JEQUITINHONHA, TERRITÓRIO DE VIDA!
Festivale-Fazendo
História.
O
evento Festivale teve inicio durante os anos da ditadura militar. Vivíamos no
Vale ainda sob o domínio das famílias tradicionais, numa região marcada pelo analfabetismo,
pelo esquecimento e pela exclusão. O desemprego, as secas periódicas, e os
inumeráveis surtos de sarampo, varicela se aliavam á desnutrição e ás verminoses,
ceifando vida da população.Muitos jovens dessa região, que não viam aqui
perspectivas de futuro , buscaram soluções das mais diversas formas.
Entre
eles não podemos esquecer Idalisio Soares Aranha, guerrilheiro, executado pelo
militares na guerrilha do Araguaia, em Goiás e era natural do município Rubim.
O
Pe. Felipe Soares Aranha, educador, foi pessoa marcante por suas posições
políticas e atuação neste período. Faleceu em Belo Horizonte, tendo atuado em
várias organizações, com práticas freirianas em busca de uma Educação Libertadora.Ainda
não temos no Vale quem tenha se dedicado a
tornar visíveis a história deles e de outros que deram suas vidas pelo
nosso país.
A
juventude deste tempo sonhava, e sonhava alto, porque a realidade era tão cruel
que as ações populistas da Ditadura não conseguiam esconder.
Estudei
em Belo Horizonte e tive que trabalhar muito para pagar a PUC, porque não havia
vagas e fiquei como aluno excedente na UFMG. Neste tempo não havia cotas. Morávamos
em repúblicas sempre vigiadas pelos órgãos de repressão. de olho nos estudantes
subversivos, na opinião deles. Atuei no movimento estudantil ,nas atividades do
DCE-PUC(3).
Em 1993 retornei a Araçuaí, já com
uma intensa atividade na luta pelos Direitos dos Povos Originários, Povos
Indígenas.
Havia
participado da luta do Povo Maxakali, no Vale do Mucuri, na Diocese de Teófilo
Otoni, por 8 anos, através do CIMI - (Conselho Indigenista Missionário órgão
anexo á CNBB) e posteriormente em BH, no CEDEFES (Centro de Documentação Eloy
Ferreira da Silva). Foram inúmeras idas e vindas para o Vale ate este retorno. E
retornei quando a Diocese de Araçuaí
doou para famílias Pankararu 60 hectares
de Terra.Uma outra experiência marcante ate este momento.
E AS
OUTRAS RAÍZES
Outros
tantos jovens saíram do Vale, em busca de trabalho, de estudo vivendo naquele
clima que o Romano descreve ir para a velha Rodoviária ou para o ponto de
ônibus de abraços e emoções, de sofrimento de familiares em lagrimas. Entravam num
velho e poeirento ônibus que sacolejava
do Jequitinhonha a Belo Horizonte carregando as saudades, separações e
distâncias que pareciam nunca ter fim.E...não tinha ar condicionado!!!!O
próximo passo era voltar correndo pra cá nas férias...Respirar,tomar banho no
rio,participar de festas,ir á Igreja,dormir até tarde...uma excelente
maravilha...a que nada se compara!
Mas
a cidade grande não os acolhia como os braços abertos do Vale. O falar arrastado,
engolindo o final das palavras, os costumes, os gostos... enfim uma CULTURA se
chocava com a outra...considerada como
única e certa.Estes jovens recebiam o APELIDO pejorativo de “ARASSUINOS”...O
que bem traduzia os pensamentos dos que com eles conviviam.Se com viviam!
Eram do Vale? Puxa o Vale da Miséria, de
maior índice de analbetismo, do IDH mais baixo do país... dali não podia mesmo
sair coisa boa.Mas os filhos das famílias tradicionais voltavam com diploma na
mão...engenheiros,médicos,juízes,professores,advogados! Parecia que não eram
originários deste País chamado Jequitinhonha.Mas foi exatamente deste grupo de
jovens sonhadores que veio a iniciativa de rebeldia.
