decidiram estender as celebrações da data a toda a cidade, com uma festança que durou oito dias. Além de ser conhecido por ser o primeiro prefeito da cidade e por possuir uma imponente sepultura na entra da do cemitério local, Seu Chico, como chamamos por aqui, era amigo de Juscelino Kubitschek.

Eles se conheceram na época dos estudos secundários e JK visitou Joaíma na sua peregrinação política quando concorria à Presidência da República, em 1955, no pleito do qual sairia vitorioso. Após os primeiros gestores da cidade, outros grandes nomes foram os seus sucessores. Depois de algum tempo começaram as disputas políticas na cidade. A primeira, mais concorrida, aconteceu em 1954, na qual foram escolhidos Dr. Antônio Gerônimo de Oliveira e Corinto Antônio da Cunha que, de acordo com as minhas pesquisas de campo e bibliográficas, foram grandes articuladores políticos da época. Já no desenvolvimento social, o 9° ocupante da cadeira na Prefeitura, Antônio Gomes Moreira, e seu vice, Argileu Alves Cunha, foram referência para a educação na região. No final de 1963, lançaram as bases para a criação do Ginásio Menor de Joaíma, que oferecia o antigo curso ginasial, levando o nome do seu idealizador. Moreira entraria mais uma vez na política, mas dessa vez como vice, em 1973, e novamente como prefeito, em 1977. E, por meio da Lei n° 1281 de 16/10/1995, foi criada a medalha “Professor Antônio Gomes” como forma de homenagear pessoas ou instituições que se destacaram no trabalho prestado à comunidade.

A entrega acontecia no dia 27 de dezembro, data comemorativa do aniversário de emancipação político-administrativa da cidade. Dentre as administrações, Joaíma começou a ganhar estruturas e instituições que compunham o conjunto de um município. E em meados de 1967 iniciou-se a construção do Hospital Municipal da cidade, com a ajuda de um grupo de mulheres. Dentre elas estava Antônia Grapiuna, bem articulada e muito conhecida na comunidade, que organizou movimentos para arrecadar fundos a serem doados ao local. A benfeitora foi homenageada tendo seu nome dado à instituição. Neste ano também foi realizada a primeira festa da cidade comemorando os seus 21 anos. Com o tempo, grupos políticos foram sendo forma dos. O primeiro foi chamado de “Panela’’.

 O grupo, organizado por Antônio Gomes Moreira, era composto por pessoas que detinham mais experiência política, tendo já ocupado cargos públicos ou possuindo parentesco próximo com pessoas que ocuparam ou ocupavam uma cadeira no executivo e legislativo da cidade. A chama da Panela ocupou liderança no município por mais de quarenta anos, iniciando em 1962 após o término do mandato do prefeito Domingo Ornelas (antigo PSD). A administração ficou marcada pelas grandes festas, cultura ativa e a pouca visibilidade para a zona rural e as 27 comunidades. Com o passar do tempo, deixaram de ser aceitos na cidade por uma parcela da população, que dizia que o grupo não favorecia os mais pobres ou os que se opunham à gestão. Não sendo contratados, mesmo com competências para os cargos ou para prestar pequenos serviços. Durante os mandatos do grupo, a oposição começou a surgir. Em 1988 foram eleitos vereadores Donizete Lemos (um dos nomes responsáveis por fundar o Partido dos Trabalhadores em Joaíma), Frederico Lemos e Eliana Lemos (tornando-se uma das primeiras mulheres na vereança).

