![]() |
| Imagem - IA |
|
Em uma das minhas muitas viagens trabalhando como
estagiária de comunicação de imprensa, pela Câmara Municipal de Ouro Preto, no
projeto Câmara Itinerante, conheci um livro no qual o subtítulo parecia ter
sido escrito por alguém de Joaíma. “Peripécias de um povo apaixonado por
política”. E ainda tinha mais, Lidiane Malagone, a autora da obra, contava que
o livro apresentava as dores e as delícias – já parafraseando Caetano –, do
universo político das cidades interioranas. Com poucas páginas de leitura,
consegui ver na história a forma joaimense de politicar, que parecia não tão
mais singular. E me debrucei naquela passagem de volta pra casa.
Tudo isso enquanto fazia o meu horário de almoço em uma cantina da escola de
Santa Rita de Ouro Preto. Estamos em março de 2020, ano que até então, está
sendo marcado pela pandemia do novo Coronavírus. Mas, também é um ano de
eleições municipais. E na cidade, já estamos em época de política, que é como
falamos por aqui. O ano eleitoral em Joaíma é bem-vindo pela maior parte da população. Sempre tem um fulano
ou outro que diz: “Eu que não vou votar mais, toda eleição é essa mesma coisa”.
Mas é só liberar a propaganda política e os comícios que o fulano já se
caracteriza com as cores do candidato escolhido e pega uma bandeira para
balançar. Aprende o jingle da campanha e pula ao som da trilha enquanto caminha
junto com uma multidão atrás de um paredão de som imenso. Faz apostas altas e
até discute com o melhor amigo e com a vizinha, argumentando o porquê do seu
candidato ser a melhor escolha. Tenta até fazer conchavos para agregar à campanha
do escolhido, juntando direitistas e esquerdistas. Tudo isso, e muito mais,
durante os quase três meses de campanha eleitoral liberada pelo TSE. Que duram
bem mais, na realidade do joaimense. Talvez toda essa euforia não seja só animação política,
mas também pelo fato de que a Prefeitura Municipal é uma das principais
empregadoras da cidade, e muita gente projeta uma oportunidade de emprego
quando se posiciona do lado de um candidato, vislumbrando a vitória e um cargo
no município. A máquina pública é poderosa, e só em 2020 circularam por aqui
exatos R$ 9.198.126,86, provenientes apenas de recursos transferidos para a
cidade. A receita arrecadada no exercício de 2019 foi de R$ 42.518.730,00.
Então, mesmo que alguns não saibam de boa parte desta dinheirama rolando pela
cidade, ficam afoitos para conseguirem ao menos um salário mínimo ou continuar
ganhando altos salários em seus cargos comissionados. Essa é outra paixão que move a política joaimense,
mas não é só por aqui. E, é claro, existem exceções. A arte de politicar
começou, oficialmente, em 27/12/1948, com a emancipação política da cidade, que
movimentou as lideranças locais em busca de nomes que pudessem representar
Joaíma. Cinco meses depois, Francisco Costa e Dr. Armando Sena Kangussu foram
os primeiros líderes do executivo municipal. E permaneceram até 30/03/1953, com
a inversão dos seus cargos. Durante a administração, construíram pontes,
reformaram o grupo escolar Manoel do Norte e instalaram a primeira turbina para
a captação de água que abasteceu a cidade. Os feitos desse mandato ficaram
marcados por, de acordo com pesquisas, não contarem com nenhuma verba ou
subvenção do estado: tudo foi pago com recursos próprios. No ano de 1950, os
