quinta-feira, 7 de outubro de 2021

DIÁRIO DE LEITURA - O menino que prendeu o mar

 

Imagem Internet

A inocência tem um poder que o mal não pode imaginar.

- O Labirinto do Fauno

 

 

Mineiro na praia é até bonito de se ver. Eu gosto de quem consegue ainda olhar, para o que quer que seja, com encantamento. Essa coisa de não ter, deixa a gente num gostar meio desajeitado. Pela falta de trato mesmo. Ainda aqueles que dedicam todas as suas férias em viagens litorâneas, não conseguem desenvolver aquela familiaridade do convívio.

O meu pequeno, já não tão pequeno assim, parou logo que chegamos e botou reparo intenso naquele mundão velho d’água a nossa frente. Sentou-se na areia e disse tranquilamente, quase para si mesmo:

— Vou prender o mar.

Eu ri, bastante descrente, coisa que se ele percebeu não se importou, porque começou a remexer na areia. Para forjar uma brincadeira e despistar meu descaso, falei sem muita convicção:

— Também vou ter o mar. Vou me tornar presidente do Brasil.

— Mãe, o Brasil não é dono do mar.

— Uai. Então, vou me tornar presidente da ONU.

— A ONU divide as coisas, Mãe. Vão te tirar de lá logo.

— Tá difícil, viu. Deixa eu ver... vou me aliar a extraterrestres.

O silêncio dele falou por si. Parei de teimar e me calei, observando aquele imenso todo que era ainda só um pedacinho do oceano.

- Escreve um poema, Mãe. Você é escritora.

Sorri. Claro. Peguei o caderno e comecei a rabiscar versos de um mar todinho e só meu. Metáforas do tão complicado amor. Quando acordei do transe poético olhei para o meu filho, sereno, dedicado à empreitada de brincar.

— E você, filho, quando pretende prender o mar?

— Hoje.

— Pois já devia ter começado.

— Já comecei.

— Já?

— Vou fazer um buraco.

Sorri genuinamente e voltei a me dedicar a apossamentos de mares e amores. Não percebi que a maré subia. Meu filho se aproximou com os olhinhos reluzentes e me cutucou.

— Está quase!

Quando olhei para o mar, vi que ele veio muito perto, deixando um pouco de água num, até singelo, buraco perto de nós.

O sorriso do garoto iluminou o sol.

Na volta do mar, a areia sedenta bebeu praticamente toda a água que restara no buraco, sobrando talvez menos do que um litro ali. Ingênua, ainda me atrevi.

— Filho, você não tem o mar. Olha o tamanho dele, isso aí mal enche um copo.

— Tenho o suficiente.

Arqueei as sobrancelhas. Ele me olhou, com a ciência de quem dizia o óbvio.

— Eu não preciso do mar todo.

Respirei profundamente o ar impregnado da sabedoria genuína. O pequeno se pôs a brincar com seu suficiente e pleno mar.

— Nem eu – respondi ensimesmada.

Quando foi que crescer levou embora minha liberdade?


Herena Barcelos

Por



 

 


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