Ambos faziam forte oposição ao então prefeito Roberto Grapiuna, inaugurando um novo momento político em Joaíma. Porém, só em 2005, que o primeiro candidato da oposição à Panela assumiu a cadeira de prefeito na cidade, após uma das disputas mais acirra das nas ruas, que terminou com uma diferença de 1.557 votos nas urnas. À época, eram 10.437 eleitores. Em 3 de outubro de 2004, os apoiadores do então prefeito vencedor, Flávio Botelho Leal e Frederico Franklin Murta Lemos, saíram pelas ruas da cidade entoando o jingle de campanha: “Não vamos deixar, não vamos deixar. Eles tão todos doidinhos pra mamar, êta bezerro duro de desmamar, mamaram tanto e querem continuar”, com os apoiadores batendo em panelas de pressão e quebrando panelas de barro, fazendo alusão à derrota do grupo que levava o nome dos objetos. Após oito anos de mandato, os governantes dividiram opiniões acerca de seu governo.

Foram criticados nos primeiros quatro anos, mas reeleitos para os próximos quatro. Seguindo a lei de apenas uma reeleição, os líderes deixaram a vaga para João Muqueca (PP), integrante da Panela, que concorreu com Donizete Lemos (PT), da oposição. No pleito de 2012, o petista, que já tinha uma trajetória na política local, saiu vitorioso, com 2.120 votos de diferença. No entanto, na eleição de 2016, o grupo da Panela retoma o poder na cidade. E agora, em 2020, ano eleitoral, disputa mais uma vez a cadeira do executivo, com o seu representante e atual prefeito Dauro Barreto e Nem Guariba.

E concorrem com eles, Abinaldo Botelho (Solidariedade), com uma visão mais popular e a professora, Jussara Grapiuna, marcando a história política da cidade como a primeira mulher a concorrer para o cargo de vice-prefeita. Essa campanha, em especial, está deixando os joaimenses ouriçados, tanto aqueles que não querem perder a “mamata”, quanto aqueles que esperam por mudanças no cenário social e político há um bom tempo. O desfecho, um caso à parte entre as muitas histórias de Joaíma, você lê no “adendo”, nas próximas páginas. Ao longo dos seus 72 anos de emancipação política, Joaíma já teve 22 prefeitos, alguns com mais de um mandato. E agora caminha para a escolha do seu vigésimo terceiro gestor. O município, o distrito e as 27 comunidades se envolvem de corpo e alma nas campanhas. Que já renderam boas e curiosas histórias. Em uma dessas, um jovem ficou com o rosto marcado por uma estrela gigante, do partido que ele representava, após ser pintado com tinta guache e ficar exposto longas horas em carros de som que rodava a cidade. Tudo isso, é claro, com o seu consentimento e após alguns dias a tatuagem solar desapareceu. Outra curiosidade é o estilo de marketing usado pelos candidatos, o nosso décimo primeiro prefeito se elegeu com uma faixa que trazia os dizeres: “Ruim por ruim, vote em Maurim”. Por aqui somos tomados pelo vírus do “politiqueiro”, encontramos a magia em um movimento maçante e desacreditado por alguns brasileiros.

Que é totalmente pretensioso, mas insistimos em ainda, sim, acreditar. Sem utopias. A política que pode intervir para melhorar a comunidade, para fazer as coisas que as pessoas precisam no seu dia a dia (independente de ideologia ou partido). Temos verbas e programas para garantir isso. E muita gente que precisa, por isso, ainda acreditamos. Em um ano de desgoverno federal, escândalos e desrespeitos ao cidadão, à saúde e à imprensa, o que devemos fazer é ainda acreditar que a nossa política pode ser melhor, e nos politizarmos, aprendermos a votar de forma mais coerente.

Quem desiste da política, de certa forma, perde uma parte do seu papel como cidadã ou cidadão. A paixão pelo movimento que te faz vestir as cores e sair gritando na rua clamando por mudança. Uma paixão avassaladora que te rouba três meses de vida, te dando mais fôlego pra debater sobre as propostas dos seus escolhi dos. E que, quando não correspondidas, tende mesmo a esfriar, passa pela crise dos três anos, até resultar no término no ano seguinte, sem nem chegar a uma reeleição e comemorar as bodas de madeira. É uma crônica sobre a minha cidade, mas aposto que, de certa forma, também se encaixa na sua, não é?

