Foto: Jô Pinto - Café Comunitário encontro de Comunidades quilombolas em Virgem da Lapa |
Até meados do século passado, no interior de Minas Gerais, funcionava um sistema de trocas que fortalecia os laços comunitários e afetivos entre os vizinhos. Lá na fazenda de Almas, situada no Norte de Minas Gerais, onde passei a infância, funcionava assim, quando um vizinho abatia um porco, a carne e os “miúdos”[2] eram divididos entre as casas mais próximas. Cada vizinho recebia uma pequena parte. Lembro-me que a comunicação era na base do grito, isso antes do advento dos telefones móveis. Havia todo um sistema de gritos diferentes para comunicar diversos assuntos, assim as distâncias eram encurtadas, os sons ecoavam nos morros e vales, atravessavam as grotas e eram respondidos da mesma forma. Nós, crianças, éramos prontamente mobilizadas para atravessar as mangas[3] correndo pelas trilhas para buscar ou levar os “agrados”[4] nas casas dos vizinhos.
Tudo que se preparava de
diferente em relação aos alimentos do dia a dia era dividido, mingau de milho,
pamonha, requeijão de prato, assim como as frutas que não eram comuns a todos
os pomares. Entretanto, havia uma regra: a vasilha que levava o “agrado” não
podia de forma alguma voltar vazia, tinha que ser devolvida cheia. Em momento de
necessidade, uma vizinha socorria a outra, a que era atendida passava então a
dever obrigação àquela que a ajudou. Essa dívida simbólica só se compensava com
outro favor de mesma importância, algumas não se pagava nunca, era uma dívida
eterna que selava um compromisso de auxílio mútuo. Minha mãe dizia sempre:
“Para fulana devo obrigação, jamais conseguirei pagar.” Já em relação a outras
pessoas destacava: “Para sicrana, não devo nada, nem obrigação.”
Outro bem intercambiado era
o trabalho, principalmente no período de preparação da terra para o plantio
formavam-se mutirões, vários camaradas[5] se reuniam e chegavam logo cedo na casa da pessoa para
quem iriam trabalhar, esta ficava encarregada de oferecer as refeições, água
fresca e café. O trabalho não era pago
em dinheiro. Esse trabalho coletivo era compartilhado entre os roceiros e
pequenos sitiantes.
Tais costumes, pouco a pouco,
foram sendo aniquilados pelo “desenvolvimento” capitalista que separou os
trabalhadores da terra e os expulsou para as cidades para se transformarem em
pobres assalariados, destituídos do controle sobre os produtos de seu próprio
trabalho, bem como das alianças comunitárias que os auxiliavam nos momentos de
vulnerabilidade.
Nas cidades muitas pessoas
oriundas do campo ainda persistiram na tentativa de manterem os costumes rurais,
a criação de pequenos animais como galinhas e porcos, plantio de árvores
frutíferas e o cultivo de pequenas hortas e roças nos quintais. Porém, pouco a
pouco, foram sendo impedidos pelos códigos de postura municipais que proíbem a
criação de determinados animais, bem como pela diminuição nos terrenos urbanos
causada pela especulação imobiliária. Gradualmente, as novas gerações foram se
acostumando com um modo de vida totalmente apartado da terra. Assim como foram
afastadas da terra, também desaprenderam os antigos costumes comunitários que
foram sendo substituídos pelo individualismo e isolamento característicos da
contemporaneidade.
E você: Lembra de algum
costume do passado que hoje já não se
observa mais?
Lindo texto que me trouxe lúcidas lembranças do meu tempo de criança quando passavas as férias no Alegre, zona rural onde meu pai tinha sítio, também no norte de Minas Gerais, na região de Janaúba. Essas trocas eram comuns. O dia de fazer rapadura era um evento que mobilização toda a vizinha. Boas lembranças com sabor de melado de cana.
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