sexta-feira, 25 de setembro de 2015

SEXTA LITERÁRIA - Quando For a Última Gota , de Herena Reis Barcelos

(...) Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.







                              
      QUANDO FOR A ÚLTIMA GOTA

Autora: Herena Reis Barcelos


Chico era um poço por um triz.

Por um tempo bebi de sua água. Por um tempo, muito. Muita água em pouco tempo, a gente até escorre. Quando eu escorria, molhava sem querer e tudo. A água me era boa ainda assim. Nutria.

Mas isso é de Chico.

Era bonito. De água azul, achavam que de tão limpa. Depois viram que não. Era poço intenso, e intenso de poço é profundidade, que se perdia de vista e não se via o fundo. Mas depois se viu.

Chico era de pedra, e azul fluido. Azul do jeito que você quiser. Azul bonito. Não era de pedra por ser duro. Ficou até duro depois, afora o cinza. Não era azul por ser limpo, porque sujou e era azul ainda. Nem era azul por ser fundo. Era cinza e azul. Todo poço e todo mundo é um pouco cinza, um pouco azul, eu acho. Mas têm outras cores também, não Chico.

Chico era um poço feliz.

Mais porque todo poço nasce mais pra feliz mesmo. A felicidade até foi secando. Embora tivesse água. É que Chico não via. Não que a água fosse a felicidade. A água, a desse poço era Chico, e Chico podia ser feliz. Embora fosse cessando.

Chico era um poço juiz.

Desses que julgam mal. Não sei se julgar pode ser bom. Porque limita a verdade. Sei que de Chico, depois de já ter sido na vida todo ofertado, de sua água, nem tudo bebia. Ou bebia só de gota. Chico parou de se dar, e ia achando que a água acumulava, porque se sentia cheio.

Mas, e porque, Chico era poço aprendiz.

Pouco que se dava, muito recebia. E as pessoas podem ser más, embora não precisem, não devam e não tenham nascido pra tal. Algumas eram más com Chico, mesmo que com outros fossem boas, mesmo que outrora fossem boas. Ou mesmo tentando ser. E Chico não descartava, e porque nem sabia. Depois sabia em partes e era pouco.

No começo Chico achava que tinha que guardar o que estava posto ou jogado lá dentro. Alguns jogavam goela abaixo, do que Chico nem queria. Ele até aprendeu que podia jogar, mas não conseguia tudo. E não sei qual o processo para se distinguir o que se joga. Ma não era Chico quem definia, não sempre. Na verdade, só umas vezes.

Chico era poço petiz.

Ser menino não é ruim, antes é bom. Porque tem inocência e inocência dói menos. Mas difícil é passar de menino a crescido, sendo julgador e principiante.

Chico acumulava umas coisas que não eram gota. Entulho, do que não servia, pelo menos pra ele. E entulho não serve para nada, só para ocupar.

Era mais de ignorar mesmo. Na verdade Chico era a água que dava e quanto menos dava menos era. Quanto menos era, menos água. Mas é que Chico era poço e nem sabia.

Porque se soubesse, se alguém lhe dissesse, ele parava de guardar entulho, que lhe enfiaram, que lhe ocupava, para ter espaço pra água. E a água não ficar na beira, pra ter espaço de se caber.


Chico acha que está quase transbordando. Por uma gota. Na verdade Chico, você está na iminência de secar.


Por





Um comentário:

  1. Lisonjeada. Obrigada, José pelo espaço, pela partilha de luta e pela amizade.

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