terça-feira, 8 de junho de 2021

O ASSUNTO É? - Com açúcar, sal e afeto

 

Comunidade Quilombola do Corrego do Rocha - Chapada do Norte/MG


A relação entre alimentação e a História há muito me fascina. Um dos aspectos que mais me atrai a atenção é a memória gustativa. A forma como o gosto dos alimentos preparados de certo modo, provoca reminiscências que nos permitem relembrar algum momento de nossas vidas. Essa é uma das funções da memória, quando rememoramos algo bom é como se recriássemos todos os sentimentos que experimentamos naquele momento. E como se, por um curto momento, enganássemos o tempo, as recordações nos acalentam diante do seu movimento irremediável.  O sabor do bolo de fubá temperado com cravo-da-índia me conduz de volta à infância na roça, lembro dos bolos preparados por minha mãe, assados no fogão de lenha, com uma tampa de brasa por cima. Enquanto comia, sentada no batente da cozinha, observava a chuva tocando o chão e se transformando em correntes de enxurrada, enquanto o vento balançava a grande mangueira derrubando os frutos maduros. O calor do fogão de lenha, somado ao café quente e ao carinho de mãe, criava uma atmosfera morna e acolhedora, enquanto lá fora o mundo parecia desabar sob a chuva.

Também é um ativador de memória o frango temperado com coentro. Lembro-me das farofas que meu avô Geraldo fazia, gordurosas e deliciosas, com sabor marcante de coentro, comíamos enquanto ele repetia pacientemente as mesmas histórias, contadas da mesma maneira, sem alterar qualquer detalhe. Cada vez que levo à boca um pedaço de goiabada com queijo, lembro-me imediatamente de que esta era a sobremesa preferida de minha mãe e dá um aperto no coração. É impressionante como os sabores ativam determinada região do cérebro responsável pela memória, de imediato, imagens de momentos dos quais nem lembrávamos são recriadas, as sensações também, podemos sentir e quase ter diante dos olhos o passado. Não necessariamente pratos sofisticados (claro que varia de uma classe social a outra), no meu caso, são as comidas triviais, cotidianas, como o tutu de feijão com o torresmo conservado na gordura durante um bom tempo como era costume rural antes da popularização das geladeiras, o picadinho de chuchu verde cozido na banha, sem adicionar água, com alho e cebola, o biscoito de goma frito que era servido com café quente nas manhãs frias junto com o carinho materno que me envolveu e o tempo implacável levou. São esses alguns dos meus ativadores de memória, cada um relacionado a um momento de minha vida.

Certa vez li um escrito da historiadora Sandra Jatahy Pesavento que dizia mais ou menos assim: “É com o corpo que experimentamos o mundo, sentimos as cidades, impressas no corpo estão as memórias dos lugares que atravessamos.” Penso que essa definição exprime bem a forma como a memória gustativa, enquanto possibilidade do nosso corpo, é capaz de nos fazer relembrar momentos e sensações irrepetíveis, mas que são recriados através do ato de rememorar. E assim chegamos ao fim desse devanear de hoje. E você? Quais sabores te remetem ao passado?

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Um comentário:

  1. Amei o texto!!! Traz simplicidade e leveza!!! Desperta os sonhos de criança!!!

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