 

“A política é uma arte e só é válida quando tem como objetivo a função de partilha dos ideais, de sonhos e realizações comuns, a serviço da vida”. Emirani Quaresma (2007)

 

Texto extraído na integra de

MURTA. Ana Laura Grupiara. Joaíma (Re) conhecendo o Vale do Jequitinhonha. TCC ( Graduação em Jornalismo. Universidade de Ouro Preto, Mariana, 2021 (P.109)


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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

MEMÓRIA CULTURAL - Moço Araldo de Araçuaí


 

Ontem ‘  Dia dos Finados” foi instituído pela Igreja Católica na França no século X. Segundo as histórias, era tradição que, nesta data, os monges orassem pelos mortos, sobretudo pelos falecidos que eram esquecidos por seus familiares, por ordem do abade Odilo de Cluny.

A escolha do dia 2 de novembro como Dia dos Mortos foi realizada por suceder o Dia de Todos os Santos, celebrado no dia 1º de novembro.

No entanto, reza-se pelos finados ao menos desde o Império Romano, quando os mártires eram homenageados nas catacumbas em que eram sepultados.

Apesar dessa data ter sido instituída no século X, ela só foi oficializada pela igreja católica no ano de 1915 pelo Papa Bento XV. Desde então, todos os anos, o Papa reza uma missa em homenagem aos mortos. 

Outras religiões e culturas também homenageiam seus entes falecidos neste mesmo período com os mais variados rituais em países como: México, Guatemala, Japão, Espanha, etc.

Curiosamente resolvi narrar aqui uma história de Araçuaí, daquelas que posso dizer o milagre, sobre o santo, mas não posso dizer quem me contou, é sobre um rapaz chamado Aroldo.

 Este jovem devia sofrer de transtornos mentais, mas, pessoas com qualquer tipo de transtorno mental, não tinha nenhum tipo de tratamento ou apoio, nesta cidade. Muitos viviam pelas ruas ou trancados em suas casas, alguns até amarrados e o tratamento desumano por familiares e comunidade em geral.

Graças ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em Araçuaí, a partir de 1997 na gestão da prefeita Maria do Carmo Ferreira da Silva, bem como a fundação da APAE   em 1998, com os objetivos de abrir espaços e oportunidades para que, as pessoas com deficiências possam lutar por uma sociedade mais justa e igualitária, em que sejam reconhecidos como cidadãos.

Pena que Aroldo não teve tal sorte de ser acolhido nestes serviços e receber tratamento para seus transtornos mentais. Dizem, que ele vivia pelas ruas pedindo água, café amargo, pão e ovo. Mas como neste mundo tem gente de todo jeito, haviam pessoas maldosas que lhe ofertava pão com bastante pimenta. Pobre Aroldo! Sofreu muito nesta terra!

Mas algumas pessoas contam ainda que  costumam ir ao cemitério municipal para rezar por sua alma e pedir sua ajuda. Diferente daqueles que o maltrataram, dizem que costuma interceder pelos corações aflitos e que costumava visitar o Congá de Maria Conga.

Salve a estrela que ilumina!

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sexta-feira, 31 de outubro de 2025

CONHECENDO O JEQUI - Tanque de Pedra, Comunidade Quilombola de Zabelê

Foto: Jô Pinto

 

Na comunidade Quilombola de Zabelê, localizada no município de Francisco Badaró, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, encontra-se uma construção singular da primeira metade do século XIX: o “Tanque de Pedra”. Segundo relatos dos moradores, essa estrutura foi erguida por homens e mulheres negros que haviam sido escravizados, representando não apenas uma solução prática, mas também um legado de resistência e engenhosidade.

Essa tecnologia social aproveita as rochas naturais típicas da região semiárida para transformá-las em grandes reservatórios de água. Inspirada em formações naturais que acumulavam água da chuva e dos córregos, a construção dos tanques de pedra reflete o saber ancestral sobre o uso sustentável dos recursos locais. Na comunidade de Zabelê, o tanque servia para lavar roupas e abastecer a sede da antiga fazenda.

