terça-feira, 27 de julho de 2021

O ASSUNTO É? Mulheres negras na literatura

 



O dia 25 de Julho é dedicado às mulheres negras latino-americanas e caribenhas, data decidida em 1992 durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas, ocorrido em São Domingos. Nós, mulheres negras, compartilhamos uma história de resistência à opressão dos colonizadores brancos ao longo do tempo. Temos sobrevivido às inúmeras formas de violência às quais fomos submetidas pelos séculos, desde a diáspora forçada, aos estupros coloniais que forjaram as nações “mestiças”, conforme demonstra Sueli Carneiro em Enegrecendo o feminismo, até à eliminação por meio dos feminicídios, negação de direitos à saúde, água potável, moradia digna e educação. Hoje, quero falar sobre uma forma muito potente de resistência poética forjada pelas negras latino-americanas e caribenhas: a expressão literária  utilizada para narrar a nossa história. Chamar a atenção das leitoras e leitores para dois livros escritos por mulheres negras da América Latina e do Caribe. Eu, Tituba: Bruxa negra de Salém, escrito por Maryse Condé, e Um defeito de cor, escrito por Ana Maria Gonçalves. A arte é uma ferramenta muito potente de transformação social, daí a perseguição que ela sofre em países dominados por figuras autoritárias. A arte literária pode ser uma ferramenta para derrubar a casa grande, tomando emprestada a expressão usada pela feminista afroamericana Audre Lorde. É o que fazem Maryse Condé e Ana Maria Gonçalves através da produção literária. Conduzem-nos a uma viagem histórica ao passado colonial da América portuguesa, América inglesa e Caribe, por meio das personagens narradoras Tituba e Kehinde. A primeira, nascida em Barbados, relata sua vida desde as primeiras lembranças de infância, da brutalidade da escravidão e da violência vivida por sua
mãe, do estupro que resultou em seu nascimento e rejeição materna, dos amores e magias que a levam para o condado de Salém, não mais livre, mas como escrava, do fanatismo religioso dos puritanos que quase a levam à forca. Em toda a sua trajetória reconstruída no livro, Tituba é amparada pelas suas ancestrais já encantadas que sempre a orientam sobre as escolhas que deve fazer. É uma escrita muito potente que retira Tituba dos limbos da história, onde figura brevemente nos registros da época, e a coloca no centro dos acontecimentos, contando sua própria história. É o olhar da mulher negra sobre as sociedades coloniais, recontando uma história que foi narrada predominantemente pelos descendentes dos colonizadores brancos. Em Um defeito de cor,  Kehinde relata desde a infância no continente africano na feliz companhia da mãe, da irmã, da avó e do irmão, passado pelo seu aprisionamento em companhia da irmã gêmea, do horror da viagem no tumbeiro em companhia de centenas de pessoas de povos diferentes, bem como, da irmã e da avó que não chegam à colônia. A partir de seu desembarque, começa sua jornada na nova terra, sua luta pela sobrevivência na sociedade escravocrata. Através da narrativa da personagem, conhecemos as práticas religiosas dos Iorubás, relações sociais estabelecidas pelas pessoas negras na sociedade colonial, bem como as múltiplas estratégias de sobrevivência de nossas antepassadas. As irmandades religiosas, o culto dos Orixás e as relações afetivas foram âncoras que evitaram que as pessoas negras escravizadas ficassem à deriva numa sociedade tão violenta.  Essas duas obras podem ser descritas a partir da definição da magnífica escritora Conceição Evaristo, segundo a qual “não são histórias para ninar os da casa-grande e sim para incomodá-los nos seus sonos injustos”.

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7 comentários:

  1. Excelente e oportuno texto. Parabéns, Rosana.

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  2. Convido você para nosso clube Leia Mulheres, Rosana. Temos lido obras importantes para nossa reflexão e pertencimento dentro da literatura de autoria feminina.

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    1. Quero, Herena como faço para participar?(Rosana)

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Isso! Siga o nosso Instagram do Leia Mulheres Araçuai. Lá divulgamos tudo. O clube é aberto a todos e os encontros ocorrem uma vez por mês, através da plataforma Google Meet.

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  3. Amei o texto, prof Rosana. Tocante, profundo e ao mesmo tempo objetivo.

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