Comunidade Quilombola do Corrego do Rocha - Chapada do Norte/MG |
A relação entre alimentação
e a História há muito me fascina. Um dos aspectos que mais me atrai a atenção é
a memória gustativa. A forma como o gosto dos alimentos preparados de certo modo,
provoca reminiscências que nos permitem relembrar algum momento de nossas vidas.
Essa é uma das funções da memória, quando rememoramos algo bom é como se recriássemos
todos os sentimentos que experimentamos naquele momento. E como se, por um
curto momento, enganássemos o tempo, as recordações nos acalentam diante do seu
movimento irremediável. O sabor do bolo
de fubá temperado com cravo-da-índia me conduz de volta à infância na roça,
lembro dos bolos preparados por minha mãe, assados no fogão de lenha, com uma
tampa de brasa por cima. Enquanto comia, sentada no batente da cozinha, observava
a chuva tocando o chão e se transformando em correntes de enxurrada, enquanto o
vento balançava a grande mangueira derrubando os frutos maduros. O calor do
fogão de lenha, somado ao café quente e ao carinho de mãe, criava uma atmosfera
morna e acolhedora, enquanto lá fora o mundo parecia desabar sob a chuva.
Também é um ativador de
memória o frango temperado com coentro. Lembro-me das farofas que meu avô
Geraldo fazia, gordurosas e deliciosas, com sabor marcante de coentro, comíamos
enquanto ele repetia pacientemente as mesmas histórias, contadas da mesma
maneira, sem alterar qualquer detalhe. Cada vez que levo à boca um pedaço de
goiabada com queijo, lembro-me imediatamente de que esta era a sobremesa preferida
de minha mãe e dá um aperto no coração. É impressionante como os sabores ativam
determinada região do cérebro responsável pela memória, de imediato, imagens de
momentos dos quais nem lembrávamos são recriadas, as sensações também, podemos
sentir e quase ter diante dos olhos o passado. Não necessariamente pratos sofisticados
(claro que varia de uma classe social a outra), no meu caso, são as comidas
triviais, cotidianas, como o tutu de feijão com o torresmo conservado na
gordura durante um bom tempo como era costume rural antes da popularização das
geladeiras, o picadinho de chuchu verde cozido na banha, sem adicionar água,
com alho e cebola, o biscoito de goma frito que era servido com café quente nas
manhãs frias junto com o carinho materno que me envolveu e o tempo implacável
levou. São esses alguns dos meus ativadores de memória, cada um relacionado a
um momento de minha vida.
Certa vez li um escrito da
historiadora Sandra Jatahy Pesavento que dizia mais ou menos assim: “É com o
corpo que experimentamos o mundo, sentimos as cidades, impressas no corpo estão
as memórias dos lugares que atravessamos.” Penso que essa definição exprime bem
a forma como a memória gustativa, enquanto possibilidade do nosso corpo, é
capaz de nos fazer relembrar momentos e sensações irrepetíveis, mas que são
recriados através do ato de rememorar. E assim chegamos ao fim desse devanear
de hoje. E você? Quais sabores te remetem ao passado?
Por
Amei o texto!!! Traz simplicidade e leveza!!! Desperta os sonhos de criança!!!
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