Os materiais utilizados variam conforme as características de cada lajedo. A técnica consiste em retirar a terra de uma área rochosa, deixando a pedra exposta e pronta para receber a água. As paredes são construídas com pedras retiradas do próprio entorno, formando uma estrutura murada que permite o armazenamento eficiente da água, especialmente durante os períodos de estiagem.

Mais do que uma obra física, o tanque de pedra é um símbolo de mobilização e organização comunitária. Sua construção, uso e manutenção envolvem diversas famílias, fortalecendo os laços sociais e possibilitando a produção agrícola após as chuvas e mesmo em tempos de seca.

Essas estruturas são comuns em regiões com escassez hídrica, onde comunidades desenvolvem soluções artesanais e sustentáveis para garantir o acesso à água. A história dos tanques de pedra está profundamente ligada à necessidade de coletar, conservar e utilizar esse recurso vital em áreas de difícil acesso, como o semiárido brasileiro.

Na comunidade de Zabelê, o tanque foi feito com barro e pedras locais, escolhidas por sua resistência e disponibilidade. Apresentam formatos retangulares ou cilíndricos, com bordas elevadas para evitar a entrada de impurezas. De estilo rústico e funcional, integra-se ao ambiente natural sem ornamentos, priorizando a durabilidade e o uso prático.

Atualmente, o tanque encontra-se inativo, com parte do canal que levava água à sede da fazenda danificado. Ainda assim, resiste ao tempo e permanece como um símbolo de sustentabilidade e da convivência harmoniosa entre o ser humano e o meio ambiente. Representa a cultura, a criatividade e a força das comunidades rurais diante dos desafios climáticos, além de ser um testemunho da tecnologia ancestral deixada pelo povo negro daquela localidade.

Fonte: Arquivos do Patrimônio Cultural de Francisco Badaró


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quinta-feira, 30 de outubro de 2025

DIÁRIO DE LEITURA - Poesia " Vida no Jequi " de Tin Tin Alves

Gerada por IA


VIDA NO JEQUI


Pó do mesmo pó

Filho do massapê 

Arte da terra

Sete palmos, nada mais... 

Escavados com suor

Pra viver e - ter - ni – da - de...

 

Sou torrão efêmero 

Na natureza eterna 

Amolecido com água,

Do mesmo torrão vertida. 

Sou morte sou vida.

 

Filho desse torrão

Com calos calcando o chão 

Chão do qual sou,

Qual meu não é.

 

Sou buriti

Que de pouca agua carece...

 

Sou Jequi,

Sem onhas pra sonhar...

 

Sou da vida a labuta 

Num eterno definhar.

 

Sou parte da arte 

Que da vida parte, 

Reparte e parte 

Pro eterno labutar


Sou Jequi! Sou Vida!


TIN TIN ALVES

Troféu de poesia em movimento 2013, 

Editora Delicatta e UNIP.

 

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

OPINIÃO DO BLOG - Dia do Livro e a importância das bibliotecas

Nesse dia Nacional do Livro, onde celebramos a Leitura e o acesso ao conhecimento, trazemos uma reflexão sobre a importância do livro, mas também das bibliotecas.

O Dia Nacional do Livro, comemorado em 29 de outubro, é uma data que nos convida a refletir sobre o poder transformador da leitura, mais do que uma atividade intelectual, ler é um ato de liberdade, de descoberta e de construção de identidade. Os livros nos transportam para outros mundos, ampliam horizontes, despertam empatia e nos ajudam a compreender melhor a nós mesmos e ao universo que nos cerca.

Ler desenvolve o pensamento crítico, estimula a criatividade e fortalece a capacidade de argumentação, crianças que têm contato com livros desde cedo tendem a ter melhor desempenho escolar, maior vocabulário e mais facilidade para se expressar, para jovens e adultos, a leitura é uma ponte para o conhecimento, para o crescimento pessoal e profissional, e para o exercício pleno da cidadania.

