terça-feira, 29 de junho de 2021

O ASSUNTO É? - Sabedoria popular

 

Foto: Jô Pinto


Para todas as situações da vida, minha mãe, Maria de Jesus, tinha um ditado. Ao longo de nossa convivência, fui me familiarizando com as expressões e compreendendo suas aplicações. “Quem quer pegar passarinho não fala ‘xô’!” Maria sempre repetia esse ditado para explicar a mudança radical do comportamento de alguns homens após o casamento, inicialmente agradáveis, gentis, mas após os enlaces se revelavam autoritários e violentos. Muitas vezes, usava tal expressão para alertar mulheres próximas a terem cuidado ao iniciarem suas relações afetivas. O ditado sintetizava sua observação sobre tais relações  e sobre a violência contra as mulheres, muito comum em nossa sociedade. Quando não lhe davam ouvidos dizia: “Quem não ouve conselho, ouve coitado!”

Sobre relações humanas, são inúmeros os ditos usados. “Diga-me com quem andas que te direi quem és”, expressão sempre mobilizada para justificar o cuidado e controle do nosso círculo de amizades. Para tal propósito falava também: “As más companhias corrompem os bons costumes” e ainda “uma batatinha podre põe todo o saco a perder”. Na minha infância e juventude, me rebelava contra esse controle cuidadoso; hoje, consigo perceber que era uma forma inteligente de educar num contexto social desfavorável, morávamos na periferia da cidade de Montes Claros, sem acesso a atividades culturais e de lazer, exceto as desenvolvidas na escola e igreja. Muitas de nossa época tiveram filhos na adolescência e não conseguiram prosseguir com os estudos, outros foram presos ou mortos.  Minha mãe acreditava, e com razão, que seu cuidado era imprescindível para que nosso futuro fosse promissor, dizia: “É de cedo que amanhece o dia”. Tentando impedir as diversas brigas entre meu irmão e eu, dizia: “quando um não quer, dois não brigam”.

 Quando tentava consertar algo e acabava quebrando ecoava: Ora, “fui benzer, pus quebranto”. “Santo de casa não faz milagre” era usado para expressar sua indignação quando ouvíamos mais as pessoas de fora do que a ela.

Naquele período, as desigualdades de gênero eram ainda maiores do que atualmente, as meninas eram muito vigiadas por todos, familiares e vizinhos. Acreditava-se que as mulheres eram consideradas responsáveis pela honra familiar, podendo manchá-la com comportamento inadequado. Quando minha mãe via algum vizinho falando mal da filha do outro, dizia: “ Quem tem telhado de vidro não joga pedra no telhado alheio” ou então “ A língua é o castigo do corpo”.

 Ainda sobre as pessoas que conversavam demais: “Quem fala demais dá bom dia cavalo” e “quem fala o que quer, ouve o que não quer”. Se ainda estivesse viva, sem dúvida Maria diria sobre a troca constante dos ministros da saúde e as opções desastrosas do governo durante a pandemia: “Panela em que muitos mexem, fica salgada ou sem sal”.

A maior parte do tempo, vivíamos com muito pouco, para explicar as várias formas de economia e esforços de sobrevivência, minha mãe usava vários ditados. Para justificar o racionamento dos alimentos e o não desperdício, dizia “Quem come e guarda põe mesa duas vezes”.  Explicando as pequenas economias mensais: “De grão em grão a galinha enche o papo”. Quando resistíamos em auxiliar na manutenção da casa bradava: “não sou mãe de pançudo para criar barrigudo”. Quando fazia faxina ou lavava roupas para fora e as patroas não pagavam, costumava dizer: É assim mesmo, “quem trabalha pra pobre, pede esmola pra dois”.

Esses ditados e a sabedoria que transmitem há muito chamam a minha atenção. São ditos curiosos, soam engraçados e por serem muito repetidos pelas pessoas mais velhas em dadas situações, acabam sendo apreendidos, bem como os seus sentidos, pelas gerações mais jovens. Hoje em dia, de quando em quando, em dada situação, um ditado adequado me ocorre. Como agora, com as notícias sobre o escândalo da covaxin, lembrei-me de que afirmavam terem acabado com a corrupção, e diante disso só digo: “Este (meu olho esquerdo) é irmão deste (meu olho direito)”.


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3 comentários:

  1. Excelente texto. A sabedoria popular bem como a sabença não dependem de diplomação e têm no pragmatismo seu valor.

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  2. Cada ditado popular nos emite um mensagem de sabedoria, admiro muito. Gosto de ver o seu carinho em expressar os ditos da sua mãe, Rosana.

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  3. Incrível essa sabedoria! Parabéns pelo texto!

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