Carolina Maria de Jesus-Foto: Reprodução - Diário de Pernambuco |
O livro é a melhor invenção da humanidade, dizia Carolina Maria de Jesus. Faço minhas as palavras da escritora. Há décadas, descobri o potencial transformador desse importante invento humano. Um dos primeiros contatos que tive com a literatura foi na Fazenda Catarina, na década de 1990. Comecei lendo a bíblia, esse importante conjunto de livros que traz muitas histórias de guerras, romances, disputas familiares, trajetórias de heróis longe de sua terra e contatos sobrenaturais. A bíblia que eu lia era enorme e trazia ilustrações coloridas, o que aumentava ainda mais meu encanto diante de tantas narrativas fantásticas sobre povos diversos em terras distantes. Pertencia à minha tia Zezé, professora rural aposentada que incentivava meu interesse pela leitura. Posteriormente, deu-me livros didáticos antigos e panfletos da Teologia da libertação, visto que tanto ela como meu tio Preto eram católicos engajados nos movimentos das comunidades eclesiais de base (CEBs) da Igreja Católica. No telhado da casinha deles, tremulavam duas bandeiras, a do Cruzeiro e a vermelha, que se destacava como uma esperança, na paisagem ressequida.
Quando abrimos um livro, estamos acessando conhecimentos produzidos por gerações inteiras que nos precederam no tempo. Para escrever um livro, uma pessoa precisa ler muitos outros, trazendo todo esse conhecimento do que leu somado às próprias vivências de seu tempo. Um ser humano que vive bastante chega a cento e poucos anos, o que não é muito, se comparado à idade da humanidade. A escrita e leitura de livros é uma forma de enganar a morte e interligar sociedades humanas no tempo. “É um diálogo entre vivos do presente com vivos do passado” expressão usada por Lucien Febvre para definir a história, mas que se faz adequada também para pensar a potencialidade dos livros.
Foi por meio deles que se deu meu encontro com Carolina Maria de Jesus, escritora mineira, que desde cedo encontrou nos livros um refúgio e a fonte do conhecimento sobre o mundo. O contato com os livros possibilitou a compreensão de sua realidade e foi através da publicação de um livro que Carolina superou a miséria e exclusão que vivenciou desde a infância.
O conteúdo de suas obras, em especial “Quarto de despejo: Diário de uma favelada”, ainda ecoa na sociedade brasileira atual. Os gritos de fome e exclusão, infelizmente, ainda são ouvidos no presente. Ao longo de sua obra, Carolina denuncia o racismo, o sexismo e a desigualdade social que estruturavam a sociedade brasileira na primeira metade do século XX e ainda estão fortemente presentes na contemporaneidade. Em Diário de Bitita, Carolina descortina uma sociedade recém saída da escravidão, em que imperavam o racismo e a desigualdade de acesso à terra. Através do olhar da menina Bitita sobre a pequena cidade de Sacramento-MG, acessamos as inquietações e descobertas próprias da infância que se alternam com sentimentos de inconformidade diante da violência contra as mulheres, da violência racial e da desigualdade fundiária.
Para quem deseja aprofundar o conhecimento sobre a história da república brasileira a partir da literatura, numa perspectiva outsider within[1], recomendo a leitura dos livros de Carolina Maria de Jesus.
[1] A definição “estrangeira de dentro” é utilizada por Patrícia Hill Collins e bell Hooks para destacar o potencial crítico da produção das intelectuais negras.
Por
Amei, Rosana de Jesus!
ResponderExcluirSua sensibilidade escrita é comovente. Tenho muito orgulho de ser sua amiga!
Sua escrita é fluida. Vc é Maravilhosa Rosana.
ResponderExcluirMaravilhosa reflexão! Obrigado por compartilhar em palavras tão belas essa força encantadora de Carolina Maria de Jesus!!
ResponderExcluirObrigada querid@s!bjos.
ResponderExcluirRosana
Deu vontade de ler o Diário de Bitita!
ResponderExcluirVale a pena! É um livro maravilhoso.
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