Ter uma biblioteca pública em um município é garantir que todos tenham acesso democrático à informação, à cultura e à educação, ela funciona como um espaço de convivência, aprendizado e inclusão social, além de oferecer livros gratuitamente, muitas bibliotecas promovem atividades culturais, oficinas, clubes de leitura e apoio escolar.

Uma biblioteca bem estruturada pode ser o coração cultural de uma cidade, especialmente em regiões onde o acesso à internet e aos livros é limitado. Ela acolhe leitores de todas as idades e perfis, e muitas vezes é o único espaço de leitura disponível para estudantes e pesquisadores.

Quando um município não possui uma biblioteca pública, perde-se mais do que um prédio com estantes e livros, perde-se a oportunidade de formar leitores, de incentivar o hábito da leitura e de oferecer alternativas educativas e culturais à população. A ausência de uma biblioteca é um obstáculo ao desenvolvimento intelectual e social, e contribui para a perpetuação das desigualdades. Sem esse espaço, crianças crescem sem estímulo à leitura, jovens têm menos recursos para estudar, e adultos ficam privados de uma fonte acessível de conhecimento, é como se a porta para o mundo estivesse trancada, e o livro, que é a chave, estivesse fora do alcance.

Neste Dia Nacional do Livro, que possamos valorizar não apenas os livros, mas também os espaços que os tornam acessíveis. Que cada município reconheça a importância de investir em bibliotecas públicas como um compromisso com a educação, a cultura e o futuro de seus cidadãos.

Hoje em Itinga, após um trabalho de pareceria do poder público com a sociedade civil, temos uma biblioteca que é exemplo, com sede própria em um espaço tombado como patrimônio cultural, funcionando em três turnos e com uma diversidade de livros a população. Uma referência para estudantes e leitores


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terça-feira, 28 de outubro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - Racismo e Violência em Itinga no século XIX

Imagem gerada por IA


A história da Escrava Feliciana, que se tornou uma santa popular para o Povo de Itinga, é uma história conhecida, mas existe outra história de uma jovem negra que também sofreu com a escravidão em Itinga e que poucas pessoas falam sobre sua história. Venho pesquisando a anos tentando entender os motivos pelo qual essa história ficou tão oculta mesmo na memória popular.

 

No início do século XIX, o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, era uma região marcada pela exploração agrícola e pela presença de grandes fazendas sustentadas pelo trabalho escravo. A história da jovem negra mutilada na Fazenda Jenipapo, em Itinga, insere-se nesse contexto de extrema violência e dominação. Segundo a narrativa oral, a jovem foi vítima de um ato de ciúmes e crueldade extrema por parte da esposa de um coronel, após um comentário sexualizado feito por outro homem branco sobre os seios da menina.

“diz a história oral, que dois coronéis, estavam na sala e a patroa mandou servir o café, quando a menina se retirou da sala, o coronel visitante disse: quanto você quer pela negrinha? ela tem seios lindos, diga seu preço, o coronel respondeu  - vendo não, essa é minha, de estimação. Porem sua esposa ouviu e pediu que levassem a menina para senzala, lá ela arrancou os seios da menina e mandou que outra escravizada levasse e servisse para os dois em uma bandeja”

Esse episódio revela como mulheres negras escravizadas eram vistas como propriedade sexual e doméstica, sem qualquer direito sobre seus corpos ou destinos. A mutilação dos seios, símbolo de feminilidade, maternidade e identidade, foi uma forma de punição exemplar, usada para reafirmar o poder da senhora branca sobre a escravizada e sobre o próprio marido, num gesto de posse e vingança.

A violência sofrida por essa jovem não foi um caso isolado. Mulheres negras escravizadas eram frequentemente vítimas de estupros, castigos físicos e mutilações, tanto por senhores quanto por senhoras. A escravidão no Brasil não apenas explorava a força de trabalho, mas também o corpo e a sexualidade das mulheres negras, que eram sistematicamente desumanizadas.

