“Nossa matéria prima é a
palavra. A palavra como som, como sentido, como prática, como senha, como signo
cultural distintivo, como argamassa social, como história, como objeto, como entidade
mutável e mutante.”
Antônio
Risério.
O vale do Jequitinhonha é
uma região em que se concentra diversos povos e comunidades tradicionais que
possui um dialeto próprio e palavras que são ditas de uma forma cotidiana, mas
que carregam muita ancestralidade e herança de uma colonização. Datar essas
palavras e seus significados auxilia no entendimento das pessoas que não são
daqui, mas sobretudo saber de onde cada dialeto se deu, nos ajuda a compreender
de onde viemos.
Aculá,
bocó, chaboquero, despachado, encafifado, fuzuê, gastura, irmão de leite, lé
com cré, limpá o beco, malineza, negaça, onde judas perdeu as bota, pereba,
ribuçá, siligristido, tiquin, uruvai, varado de fome, zureta,
etc, são algumas palavras e dialetos que são falados em nossa região.
Muitas pessoas sabem que
existem, falam, mas não tem noção de onde essas palavras chegaram até nós. E é
onde que os dicionários entram, essas enciclopédias reúnem diversas palavras e
seus significados, muitas de origem africana, indígena e a maioria como herança
da colonização, como é o caso das palavras derivadas do latim.
Esses dicionários são uma
ferramenta extremamente necessária para podermos buscar as fontes do nosso
vocabulário, mas entender que nem todos os livros contam com as palavras que definitivamente
falamos, pois o nosso vocabulário é extremamente vasto, mas não que dizer que
não sejam fontes de estudo, pois muitos deles são fruto de anos de pesquisa.
Não precisamos ir longe
para saber que o nosso dialeto é regional e que muitas pessoas não conhecem de
fato o que falamos, um exemplo disso são muitas pessoas que moram em São Paulo
não saber o que significa a palavra “gastura”. E isso demonstra o quanto nossa
região é singular, sobretudo no linguajar.
Alguns dicionários que
foram publicados e que trazem de maneira enciclopédica as nossas palavras e
dialetos é o Dicionário Fanadês, Jequitinhonhês e Mineirês – linguagem
falada às margens do Rio Fanado e adjacências, do escritor Carlos Mota, o
mais interessante do livro para mim foi o estudo de onde as palavras vieram,
muitas da língua banto, o autor catalogou 190 verbetes, e também da língua
tupi, com 220 palavras. Nos presenteia também com 200 causos e anedotas e os
1000 apelidos de habitantes do Fanado e região (Mota é natural de Minas Novas).
Essa obra é um grande presente para todos nós.
Além disso podemos contar
com o exemplar do Dicionário do dialeto rural no Vale do Jequitinhonha Minas
Gerais, da autora Carolina Antunes, resultado de um estudo do vocabulário da
língua falada na zona rural dos municípios do Jequitinhonha durante os anos de
1980 a 2000. Bem estruturado e de fácil entendimento, esse dicionário muito
contribui para o enriquecimento e saber de nossos dialetos e palavras ditas
aqui na região do Jequitinhonha, ainda assim o livro conta com as peças
didáticas, que são o ponto de partida para orientar professores do Ensino
Fundamental e Médio, em sala de aula, com o dialeto rural.
Não menos importante,
também contamos com o Dicionário da Religiosidade popular – Cultura e Religião no
Brasil, de Frei Chico (Francisco van der Poel), que juntamente com a artesã
Maria Lira Marques catalogou as mais diversas rezas, benditos, batuques,
técnicas de trabalho, remédios, sabenças e histórias do povo do Vale. Frei
Chico, muito humildemente nos mostra não só na nossas região, mas em todo o
Brasil, quase todas as formas de se falar, ouvir, aprender e ensinar dos povos
e comunidades tradicionais, o quanto é importante o popular, a pedagogia
popular “que é do povo e para o povo”. Com suas 1150 páginas de puro
conhecimento, vale muito a pena folheá-lo. Não é só um dicionário de palavras
faladas, é uma enciclopédia para se buscar sempre que for necessário.
O nosso falar também é
nossa riqueza, com o falar oramos, rezamos, pedimos a benção, suplicamos,
também expressamos os nossos mais variados sentimentos, carregamos
ancestralidade, heranças e palavras diferenciadas que nos fazem ser quem somos,
um povo único. Esses dicionários vieram para materializar a nossa cultura e ler
as palavras (fiz isso quando os adquiri) para uma pessoa mais velha e ela já
saber o significado é muito gratificante, mais gratificante ainda é saber que
tem muito mais, é vasto nosso vocabulário, que por mais que seja “normal” falar
assim, carregamos muita história por trás de cada palavra ou dialeto.
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