(...)
Mas o mar seria menor se lhe faltasse
uma gota.
Autora: Herena Reis Barcelos
Chico
era um poço por um triz.
Por
um tempo bebi de sua água. Por um tempo, muito. Muita água em pouco tempo, a
gente até escorre. Quando eu escorria, molhava sem querer e tudo. A água me era
boa ainda assim. Nutria.
Mas
isso é de Chico.
Era
bonito. De água azul, achavam que de tão limpa. Depois viram que não. Era poço intenso,
e intenso de poço é profundidade, que se perdia de vista e não se via o fundo.
Mas depois se viu.
Chico
era de pedra, e azul fluido. Azul do jeito que você quiser. Azul bonito. Não
era de pedra por ser duro. Ficou até duro depois, afora o cinza. Não era azul
por ser limpo, porque sujou e era azul ainda. Nem era azul por ser fundo. Era
cinza e azul. Todo poço e todo mundo é um pouco cinza, um pouco azul, eu acho.
Mas têm outras cores também, não Chico.
Chico
era um poço feliz.
Mais
porque todo poço nasce mais pra feliz mesmo. A felicidade até foi secando.
Embora tivesse água. É que Chico não via. Não que a água fosse a felicidade. A
água, a desse poço era Chico, e Chico podia ser feliz. Embora fosse cessando.
Chico
era um poço juiz.
Desses
que julgam mal. Não sei se julgar pode ser bom. Porque limita a verdade. Sei
que de Chico, depois de já ter sido na vida todo ofertado, de sua água, nem
tudo bebia. Ou bebia só de gota. Chico parou de se dar, e ia achando que a água
acumulava, porque se sentia cheio.
Mas,
e porque, Chico era poço aprendiz.
Pouco
que se dava, muito recebia. E as pessoas podem ser más, embora não precisem,
não devam e não tenham nascido pra tal. Algumas eram más com Chico, mesmo que com
outros fossem boas, mesmo que outrora fossem boas. Ou mesmo tentando ser. E
Chico não descartava, e porque nem sabia. Depois sabia em partes e era pouco.
No
começo Chico achava que tinha que guardar o que estava posto ou jogado lá
dentro. Alguns jogavam goela abaixo, do que Chico nem queria. Ele até aprendeu
que podia jogar, mas não conseguia tudo. E não sei qual o processo para se
distinguir o que se joga. Ma não era Chico quem definia, não sempre. Na
verdade, só umas vezes.
Chico
era poço petiz.
Ser
menino não é ruim, antes é bom. Porque tem inocência e inocência dói menos. Mas
difícil é passar de menino a crescido, sendo julgador e principiante.
Chico
acumulava umas coisas que não eram gota. Entulho, do que não servia, pelo menos
pra ele. E entulho não serve para nada, só para ocupar.
Era
mais de ignorar mesmo. Na verdade Chico era a água que dava e quanto menos dava
menos era. Quanto menos era, menos água. Mas é que Chico era poço e nem sabia.
Porque
se soubesse, se alguém lhe dissesse, ele parava de guardar entulho, que lhe
enfiaram, que lhe ocupava, para ter espaço pra água. E a água não ficar na
beira, pra ter espaço de se caber.
Chico acha que está quase transbordando. Por uma gota. Na verdade Chico, você está na iminência de secar.
Por
Lisonjeada. Obrigada, José pelo espaço, pela partilha de luta e pela amizade.
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