pais do então prefeito comemoravam os seus 25 anos de casados e decidiram
estender as celebrações da data a toda a cidade, com uma festança que durou
oito dias. Além de ser conhecido por ser o primeiro prefeito da cidade e por
possuir uma imponente sepultura na entra da do cemitério local, Seu Chico, como
chamamos por aqui, era amigo de Juscelino Kubitschek. Eles se conheceram na época dos estudos secundários e
JK visitou Joaíma na sua peregrinação política quando concorria à Presidência
da República, em 1955, no pleito do qual sairia vitorioso. Após os primeiros
gestores da cidade, outros grandes nomes foram os seus sucessores. Depois de
algum tempo começaram as disputas políticas na cidade. A primeira, mais
concorrida, aconteceu em 1954, na qual foram escolhidos Dr. Antônio Gerônimo de
Oliveira e Corinto Antônio da Cunha que, de acordo com as minhas pesquisas de
campo e bibliográficas, foram grandes articuladores políticos da época. Já no
desenvolvimento social, o 9° ocupante da cadeira na Prefeitura, Antônio Gomes
Moreira, e seu vice, Argileu Alves Cunha, foram referência para a educação na
região. No final de 1963, lançaram as bases para a criação do Ginásio Menor de
Joaíma, que oferecia o antigo curso ginasial, levando o nome do seu
idealizador. Moreira entraria mais uma vez na política, mas dessa vez como
vice, em 1973, e novamente como prefeito, em 1977. E, por meio da Lei n° 1281
de 16/10/1995, foi criada a medalha “Professor Antônio Gomes” como forma de
homenagear pessoas ou instituições que se destacaram no trabalho prestado à
comunidade. A entrega acontecia no dia 27 de dezembro, data
comemorativa do aniversário de emancipação político-administrativa da cidade.
Dentre as administrações, Joaíma começou a ganhar estruturas e instituições que
compunham o conjunto de um município. E em meados de 1967 iniciou-se a construção
do Hospital Municipal da cidade, com a ajuda de um grupo de mulheres. Dentre
elas estava Antônia Grapiuna, bem articulada e muito conhecida na comunidade,
que organizou movimentos para arrecadar fundos a serem doados ao local. A
benfeitora foi homenageada tendo seu nome dado à instituição. Neste ano também foi
realizada a primeira festa da cidade comemorando os seus 21 anos. Com o tempo,
grupos políticos foram sendo forma dos. O primeiro foi chamado de “Panela’’. O grupo, organizado
por Antônio Gomes Moreira, era composto por pessoas que detinham mais
experiência política, tendo já ocupado cargos públicos ou possuindo parentesco
próximo com pessoas que ocuparam ou ocupavam uma cadeira no executivo e
legislativo da cidade. A chama da Panela ocupou liderança no município por mais
de quarenta anos, iniciando em 1962 após o término do mandato do prefeito
Domingo Ornelas (antigo PSD). A administração ficou marcada pelas grandes
festas, cultura ativa e a pouca visibilidade para a zona rural e as 27
comunidades. Com o passar do tempo, deixaram de ser aceitos na cidade por uma
parcela da população, que dizia que o grupo não favorecia os mais pobres ou os
que se opunham à gestão. Não sendo contratados, mesmo com competências para os
cargos ou para prestar pequenos serviços. Durante os mandatos do grupo, a
oposição começou a surgir. Em 1988 foram eleitos vereadores Donizete Lemos (um
dos nomes responsáveis por fundar o Partido dos Trabalhadores em Joaíma),
Frederico Lemos e Eliana Lemos (tornando-se uma das primeiras mulheres na vereança).