A atitude da senhora da fazenda, ao arrancar os seios da menina e servidos aos coronéis, é um gesto de sadismo que ultrapassa a punição física: é uma tentativa de apagar a humanidade da vítima, transformando-a em objeto de escárnio e repulsa. Esse ato também revela a cumplicidade das mulheres brancas da elite escravocrata com o sistema de opressão racial e patriarcal.

Embora não se saiba o destino da jovem mutilada, sua história sobreviveu na memória popular como um símbolo da brutalidade do regime escravocrata. Narrativas como essa são fundamentais para compreender as raízes do racismo e da desigualdade de gênero no Brasil contemporâneo. Elas nos lembram que a violência contra corpos negros e femininos não é um fenômeno recente, mas parte de uma longa história de opressão.

Resgatar essas memórias é um ato de resistência. É dar voz às vítimas silenciadas pela história oficial e reconhecer a dor que moldou a trajetória de milhões de brasileiros. É também um chamado à justiça histórica, à reparação e à construção de uma sociedade que enfrente com coragem os fantasmas do seu passado.


Por  Jô Pinto - Historiador e Pesquisador das historias do Povo Negro e Quilombola do Vale do Jequitinhonha. 



 

 

 

 

 


 

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

GIRO PELO VALE - Vale do Jequitinhonha de Luto - Faleceu a artesã Geralda Batista de Caraí

Imagens da Internet
 

 

Com pesar, comunicamos o falecimento de Geralda Batista dos Santos (1949–2025), filha de Manuel Batista Miranda e Joana Gomes dos Santos, natural do Ribeirão Capivara, distrito do município de Caraí, Minas Gerais.

Geralda foi uma das grandes representantes da cerâmica artesanal do Vale do Jequitinhonha, região reconhecida internacionalmente por sua riqueza cultural e pela força criativa de suas mulheres. Com mãos firmes e alma sensível, ela moldou o barro como quem conta histórias, histórias de sua terra, de seu povo, de suas raízes.

Mais do que ceramista, Geralda foi guardiã de uma tradição ancestral, transmitindo seu saber com generosidade. Sua casa, sempre aberta, era também ateliê, escola e ponto de encontro de quem buscava aprender com a terra e com a vida.

Sua partida deixa um vazio imenso, mas também um legado que seguirá vivo nas mãos de tantas outras mulheres que ela inspirou. Que sua memória seja celebrada com a mesma delicadeza com que ela moldava o barro, com amor, paciência e profunda conexão com a terra.

Geralda Batista dos Santos viveu como vive o barro: firme, moldável e eterno.

Seu  trabalho está diretamente associado ao de sua mãe Joana Gomes dos Santos, paneleira e “moringueira” e ao de suas irmãs Noemisa, Jacinta e Santa. Mesmo ofuscada pela criatividade e pelo exímio senso estético de Noemisa Batista, Geralda nunca deixou de produzir sua arte do barro. Menos sonhadora que a irmã, sua obra se limita em utilitários e brinquedinhos – bichinhos, panelinhas e xicrinhas – com raras inserções na vida cotidiana do sertão mineiro.  Nota-se claramente a tradição familiar em todo processo de feitura: desde o preparo e modelagem do barro, o oleio e a sua queima. A obra da artista se distingue pelo acabamento despretensioso, pela “fragilidade” na textura, nas deformações formais e decorativas e, pelos tons suaves da pigmentação mineral. ( https://desenvolvimento.mg.gov.br)

A artesanato do Vale do Jequitinhonha se despede de mais uma artista da barro, dona Noemisa irmã de Dona Geralda nos deixou também recentemente. Que a história e seu legado não seja esquecida, que sua memória seja preservada pela arte e o amor a terra.


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CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - O Crime da Macieira

Imagem criada por IA   Como se viu, seu Custódio era versado em leis e, visto que a cidade nem sempre contava com advogados, funcionava co...