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As notícias nos apunhalam o
coração; todo dia ficamos sabendo de mais um feminicídio. Trata-se do
assassinato de mulheres baseado em razões de gênero, ou seja, são mortas por
serem mulheres consideradas transgressoras das normas de gênero, como por
exemplo quando decidem pôr fim a um casamento ou outra forma de relacionamento
amoroso. Mesmo após a lei do feminicídio, importante conquista das mulheres, os
números seguem aumentando. É importante lembrar que nenhuma mulher está livre
da ameaça de sofrer alguma forma de violência de gênero, pois vivemos numa
sociedade patriarcal. Nossa sociedade é herdeira de uma histórica tradição de
misoginia. Durante cerca de cinco séculos, as mulheres foram as principais
vítimas da inquisição, arderam em fogueiras que iluminaram toda a Europa. A
inquisição chegou também às Américas coloniais, condenando à forca mulheres
acusadas de bruxaria em colônias controladas por puritanos na região norte do
continente, bem como, através das mesas de visitação do Santo Ofício que
chegaram à América portuguesa. Os feminicídios atuais são resultado de uma
cultura patriarcal que estabelece a dominação masculina como legítima e
estruturante da organização social. Discursos religiosos corroboram tal
dominação, ao proporem a dominação masculina e consequente subalternidade
feminina como parte da vontade divina, portanto, inquestionáveis. Da mesma
forma, concorrem para perpetuação da violência de gênero os discursos pseudocientíficos
que, ao longo do tempo, respaldaram a inferioridade feminina e, logo, a
exclusão das mulheres de várias atividades, baseados em argumentos de uma suposta
inferioridade biológica. Não se pode deixar de destacar também que a
subordinação feminina dentro do patriarcado é um dos pilares do capitalismo,
que se vale dessa desigualdade para explorar o trabalho das mulheres, inclusive
na reprodução e criação dos/as filhos/as, futuros/as trabalhadores/as,
consumidores/as e/ou soldados das guerras nas quais o Capitalismo se fortalece.
São inúmeros aspectos que devem ser aprofundados para melhor compreensão da
produção das desigualdades de gênero que se articulam com as de raça, classe,
sexualidade e outras, o que não é possível neste espaço. Aqui, quero me ater às
relações familiares para buscar refletir mais sobre as raízes da violência de
gênero. Apesar das mudanças verificadas nas organizações familiares ao longo do
tempo, ainda percebemos a manutenção de uma estrutura de poder e dominação. Tal
estrutura se revela pelas inúmeras notícias de abusos contra as mulheres e as
crianças ocorridos no ambiente doméstico. Exercício de poder desmedido, abusos
e negligências com as crianças ainda marcam a forma como a família é organizada.
Abusos físicos e psicológicos são entendidos muitas vezes como formas de educar
as crianças e adolescentes. bell hooks,
no livro “ Tudo sobre o amor”, enfatiza que em famílias nas quais há
abuso e/ou negligência não há espaço para o amor, considerado como “vontade de
se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou o de
outra pessoa”. Vale ressaltar que o termo espiritual não implica um sentido
religioso, ela explica, servindo para definir a “força vital presente em cada
indivíduo”. As reflexões da autora neste livro são muito importantes para
mudarmos nossa forma de compreender as relações afetivas e familiares, para que
possamos reinventar a instituição família, que ao longo do tempo nem sempre
representou um refúgio de amor e proteção. Para as mulheres brasileiras, a casa
é o lugar mais inseguro para se estar, já que, em sua maioria, os feminicídios
são cometidos por homens próximos à vítima. Para além da punição dos agressores
e assassinos, é necessário investirmos em educação para a igualdade de gênero,
como preconiza a lei Maria da Penha, outra importante conquista da sociedade
brasileira.
Por fim, convém lembrar que
crianças que crescem em lares onde impera abuso e violência passam a
naturalizá-los e, quando adultas, poderão ter dificuldades em distinguir
relações afetivas saudáveis das abusivas. Acredito que se faz urgente unirmos
forças, para construir novas relações, por um mundo mais igualitário e sem
violência de gênero.
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