Ambos faziam forte oposição ao então prefeito Roberto
Grapiuna, inaugurando um novo momento político em Joaíma. Porém, só em 2005,
que o primeiro candidato da oposição à Panela assumiu a cadeira de prefeito na
cidade, após uma das disputas mais acirra das nas ruas, que terminou com uma
diferença de 1.557 votos nas urnas. À época, eram 10.437 eleitores. Em 3 de
outubro de 2004, os apoiadores do então prefeito vencedor, Flávio Botelho Leal
e Frederico Franklin Murta Lemos, saíram pelas ruas da cidade entoando o jingle
de campanha: “Não vamos deixar, não vamos deixar. Eles tão todos doidinhos pra
mamar, êta bezerro duro de desmamar, mamaram tanto e querem continuar”, com os
apoiadores batendo em panelas de pressão e quebrando panelas de barro, fazendo
alusão à derrota do grupo que levava o nome dos objetos. Após oito anos de
mandato, os governantes dividiram opiniões acerca de seu governo. Foram criticados nos primeiros quatro anos, mas
reeleitos para os próximos quatro. Seguindo a lei de apenas uma reeleição, os
líderes deixaram a vaga para João Muqueca (PP), integrante da Panela, que
concorreu com Donizete Lemos (PT), da oposição. No pleito de 2012, o petista,
que já tinha uma trajetória na política local, saiu vitorioso, com 2.120 votos
de diferença. No entanto, na eleição de 2016, o grupo da Panela retoma o poder
na cidade. E agora, em 2020, ano eleitoral, disputa mais uma vez a cadeira do
executivo, com o seu representante e atual prefeito Dauro Barreto e Nem
Guariba. E concorrem com eles, Abinaldo Botelho
(Solidariedade), com uma visão mais popular e a professora, Jussara Grapiuna,
marcando a história política da cidade como a primeira mulher a concorrer para
o cargo de vice-prefeita. Essa campanha, em especial, está deixando os
joaimenses ouriçados, tanto aqueles que não querem perder a “mamata”, quanto
aqueles que esperam por mudanças no cenário social e político há um bom tempo.
O desfecho, um caso à parte entre as muitas histórias de Joaíma, você lê no
“adendo”, nas próximas páginas. Ao longo dos seus 72 anos de emancipação política,
Joaíma já teve 22 prefeitos, alguns com mais de um mandato. E agora caminha
para a escolha do seu vigésimo terceiro gestor. O município, o distrito e as 27
comunidades se envolvem de corpo e alma nas campanhas. Que já renderam boas e
curiosas histórias. Em uma dessas, um jovem ficou com o rosto marcado por uma
estrela gigante, do partido que ele representava, após ser pintado com tinta
guache e ficar exposto longas horas em carros de som que rodava a cidade. Tudo
isso, é claro, com o seu consentimento e após alguns dias a tatuagem solar
desapareceu. Outra curiosidade é o estilo de marketing usado pelos candidatos,
o nosso décimo primeiro prefeito se elegeu com uma faixa que trazia os dizeres:
“Ruim por ruim, vote em Maurim”. Por aqui somos tomados pelo vírus do
“politiqueiro”, encontramos a magia em um movimento maçante e desacreditado por
alguns brasileiros. Que é totalmente pretensioso, mas insistimos em
ainda, sim, acreditar. Sem utopias. A política que pode intervir para melhorar
a comunidade, para fazer as coisas que as pessoas precisam no seu dia a dia
(independente de ideologia ou partido). Temos verbas e programas para garantir
isso. E muita gente que precisa, por isso, ainda acreditamos. Em um ano de
desgoverno federal, escândalos e desrespeitos ao cidadão, à saúde e à imprensa,
o que devemos fazer é ainda acreditar que a nossa política pode ser melhor, e
nos politizarmos, aprendermos a votar de forma mais coerente. Quem desiste da política, de certa forma, perde uma
parte do seu papel como cidadã ou cidadão. A paixão pelo movimento que te faz
vestir as cores e sair gritando na rua clamando por mudança. Uma paixão avassaladora
que te rouba três meses de vida, te dando mais fôlego pra debater sobre as
propostas dos seus escolhi dos. E que, quando não correspondidas, tende mesmo a
esfriar, passa pela crise dos três anos, até resultar no término no ano
seguinte, sem nem chegar a uma reeleição e comemorar as bodas de madeira. É uma
crônica sobre a minha cidade, mas aposto que, de certa forma, também se encaixa
na sua, não é? “A política é uma arte e só é
válida quando tem como objetivo a função de partilha dos ideais, de sonhos e
realizações comuns, a serviço da vida”. Emirani Quaresma (2007) Texto extraído na integra de MURTA. Ana Laura Grupiara. Joaíma
(Re) conhecendo o Vale do Jequitinhonha. TCC ( Graduação em Jornalismo.
Universidade de Ouro Preto, Mariana, 2021 (P.109) Por |



