quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

DIÁRIO DE LEITURA - De tanta descoberta no depois da iminência

 

Encontro do Rio Jequitinhonha com o Mar - Belmonte/BA - Foto: Internet 

Tenho sorte de dormir muito.

Eram muitas horas de estrada. Mas não era pelo caminho a tal sorte, que de caminho eu gosto até bastante. Era pela verdade que eu não queria assentir.

Não era a primeira vez que eu ia vê-lo. Ele mesmo não vinha a Minas, mas eu fui atrás dele em vários estados. Ele sempre me recebeu bem. Umas vezes mais afável, outras mais agitado. Enfim, a gente já tinha até uma história. Não sei nem se posso chamar de paixão. Queria chamar de mistério, e temo pela minha não propriedade de remexer na língua que tanto admiro. Mas vou chamar de mistério, como se mistério fosse um sentimento próprio de romance. Eu sentia um mistério por ele. Não esse mistério de curiosidade, era mais de inexplicável. 

E ele é, de fato, um trem lindo. Penso que isso seja um consenso. Nunca vi ninguém dizer o contrário. E nem fico com ciúmes, porque nem é uma relação de posse. Sei que ele é de todo mundo. Imponente, seguro, destinado. Não é de se causar admiração que eu tenha por ele esse feitiço. Eu tenho fascínio por segurança. Talvez por um amor invejoso do que sou falta.

Mas sempre houve aquele nó.

O primeiro toque foi gélido. E, dali um pouco, percebi que era mais do calor de minha expectativa que de sua pensada frieza. Compreendo que ele não é frio. Só próprio mesmo. Sei que ele gosta de minha companhia, mas não precisa dela. Eu sinto isso estranho em mim, porque tenho uma tendência insuportável e incompreensível ao amor que imprescinde.

A nossa relação é boa, acho que posso dizer assim. E seria plena, não fosse a mentira. E o outro.

Era como se eu traísse o que deixava para trás.

Na verdade, eu traía o que deixava para trás. Só que, o nó no peito, era injustificado. Parecia que era de um puritanismo que não concebo. E essa era fonte do caos interior: medo de estar sendo outra.

Eu nem sei quando aconteceu. Sou uma moça lerda, movida à ímpetos. É num repente que sei coisas que já sabia sem perceber e faço o que é preciso para continuar equilibrada no caminho.

Talvez seja uma ordem natural das coisas. Que no limite aconteça o que precisa acontecer. Penso nisso porque acontecem coisas que podiam ter acontecido antes, se eu percebesse o que eu já sabia.

É um pouco de pretensão imaginar que o cosmo se preocupa com meu equilíbrio. Com meu equilíbrio particular. Mas há um equilíbrio universal, do qual faço parte com minha pequenez. E eu acredito nele.

Fato é, aconteceu. E eu só pude pensar tudo isso depois de ter sido acontecida pelo cosmo, ou pela descoberta, ou pelo quê.

Era como se eu estivesse traindo um e outro.

Mas a traição nunca foi o encontro. Era o silêncio. Não o silêncio comum da indecência, mas o silêncio da propriedade.

É como se estivesse traindo a mim.

É difícil não estar no mesmo. E o viver tem umas verdades de maioria em que eu não caibo. Mas que — juro, me custa o sossego entender por que — eu avoco.

É verdade que relutei, e o medo grande que percebo, o de ir contra a maré, me dá alguma sensação de comiseração. É temorosa a força quando é a necessidade que carece. Mas que belo ter acontecido. Talvez eu esteja aprendendo a amar mais o que sou. Ando ansiando mesmo pelos dias de crescer.

Mas enfim, eu consegui. Aproveitei que não tinha muita gente perto e fiquei de frente com ele. Engoli seco, mas, apesar de ir lenta, não freei, para não voltar atrás.

Assumi bem baixinho, o que já devia ter dito há muito tempo. Inaudível, de maneira que só ouvisse quem realmente importava. E eu acho que ele compreendeu. Respirei fundo e sussurrei no meu ouvido:

— Desculpe-me, Mar, eu amo mais o Rio.

 

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