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Em
comemoração ao dia dos namorados que se aproxima, ainda que eu não tenha um, vamos
falar de amor...
DESASSOSSEGO
Por sorte, não
acredito em nada disso. Mas danou-se, porque parece que, de tudo, de tudo,
também não duvido.
É que existe fé
demais pelo mundo. E eu erro muito. Posso estar na fé errada de que não há nada
estranho em minha volta. E desconfio, mesmo, dessa tenência toda que dispenso
para manter o ceticismo sobre.
Ele veio me tirar o
sono. Onde já se viu dizer essas coisas?
A culpa foi parte
minha, que disse que não acreditava em mais nada. Nem em fantasma, nem em
gente. Por causa da vida. Merda que dei de parecer mais experiência do que
sabia.
Merda é palavrão?
Primeiro ele falou
bonito. E o coração gosta de acreditar no que afaga e, depois que acredita, dá
o carinho e, com o carinho, custa para descrer. Eu já gostava dele, quando
disparou.
— Eu gosto de você.
— Acredito que goste
um pouco mesmo.
— Gosto pra caralho.
Desculpa.
— Pediu desculpe por
gostar?
— Pelo palavrão.
— Não tem problema.
Eu falo palavrão também.
— É cisma só.
— Cisma de quê?
— Quando pequeno, eu
tinha medo de falar palavrão.
— Não é difícil
gostar de você — sorri.
— Por quê?
— Já era bonitinho
desde menino.
— Nada. Eu era
moleque.
— Uai. Tinha medo de
surra?
— Minha mãe batia de
chinelo. Doía mesmo. Mas nem era isso, não.
— Era o que, então,
menino?
— É que diziam que a
cada palavrão que a gente fala, o capeta dá um passo na nossa direção.
— Bobagem...
O coração batia na
boca. Mais uma noite sem dormir. Eu penava a angústia de não aceitar a
inquietação que não conseguia esquecer. O rosto amanheceu enfeitado de
olheiras.
— Oi! Você está bem?
— Não dormi direito.
— De novo?
— É.
— Chato. Eu também
dormi mal.
— Teve medo do
capeta?
— Devia ter, né? Não
sei medir quantos palavrões eu já disse. Nem sei ao certo quantos passos a
gente tem de distância do capeta no começo da vida.
Rimos.
— Devia ter, então
não tem?
— Nada. O capeta fede enxofre. Vou saber se estiver por perto.
— Você já viu o
capeta?
— Não — riu.
— Como sabe que
fede?
— Todo mundo sabe.
Mas não tenho medo. Eu sou filho da paz.
— Você parece
sereno, mesmo. Mas você disse que dormiu pouco, que nem eu.
— Acho que você me
agita.
— Não pode. Já te
disse que sou fria.
— Mas você também
não dormiu.
— É medo do capeta.
Rimos.
— E antes?
— Sei lá. Tem dias
em que eu fico pensando muito.
— Vamos fingir que é
isso mesmo, bobinha.
Era assustador. Ele
tinha fé em mim. Alguma coisa desenrijou, porque eu experimentei até uma
pontinha de esperança. Pasmei a afeição àquele broto de crença.
Eis tudo.
Por segurança, era
melhor não falar mais palavrão.
Agenda
Tomando Conhecimento – Herena Convida Joaquim Celso Freire
https://www.youtube.com/watch?v=kyJW3akB9as
...inquietante. abraços!
ResponderExcluir... cronista e mestra nos diálogos.
ResponderExcluirBons sonhos, minha moça. Supimpa.
Herena vem escrevendo crônicas como ninguém ou como uma Martha Medeiros do sertão, uma Clarice ribeirinha, plena de águas e de sol e de lua e de estrelas e de peixes e de seixos. Sua percepção é a percepção das grandes escritoras.
ResponderExcluirUm susto, depois um suspiro. Parabéns, querida Herena!
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