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Antigamente tudo era
difícil, quando morria um pobre, muitas vezes era sepultado enrolado em um
lençol , porque caixão , só para quem pagasse por ele. Velar o defunto na nossa
região, sempre foi muito importante, é da nossa cultura. Mas, sempre houve
diferença entre o morto pobre e o morto rico.
O defunto de posses, antigamente, atraia muita gente, seu velório era
regado com muita bebida e comilança. Matava-se
porco, galinha, novilha, a comida era feita naqueles tachos grandes; a fogueira
era preparada desde quando anunciava a passagem; tinha muita oração: terço,
ladainha, ofício e rosário; mas a cada momento, uma rodada de biscoito, café,
cachaça e farofa. Além disso não faltava
gente para contar as boas ações do
morto, aliás , todo falecido virava santo, na boca de quem velava dia e noite,
quanto maior a bebedeira, melhor ficava a vida do falecido!
Numa destas, faleceu numa cidade do Vale
do Jequitinhonha, um pobre homem, figura que as pessoas rejeitavam, entregue a sorte de quem lhe dava
um gole da aguardente mais rasa que tivesse.
Morava sozinho, num quartinho,
tinha por parente apenas uma irmã. Também era uma pobre vivente, mas lhe assistia diariamente com uma xícara de café e
um mísero prato de comida, para sustentar seu corpo esquelético, consumido pelo
álcool e a solidão.
Certa manhã, sua irmã encontrou-lhe
estirado em sua cama de vara, desfalecido, sem vida. Ela começou a gritar por
um vizinho, que lhe acudisse, levando uma vela, para que seu irmão não se
perdesse na escuridão da passagem.
Após a encomendação da alma, havia o problema
do sepultamento, pois a cidade tinha o cemitério municipal e só se enterrava com caixão. Mas a pobre mulher não possuía
nenhum vintém. O jeito era recorrer as almas caridosas. A mulher saiu chorando
, em direção a igreja, para pedir auxílio aos cristãos e também pedir para
anunciar no alto falante, mesmo sabendo
que não teria ninguém para velar seu irmão. Chegando na igreja, deparou-se com
uma das ajudantes e ministra da eucaristia , contou-lhe o ocorrido . A ministra
da eucaristia, uma destemida senhora, baixinha, sempre de batom vermelho
carmim, salto alto , daquela que ” fazia
o bem, sem olhar a quem”, depois de ouvi-la , deu-lhe o ombro amigo, confortando-lhe.Solicitou-lhe que retornasse
para casa de seu irmão, e, começasse a
organizar o banho e pegasse a roupa melhor para lhe vestir e deixasse o resto
por sua conta. A pobre órfã, sem compreender, obedeceu a ministra e saiu
soluçando em suas tristezas.
A ministra da eucaristia elevou seu
pensamento a Deus, agarrou-se a seu
rosário, ligou o alto falante e avisou:
__Nesta manhã, do dia tal, faleceu nosso
irmão, fulano de tal. Pedimos aos irmãos de boa vontade e de fé em Cristo, que
vá velar o pobre homem, pois mesmo sendo um pobre coitado em vida na terra, é também
um filho de Deus!
Largou o alto falante, fez a reverência
ao Cristo e saiu em direção a prefeitura, que ficava próxima dali. Adentrou-se , indo até a antessala
do gabinete do prefeito, onde estava a secretária, que logo atalhou,
repreendendo-lhe:
___O que a Senhora
deseja? O prefeito está muito ocupado, pode falar comigo, que eu passo para
ele.
A ministra da eucaristia, mirou a
mulher furiosa e num gesto que não ouviu, lhe deu satisfação:
___Eu vim aqui ter
com o prefeito, e o assunto é de interesse dele, portanto eu falarei com ele.
E, foi adentrando-se, já deparando com o prefeito se ajeitando em seu terno de
linho, estendendo a mão para cumprimentá-la, indicando o assento para se acomodar. No entanto a senhora não se
deu ao trabalho e foi logo despejando
sua fúria, em sua boa retórica.
__Prefeito, eu vim
aqui para comunicar o falecimento de fulano de tal. Acabei de anunciar no alto
falante. Mas a irmã dele não tem como
encomendar o caixão, nem a taxa do cemitério, portanto você como autoridade
desta cidade, deve zelar pelos desfavorecidos, e eu sei que há recurso que
ampara os necessitados, o caso é simples: Estou aqui para te avisar que estou
descendo para casa do morto, e daqui uma hora, se você não providenciar o
caixão, arrumarei uns homens para trazer o defunto e colocar encima de sua mesa, para eu rezar as últimas orações
,caso não tenha as condições dignas para enterrar, vou sair junto com o povo e
deixarei, o corpo nesta mesa, para você .Passar
bem!
Dito em palavras entoadas em alto e
bom tom, virou-se em retirada, conforme o prometido. O prefeito saiu em sua
reconciliação, mas a ministra, sequer lhe olhou, só se ouvia o toc-toc de
seu sapato de salto alto.
Sobe morro, desce morro, quando ela
chegou na porta do casebre do falecido, estacionava também um carro, com um caixão , e um funcionário da
prefeitura com as vestes novas e até o cordão de São Francisco. Em seguida
também chegou o prefeito, que decretou o fechamento do expediente da
prefeitura, para acompanhar o sepultamento
do pobre cristão.
Assim aquele homem, sofredor e solitário em toda sua vida na terra, pode ter por uma
vez, companhias para levar-lhe até o cemitério
e ter um enterro digno.
Exemplos como este, podemos constatar
em muitas cidades, rendemos graças e louvores as pessoas de bem, que cumpriram
seu papel de cristão e de ser humano, seja lutando, brigando ou exigindo justiça e tratamento digno aos
desfavorecidos e vulneráveis da cidade.
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