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A
história da Escrava Feliciana, que se tornou uma santa popular para o Povo de
Itinga, é uma história conhecida, mas existe outra história de uma jovem negra
que também sofreu com a escravidão em Itinga e que poucas pessoas falam sobre
sua história. Venho pesquisando a anos tentando entender os motivos pelo qual
essa história ficou tão oculta mesmo na memória popular.
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No início do século XIX, o Vale
do Jequitinhonha, em Minas Gerais, era uma região marcada pela exploração
agrícola e pela presença de grandes fazendas sustentadas pelo trabalho escravo.
A história da jovem negra mutilada na Fazenda Jenipapo, em Itinga, insere-se
nesse contexto de extrema violência e dominação. Segundo a narrativa oral, a
jovem foi vítima de um ato de ciúmes e crueldade extrema por parte da esposa de
um coronel, após um comentário sexualizado feito por outro homem branco sobre
os seios da menina. “diz a história oral, que dois
coronéis, estavam na sala e a patroa mandou servir o café, quando a menina se
retirou da sala, o coronel visitante disse: quanto você quer pela negrinha? ela
tem seios lindos, diga seu preço, o coronel respondeu - vendo não, essa é minha, de estimação. Porem
sua esposa ouviu e pediu que levassem a menina para senzala, lá ela arrancou os
seios da menina e mandou que outra escravizada levasse e servisse para os dois
em uma bandeja” Esse episódio revela como
mulheres negras escravizadas eram vistas como propriedade sexual e doméstica,
sem qualquer direito sobre seus corpos ou destinos. A mutilação dos seios, símbolo
de feminilidade, maternidade e identidade, foi uma forma de punição exemplar,
usada para reafirmar o poder da senhora branca sobre a escravizada e sobre o
próprio marido, num gesto de posse e vingança. A violência sofrida por essa
jovem não foi um caso isolado. Mulheres negras escravizadas eram frequentemente
vítimas de estupros, castigos físicos e mutilações, tanto por senhores quanto
por senhoras. A escravidão no Brasil não apenas explorava a força de trabalho,
mas também o corpo e a sexualidade das mulheres negras, que eram
sistematicamente desumanizadas. A atitude da senhora da fazenda,
ao arrancar os seios da menina e servidos aos coronéis, é um gesto de sadismo
que ultrapassa a punição física: é uma tentativa de apagar a humanidade da
vítima, transformando-a em objeto de escárnio e repulsa. Esse ato também revela
a cumplicidade das mulheres brancas da elite escravocrata com o sistema de
opressão racial e patriarcal. Embora não se saiba o destino da
jovem mutilada, sua história sobreviveu na memória popular como um símbolo da
brutalidade do regime escravocrata. Narrativas como essa são fundamentais para
compreender as raízes do racismo e da desigualdade de gênero no Brasil
contemporâneo. Elas nos lembram que a violência contra corpos negros e
femininos não é um fenômeno recente, mas parte de uma longa história de
opressão. Resgatar essas memórias é um ato
de resistência. É dar voz às vítimas silenciadas pela história oficial e
reconhecer a dor que moldou a trajetória de milhões de brasileiros. É também um
chamado à justiça histórica, à reparação e à construção de uma sociedade que
enfrente com coragem os fantasmas do seu passado. Por Jô Pinto - Historiador e Pesquisador das historias do Povo Negro e Quilombola do Vale do Jequitinhonha.
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