O dia 25 de Julho é dedicado
às mulheres negras latino-americanas e caribenhas, data decidida em 1992
durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas, ocorrido em São Domingos. Nós,
mulheres negras, compartilhamos uma história de resistência à opressão dos
colonizadores brancos ao longo do tempo. Temos sobrevivido às inúmeras formas
de violência às quais fomos submetidas pelos séculos, desde a diáspora forçada,
aos estupros coloniais que forjaram as nações “mestiças”, conforme demonstra
Sueli Carneiro em Enegrecendo o feminismo,
até à eliminação por meio dos feminicídios, negação de direitos à saúde, água
potável, moradia digna e educação. Hoje, quero falar sobre uma forma muito
potente de resistência poética forjada pelas negras latino-americanas e
caribenhas: a expressão literária
utilizada para narrar a nossa história. Chamar a atenção das leitoras e
leitores para dois livros escritos por mulheres negras da América Latina e do
Caribe. Eu, Tituba: Bruxa negra de Salém,
escrito por Maryse Condé, e Um defeito de
cor, escrito por Ana Maria Gonçalves. A arte é uma ferramenta muito potente
de transformação social, daí a perseguição que ela sofre em países dominados
por figuras autoritárias. A arte literária pode ser uma ferramenta para
derrubar a casa grande, tomando emprestada a expressão usada pela feminista
afroamericana Audre Lorde. É o que fazem Maryse Condé e Ana Maria Gonçalves
através da produção literária. Conduzem-nos a uma viagem histórica ao passado
colonial da América portuguesa, América inglesa e Caribe, por meio das
personagens narradoras Tituba e Kehinde. A primeira, nascida em Barbados,
relata sua vida desde as primeiras lembranças de infância, da brutalidade da
escravidão e da violência vivida por sua
mãe, do estupro que resultou em seu
nascimento e rejeição materna, dos amores e magias que a levam para o condado
de Salém, não mais livre, mas como escrava, do fanatismo religioso dos
puritanos que quase a levam à forca. Em toda a sua trajetória reconstruída no
livro, Tituba é amparada pelas suas ancestrais já encantadas que sempre a
orientam sobre as escolhas que deve fazer. É uma escrita muito potente que
retira Tituba dos limbos da história, onde figura brevemente nos registros da
época, e a coloca no centro dos acontecimentos, contando sua própria história.
É o olhar da mulher negra sobre as sociedades coloniais, recontando uma
história que foi narrada predominantemente pelos descendentes dos colonizadores
brancos. Em Um defeito de cor, Kehinde relata desde a infância no continente
africano na feliz companhia da mãe, da irmã, da avó e do irmão, passado pelo
seu aprisionamento em companhia da irmã gêmea, do horror da viagem no tumbeiro
em companhia de centenas de pessoas de povos diferentes, bem como, da irmã e da
avó que não chegam à colônia. A partir de seu desembarque, começa sua jornada
na nova terra, sua luta pela sobrevivência na sociedade escravocrata. Através
da narrativa da personagem, conhecemos as práticas religiosas dos Iorubás, relações
sociais estabelecidas pelas pessoas negras na sociedade colonial, bem como as
múltiplas estratégias de sobrevivência de nossas antepassadas. As irmandades
religiosas, o culto dos Orixás e as relações afetivas foram âncoras que evitaram que as pessoas negras escravizadas
ficassem à deriva numa sociedade tão violenta.
Essas duas obras podem ser descritas a partir da definição da magnífica
escritora Conceição Evaristo, segundo a qual “não são histórias para ninar os
da casa-grande e sim para incomodá-los nos seus sonos injustos”.
Por
Excelente e oportuno texto. Parabéns, Rosana.
ResponderExcluirConvido você para nosso clube Leia Mulheres, Rosana. Temos lido obras importantes para nossa reflexão e pertencimento dentro da literatura de autoria feminina.
ResponderExcluirQuero, Herena como faço para participar?(Rosana)
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirIsso! Siga o nosso Instagram do Leia Mulheres Araçuai. Lá divulgamos tudo. O clube é aberto a todos e os encontros ocorrem uma vez por mês, através da plataforma Google Meet.
ExcluirÓtimo convite, Herena!
ResponderExcluirAmei o texto, prof Rosana. Tocante, profundo e ao mesmo tempo objetivo.
ResponderExcluir