quinta-feira, 10 de junho de 2021

DIÁRIO DE LEITURA - Amor


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Em comemoração ao dia dos namorados que se aproxima, ainda que eu não tenha um, vamos falar de amor...

 

DESASSOSSEGO


Herena Barcelos

 

Por sorte, não acredito em nada disso. Mas danou-se, porque parece que, de tudo, de tudo, também não duvido.
É que existe fé demais pelo mundo. E eu erro muito. Posso estar na fé errada de que não há nada estranho em minha volta. E desconfio, mesmo, dessa tenência toda que dispenso para manter o ceticismo sobre.
Ele veio me tirar o sono. Onde já se viu dizer essas coisas?
A culpa foi parte minha, que disse que não acreditava em mais nada. Nem em fantasma, nem em gente. Por causa da vida. Merda que dei de parecer mais experiência do que sabia.
Merda é palavrão? 
Primeiro ele falou bonito. E o coração gosta de acreditar no que afaga e, depois que acredita, dá o carinho e, com o carinho, custa para descrer. Eu já gostava dele, quando disparou.
— Eu gosto de você.
— Acredito que goste um pouco mesmo.
— Gosto pra caralho. Desculpa.
— Pediu desculpe por gostar?
— Pelo palavrão.
— Não tem problema. Eu falo palavrão também.
— É cisma só.
— Cisma de quê?
— Quando pequeno, eu tinha medo de falar palavrão.
— Não é difícil gostar de você — sorri.
— Por quê?
— Já era bonitinho desde menino.
— Nada. Eu era moleque.
— Uai. Tinha medo de surra?
— Minha mãe batia de chinelo. Doía mesmo. Mas nem era isso, não.
— Era o que, então, menino?
— É que diziam que a cada palavrão que a gente fala, o capeta dá um passo na nossa direção.
— Bobagem...
O coração batia na boca. Mais uma noite sem dormir. Eu penava a angústia de não aceitar a inquietação que não conseguia esquecer. O rosto amanheceu enfeitado de olheiras.
— Oi! Você está bem?
— Não dormi direito.
— De novo?
— É.
— Chato. Eu também dormi mal.
— Teve medo do capeta?
— Devia ter, né? Não sei medir quantos palavrões eu já disse. Nem sei ao certo quantos passos a gente tem de distância do capeta no começo da vida.
Rimos.
— Devia ter, então não tem?
— Nada.  O capeta fede enxofre. Vou saber se estiver por perto.
— Você já viu o capeta?
— Não — riu.
— Como sabe que fede?
— Todo mundo sabe. Mas não tenho medo. Eu sou filho da paz.
— Você parece sereno, mesmo. Mas você disse que dormiu pouco, que nem eu.
— Acho que você me agita.
— Não pode. Já te disse que sou fria.
— Mas você também não dormiu.
— É medo do capeta.
Rimos.
— E antes?
— Sei lá. Tem dias em que eu fico pensando muito.
— Vamos fingir que é isso mesmo, bobinha.
Era assustador. Ele tinha fé em mim. Alguma coisa desenrijou, porque eu experimentei até uma pontinha de esperança. Pasmei a afeição àquele broto de crença. 
Eis tudo.
Por segurança, era melhor não falar mais palavrão.

 

 

Agenda

Tomando Conhecimento – Herena Convida Joaquim Celso Freire

https://www.youtube.com/watch?v=kyJW3akB9as

 

 Por



 


4 comentários:

  1. ... cronista e mestra nos diálogos.
    Bons sonhos, minha moça. Supimpa.

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  2. Herena vem escrevendo crônicas como ninguém ou como uma Martha Medeiros do sertão, uma Clarice ribeirinha, plena de águas e de sol e de lua e de estrelas e de peixes e de seixos. Sua percepção é a percepção das grandes escritoras.

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  3. Um susto, depois um suspiro. Parabéns, querida Herena!

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