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Certo dia ouvi a história que se segue: " Oxum a deusa de pele negra reluzente estava triste. Apesar de ser a deusa da beleza, que se veste de amarelo, que atraí homens e deuses com sua graça, seu mel, com suas pulseiras douradas e sua dança dos véus, ela não se sentia vista. A casa de Oxum estava sempre cheia de pessoas que comiam, bebiam e festejavam, porém ela não era reconhecida. Então procurou Exu, o deus da comunicação e confidenciou a ele seu estado de espírito, Exu perguntou: Oxum, onde estão seus abebés? Oxum respondeu: Eu dei os meus abebês. Exu retorquiu: Essa é a causa de sua tristeza, você não mais consegue se ver. Volte, recupere seus abebés e se mire, se enxergue tal como é. Então Oxum buscou seus espelhos e se olhou, ela se viu, reconheceu seu valor e sua alegria voltou". Essa história me calou fundo, pensei o quanto nós mulheres negras somos levadas a não nos enxergarmos, interiorizamos o desamor a que somos submetidas durante toda nossa existência. Grande parte das chefes de família brasileiras são mulheres negras e mães solo, que sofrem com a ausência de políticas públicas e com o racismo estrutural que encarcera seus companheiros e filhos. Carregando a família e o mundo nas costas, muitas vezes as mulheres negras são vistas como nervosas, irritadas, raivosas, esse estereótipo aparece no cinema e nas novelas e já foi apontado por teóricas negras como Audre Lorde e bell Hooks, dentre outras. Sofremos a solidão desde a infância, principalmente as nossas irmãs de pele mais escura, muito nos é exigido e pouco nos é dado. O resultado desse processo é o adoecimento físico e mental. A história da relação entre Oxum e os espelhos me remeteu ao mito ocidental de Narciso. Porém, diferente de Oxum que se ocupou tanto dos outros que esqueceu de si, Narciso se encanta tanto consigo que perde os vínculos sociais e sucumbe. Tal mito deu origem ao termo narcisismo, fascínio consigo mesmo, em detrimento dos outros. É o que os homens brancos vêm fazendo há séculos, especialmente a partir do surgimento do Capitalismo, a despeito do bem da humanidade, do meio ambiente e da vida em comum na terra. Penso que uma comparação entre a relação de Oxum e de Narciso com os espelhos é uma boa forma de pensarmos as relações raciais e de gênero, bem como, os impactos destas sobre a continuidade de existência humana na terra. Axé!
*Abebés: espelhos que Oxum traz nas mãos.
Essa história foi divulgada no perfil do babalorixá Sidnei Nogueira
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