quinta-feira, 16 de abril de 2020

Memória do Festivale , Narrativa de Claudio Bento


Claudio Bento, Natural da Cidade de Jequitinhonha ( Baixo Jequitinhonha). Ex Diretor de Comunicação da FECAJE, poeta, concorrente e vencedor em noites literárias do FESTIVALE, participante em diversas comissões organizadoras da noite literária, Já foi homenageado, lançou livros e foi também jurado na mesma.








MEMÓRIA DO FESTIVALE
Por: Claudio Bento

Corria o ano de 1978. Nos muros da cidade de Jequitinhonha uma inscrição deixou-me intrigado e curioso ao mesmo tempo. Nos muros em várias partes da cidade estava escrita a palavra Geraes. Eu passava pelas ruas e ficava pensando o que seria e o que queria dizer a palavra Geraes. Dois anos antes Milton Nascimento já havia lançado um LP chamado Geraes, mas descartei a ideia de que pudesse ser algo ligado ao disco do Milton. Passado mais um ano deparei-me com um cartaz na cidade de Jequitinhonha que impressionou-me. Era um cartaz igualzinho ao que a ditadura militar, então vigente e sanguinária no país, divulgava com fotografias dos quadros políticos que estavam sendo procurados pelo CCC- Comando de Caça aos Comunistas. Era uma gozação ao regime, uma sacada inteligente de paródia imagética aos tempos em que estávamos vivendo no Brasil. Era um cartaz escrito "Procurados," onde estavam estampadas as fotografias de jovens músicos e compositores do Vale do Jequitinhonha, entre eles, Tadeu Franco. Percebi que algo importante estava acontecendo e constatei minha certeza quando passando de ônibus por Itaobim indo para BH no ano de 1980, li com especial interesse um cartaz que divulgava o 1º Festivale na mesma cidade de Itaobim. O cartaz divulgava uma feira de artesanato, apresentação de grupos folclóricos, shows musicais e festival de música. O ônibus afastou-se da rodoviária de itaobim e eu fiquei pensando naquele festival, novo, revolucionário e por tratar-se de um espaço que eu poderia explorar, já que estava começando a escrever poemas e compor músicas com alguns parceiros.
Certo dia do ano de 1982, o professor, poeta e teatrólogo José Machado, convidou-me para compor a trupe de teatro que ele estava criando na cidade de Jequitinhonha. Ali nascia o Grupo Teatral Gruteje-Grupo de Teatro de Jequitinhonha. O Gruteje foi convidado pela direção do Festivale para apresentar uma montagem teatral na sua grade de programação. O Gruteje foi o primeiro grupo teatral a participar do Festivale. O Festivale estava indo para sua terceira edição, depois de ter visitado as cidades de Itaobim e Pedra Azul, estava voltando à cidade de Itaobim novamente. Partimos para Itaobim com um certo orgulho e um riso atravessado na boca. Era o meu primeiro Festivale e nele eu entrava sem saber da importância histórica que estava vivenciando, em grande estilo, pois estava participando da primeira intervenção teatral dentro do movimento cultural e estava também concorrendo ao disputado festival da canção, que tinha Rubinho do Vale, Titane, Chico Rei, Heitor Pedra Azul, Raimundo e Seus Filhos e outros, como concorrentes. A música era Canoa Quebrada, letra minha e música de Rubens Espíndola, defendida pelo Rubens no palco do Festivale de 1982.
Em Itaobim fomos recebidos pelo mentor do Festivale, o poeta Tadeu Martins, que nos deu toda a estrutura para o nosso grupo de teatro se apresentar. E a apresentação foi um sucesso de crítica e de público. A montagem chamava-se Inocência, que era um relicário de poemas de Drummond, Mário Quintana e do próprio José Machado, com trilha sonora de Caetano Veloso e Paulinho Pedra Azul. Era um teatro de cunho muito moderno para a realidade do vale, era uma construção poética ainda não vivenciada nos palcos da época. Ficamos orgulhosos, é claro, depois que a plateia nos aplaudiu de pé nas dependências de uma escola pública onde apresentamos nossa montagem teatral. mas orgulho maior eu tive quando Canoa Quebrada ficou entre as dez finalistas do festival da canção, vencido por Rubinho do Vale e Titane, com Estrada Vermelha de Terra. O festival da canção foi realizado no mercado municipal de Itaobim e todos pagavam ingressos para assistir ao desfile de canções dos compositores do vale.
As grandes emoções não pararam por aí. À noite fui à praça central da cidade assistir aos shows musicais na porta da igreja, onde o Coral Trovadores do Vale fazia uma apresentação. Um belo coral com um padre de batina que parecia reger aquelas músicas vindas não sei de onde, mas que remetia-me ao tempo da minha avó cantando à beira do fogão de lenha da minha infância. Chorei copiosamente ali mesmo na praça. Eu estava diante de algo lindo e importante, compreendia profundamente o que era o verdadeiro sentido da cultura, das manifestações populares, da música que tocava fundo no cerne da minha história, da nossa história, do homem vivente naquela região, o Vale do Jequitinhonha.
Ainda quando cheguei à cidade de Itaobim na sexta-feira que dava início ao Festivale, vi a cidade sendo invadida por uma horda de cabeludos, mulheres vestidas saias indianas, homens vestidos calças esvoaçantes e coloridas, todos com seus artesanatos, suas fitinhas, colares e pulseiras. Durante o dia ficávamos na praça central onde acontecia a feira de artesanato, com os hippies e os grandes artesãos do vale que estavam sendo descobertos naquela ocasião: Ulisses Mendes e Lira Marques entre eles.
À noite logo após o término do festival da canção, íamos todos para o acampamento onde armávamos barracas e acendíamos fogueiras. Todos os concorrentes do festival da canção e inclusive os cantores que deram shows no Festivale, iam para o acampamento para tocar, beber vinho, cachaça e fumar grandes porções de maconha. Vivíamos os tempos dos anos de chumbo, havia no ar um descontentamento geral com o governo milico que comandava o país.
E, ah, a palavra Geraes escrita nos muros do vale, viria a ser um jornal de combate à ditadura e a favor dos pobres do Vale do Jequitinhonha. Com o Geraes formei melhor minha ideologia política, de cunho socialista e a favor da igualdade humana.



Um comentário:

  1. Que maravilha, passear pelas linhas e entrelinhas do grande Poeta e Escritor Cláudio Bento. Esse texto é muito rico, é belo, poético, mágico e histórico, nos faz reviver não só a história do Vale, mas de todo o Brasil. Salve, Bento!

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