segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

MEMÓRIA CULTURAL - "Fazer o bem sem olhar a quem"

 

Foto: Internet


Antigamente tudo era difícil, quando morria um pobre, muitas vezes era sepultado enrolado em um lençol , porque caixão , só para quem pagasse por ele. Velar o defunto na nossa região, sempre foi muito importante, é da nossa cultura. Mas, sempre houve diferença entre o morto pobre e o morto rico.   

            O defunto de posses, antigamente,  atraia muita gente, seu velório era regado  com muita bebida e comilança. Matava-se porco, galinha, novilha, a comida era feita naqueles tachos grandes; a fogueira era preparada desde quando anunciava a passagem; tinha muita oração: terço, ladainha, ofício e rosário; mas a cada momento, uma rodada de biscoito, café, cachaça e farofa. Além disso  não faltava gente para  contar as boas ações do morto, aliás , todo falecido virava santo, na boca de quem velava dia e noite, quanto maior  a bebedeira,  melhor ficava a vida do falecido!

            Numa destas, faleceu numa cidade do Vale do Jequitinhonha, um pobre homem, figura que as pessoas  rejeitavam, entregue a sorte de quem lhe dava um gole da aguardente mais rasa que tivesse.           

                 Morava sozinho, num quartinho, tinha por parente apenas uma irmã. Também era uma pobre vivente, mas lhe  assistia diariamente com uma xícara de café e um mísero prato de comida, para sustentar seu corpo esquelético, consumido pelo álcool  e a solidão.

               Certa manhã, sua irmã encontrou-lhe estirado em sua cama de vara, desfalecido, sem vida. Ela começou a gritar por um vizinho, que lhe acudisse, levando uma vela, para que seu irmão não se perdesse na escuridão da passagem.

             Após a encomendação da alma, havia o problema do sepultamento, pois a cidade tinha o cemitério municipal e só se enterrava  com caixão. Mas a pobre mulher não possuía nenhum vintém. O jeito era recorrer as almas caridosas. A mulher saiu chorando , em direção a igreja, para pedir auxílio aos cristãos e também pedir para anunciar  no alto falante, mesmo sabendo que não teria ninguém para velar seu irmão. Chegando na igreja, deparou-se com uma das ajudantes e ministra da eucaristia , contou-lhe o ocorrido . A ministra da eucaristia, uma destemida senhora, baixinha, sempre de batom vermelho carmim, salto alto , daquela que  ” fazia o bem, sem olhar a quem”, depois de ouvi-la , deu-lhe o ombro amigo,  confortando-lhe.Solicitou-lhe que retornasse para  casa de seu irmão, e, começasse a organizar o banho e pegasse a roupa melhor para lhe vestir e deixasse o resto por sua conta. A pobre órfã, sem compreender, obedeceu a ministra e saiu soluçando em suas tristezas.

            A ministra da eucaristia elevou seu pensamento a Deus, agarrou-se  a seu rosário, ligou o alto falante e avisou:

 __Nesta manhã, do dia tal, faleceu nosso irmão, fulano de tal. Pedimos aos irmãos de boa vontade e de fé em Cristo, que vá velar o pobre homem, pois mesmo sendo um pobre coitado em vida na terra, é também um filho de Deus!

            Largou o alto falante, fez a reverência ao Cristo e saiu em direção a prefeitura, que ficava  próxima dali. Adentrou-se , indo até a antessala do gabinete do prefeito, onde estava a secretária, que logo atalhou, repreendendo-lhe:

___O que a Senhora deseja? O prefeito está muito ocupado, pode falar comigo, que eu passo para ele.

            A ministra da eucaristia, mirou a mulher furiosa e num gesto que não ouviu, lhe deu satisfação:

___Eu vim aqui ter com o prefeito, e o assunto é de interesse dele, portanto eu falarei com ele. E, foi adentrando-se, já deparando com o prefeito se ajeitando em seu terno de linho, estendendo a mão para cumprimentá-la, indicando  o assento  para se acomodar. No entanto a senhora não se deu ao trabalho e foi logo  despejando sua fúria, em sua boa retórica.

__Prefeito, eu vim aqui para comunicar o falecimento de fulano de tal. Acabei de anunciar no alto falante. Mas a irmã dele não tem  como encomendar o caixão, nem a taxa do cemitério, portanto você como autoridade desta cidade, deve zelar pelos desfavorecidos, e eu sei que há recurso que ampara os necessitados, o caso é simples: Estou aqui para te avisar que estou descendo para casa do morto, e daqui uma hora, se você não providenciar o caixão, arrumarei uns homens para trazer o defunto e colocar encima  de sua mesa, para eu rezar as últimas orações ,caso não tenha as condições dignas para enterrar, vou sair junto com o povo e deixarei, o corpo  nesta mesa, para você .Passar bem!

            Dito em palavras entoadas em alto e bom tom, virou-se em retirada, conforme o prometido. O prefeito saiu em sua reconciliação, mas a ministra, sequer lhe olhou, só se ouvia o toc-toc de seu  sapato de salto alto.

            Sobe morro, desce morro, quando ela chegou na porta do casebre do falecido, estacionava  também   um carro, com um caixão , e um funcionário da prefeitura com as vestes novas e até o cordão de São Francisco. Em seguida também chegou o prefeito, que decretou o fechamento do expediente da prefeitura, para acompanhar o sepultamento  do pobre cristão.

            Assim aquele homem, sofredor e solitário  em toda sua vida na terra, pode ter por uma vez, companhias para levar-lhe até o cemitério  e ter um enterro digno.

          Exemplos como este, podemos constatar em muitas cidades, rendemos graças e louvores as pessoas de bem, que cumpriram seu papel de cristão e de ser humano, seja lutando, brigando ou exigindo  justiça e tratamento digno aos desfavorecidos  e vulneráveis da cidade.

Por:

 


           

 

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