quinta-feira, 1 de abril de 2021

DIÁRIO DE LEITURA - Primeiro de Abril

 

 

— Você está mentindo.

— Eita, a coisa é séria. Tá até falando difícil.

— Você está mentindo.

— De onde cê tirou isso?

— Quando a gente mente olha pra esquerda.

— Não tô mentindo.

— A linguagem corporal não mente.

— Nem eu.

— Você não vai teimar com a ciência.

— Isso não tem nada a ver.

Benê ergueu as sobrancelhas e entortou a cabeça, juntando os lábios num só lado do rosto. Permaneceu em silêncio encarando Eli.

— Aposto que é uma dessas bobagens que cê fica assistindo na internet.

O semblante de Benê permanecia tácito.

— Quieta com isso.

Benê se virou com calma, pisou na beirada da cama, impulsionou o corpo e puxou a velha mala preta de cima do guarda-roupas. Jogou a mala aberta na cama, bateu a poeira de cima e abriu a primeira porta do guarda-roupas e começou serenamente a tirar as peças dos cabides.

— Eu nem olhei pra esquerda, Benê. Eu tava olhando procê.

— É um movimento inconsciente.

— Vai insistir mesmo nisso?

— Tô falando o que eu vi.

— Mesmo que eu tivesse mentido, é coisa pra esse alarde todo?

Benê apertou os lábios e cerrou os olhos. Respirou fundo e voltou a colocar as roupas na velha mala preta. Eli olhava incrédulo e sem argumentos até que o som do zíper o tirou do transe. Benê bateu as duas mãos sobre a mala, mantendo os braços esticados, olhou para baixo, respirou fundo, ergueu a cabeça e encarou Eli.

— Olha, é sua última chance.

— Eu não menti – Eli pronunciou as sílabas paulatinamente.

Benê pegou a mala e saiu escada abaixo. Parou no caminho meado e pôde ouvir o som dos passos, fazendo ranger a madeira atrás de si.

— Se disser a verdade, posso reconsiderar.

Num ato de desespero Eli gritou.

Tá bom, eu menti!!!!! — Eli mentiu.

— Sabia.

— Agora senta pra gente conversar.

— Não acredito que mentiu pra mim.

— Eu não menti, Benê, só falei que sim para você reconsiderar.

— Então mentiu agora.

— Foi no desespero.

— Uma mentira anula todas as verdades.

— Mas cê também mentiu semana passada.

— Meu erro não anula o seu.

— Mas foi a mesma mentira, Benê.

— Pensei que não tivesse mentido.

— E não menti.

— Mentiu.

— Eu te perdoei.

— Porque quis.

— Você disse que reconsideraria.

— Reconsiderei.

Eli sacudia a cabeça e às vezes levava a mão à testa. Benê segurou na alça da mala e sorriu. Eli sorriu também.

— Sabia que estava brincando.

Benê manteve o sorriso e piscou devagar. Eli arregalou os olhos.

— Ah — deu uma gargalha — como não pensei nisso antes? É primeiro de abril.

— É verdade.

— Então cê mentiu desde o começo.

— Menti.

— Dê aqui essa mala.

Eli levou a mão na direção da bagagem malfeita. Benê deu um passo rápido para trás, olhou para Eli e se virou para a saída. Sem reação, Eli juntou o que tinha de força para as últimas palavras:

— Não mentiu sobre ir embora?

— Não.

— Então o quê?

— Eu não lembrava se era mesmo pra esquerda.


Por



Nenhum comentário:

Postar um comentário

GIRO PELO VALE - Vale do Jequitinhonha de luto, Morre George Abner, um dos fundadores do Jornal Geraes.

  George Abner de Figueiredo Souza, natural do município de Pedra Azul, no Baixo Jequitinhonha. Agente Cultual, filosofo, fotografo, Jorna...