— Você está mentindo.
— Eita, a coisa é séria. Tá até falando difícil.
— Você está mentindo.
— De onde cê tirou isso?
— Quando a gente mente olha pra esquerda.
— Não tô mentindo.
— A linguagem corporal não mente.
— Nem eu.
— Você não vai teimar com a ciência.
— Isso não tem nada a ver.
Benê ergueu as sobrancelhas e entortou a cabeça, juntando os lábios num só lado do rosto. Permaneceu em silêncio encarando Eli.
— Aposto que é uma dessas bobagens que cê fica assistindo na internet.
O semblante de Benê permanecia tácito.
— Quieta com isso.
Benê se virou com calma, pisou na beirada da cama, impulsionou o corpo e puxou a velha mala preta de cima do guarda-roupas. Jogou a mala aberta na cama, bateu a poeira de cima e abriu a primeira porta do guarda-roupas e começou serenamente a tirar as peças dos cabides.
— Eu nem olhei pra esquerda, Benê. Eu tava olhando procê.
— É um movimento inconsciente.
— Vai insistir mesmo nisso?
— Tô falando o que eu vi.
— Mesmo que eu tivesse mentido, é coisa pra esse alarde todo?
Benê apertou os lábios e cerrou os olhos. Respirou fundo e voltou a colocar as roupas na velha mala preta. Eli olhava incrédulo e sem argumentos até que o som do zíper o tirou do transe. Benê bateu as duas mãos sobre a mala, mantendo os braços esticados, olhou para baixo, respirou fundo, ergueu a cabeça e encarou Eli.
— Olha, é sua última chance.
— Eu não menti – Eli pronunciou as sílabas paulatinamente.
Benê pegou a mala e saiu escada abaixo. Parou no caminho meado e pôde ouvir o som dos passos, fazendo ranger a madeira atrás de si.
— Se disser a verdade, posso reconsiderar.
Num ato de desespero Eli gritou.
— Tá bom, eu menti!!!!! — Eli mentiu.
— Sabia.
— Agora senta pra gente conversar.
— Não acredito que mentiu pra mim.
— Eu não menti, Benê, só falei que sim para você reconsiderar.
— Então mentiu agora.
— Foi no desespero.
— Uma mentira anula todas as verdades.
— Mas cê também mentiu semana passada.
— Meu erro não anula o seu.
— Mas foi a mesma mentira, Benê.
— Pensei que não tivesse mentido.
— E não menti.
— Mentiu.
— Eu te perdoei.
— Porque quis.
— Você disse que reconsideraria.
— Reconsiderei.
Eli sacudia a cabeça e às vezes levava a mão à testa. Benê segurou na alça da mala e sorriu. Eli sorriu também.
— Sabia que estava brincando.
Benê manteve o sorriso e piscou devagar. Eli arregalou os olhos.
— Ah — deu uma gargalha — como não pensei nisso antes? É primeiro de abril.
— É verdade.
— Então cê mentiu desde o começo.
— Menti.
— Dê aqui essa mala.
Eli levou a mão na direção da bagagem malfeita. Benê deu um passo rápido para trás, olhou para Eli e se virou para a saída. Sem reação, Eli juntou o que tinha de força para as últimas palavras:
— Não mentiu sobre ir embora?
— Não.
— Então o quê?
— Eu não lembrava se era mesmo pra esquerda.
Por
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