-Não!
O
Vale não é deste jeito! Lá tem muita
coisa boa. Tem gente maravilhosa que conheço. Tem batuque, rodas, folias de reis,
cantores, artesãos, e artesãs, benzedeiras... Uai,gente e minha mãe mora lá...
E
assim, os primeiros passos FORAM EM ITAOBIM!
FESTIVALE EM ARAÇUAI
Tenho
lindas lembranças de um Festivale que marcou Araçuaí. A cidade não cabia de
gente e os alojamentos lotados cheiravam á Flor de Laranjeira ,de tanta beleza!
As
ruas de repente se tornaram palco e passarela. Por elas desfilavam grupos de dança
com suas saias rodadas e floridas...mulheres com turbantes,colares,sandálias de
couro feitas na região,traziam de volta
o orgulho do gingado ancestral.
O
Tum-tum dos Tambores faziam o coração bater forte. Tamborzeros,Reis e Rainhas
com seu cortejo,cantores,artistas,artesão afluíam de todo Vale para esta grande
Celebração.
G ente
assustada saia á janela, com curiosidade primeiro e depois com um riso largo de
satisfação se reconhecendo... e devagarzinho ia abrindo a porta e saindo pra Praça,se juntando á multidão.
O Orgulho recalcado brotava de dentro
das senzalas interiores. O que foi forçosamente escondido,marginalizado,deixava
de ser falado em voz baixa no recinto das casas,nas pontas de rua,se espalhava
indo do riso á risada,apoio,consentimento. Por todo canto da cidade borbulhava
o que era considerado morto, inexistente. E
nas Praças,nos shows,nos Teatros, a cantoria,a música,a dança fazia uma irmandade só, brotar.Afinal todos sem distinção entre dominantes
e submetidos ali estavam na Praça.Estes últimos...de fato...trazendo pra luz do
dia o direito de ser diferente,de ser sujeito.De ter voz!De ter Identidade
própria!
No
meio da multidão, eu feliz, imaginava se isto ocorresse em todo o Vale!Acontecia
aqui algo que só o povo entendia. Frei Xico, Lira de pessoa em pessoa... ia colocando tijolo nesta construção de baixo
para cima,explodindo em cantorias no Coral Trovadores do Vale,na voz de
inúmeros artistas que cantavam e que a multidão
repetia extasiada...
Este Festivale marcou nossa história.
MARCANTE: O FESTIVALE EM JORDÂNIA, no baixo
Jequitinhonha.
Neste
Festivale eu não estava só como participante. Fui convidada para participar de
uma roda de conversa onde estaria uma
pessoa muito especial,o Marco Morel,Ele fez uma tese de mestrado sobre A Saga
dos Botocudos,Povos Indígenas cuja RESISTÊNCIA levou á declaração de guerra,e á militarização de
nossa região e do Rio Doce para exterminá-los. Fui no ônibus com representantes
indígenas Pankararu, de Araçuaí, e aonde também iam o Coral Trovadores do Vale,
ícone desta longa trajetória do Jequitinhonha.
Destaco
este Festivale por causa da importância de iniciarmos a discussão, que já vinha
fluindo nalguns momentos no Vale, sobre a historia indígena da região, sobre os
povos indígenas. Ate então o foco era a Cultura Popular com todo o trabalho de
Lira e Frei Xico,que ajudavam o Povo a falar de si.Mas esta Cultura de Resistência tinha importantes raízes,tinha heróis e
heroínas.Tinha registros e não era conhecida.Tinha raízes Africanas.Tinha Raízes várias.Estava presente o historiador Cezar
Moreno,natural do Vale que também escrevia sobre a Guerra Justa e o Cacique Ivan Pankararu , Watori
Pankararu,criança ainda.Pouco se falava de indígenas no Vale a não ser pequenas
lembranças da violência extrema com mulheres,com antepassados,com crianças:
-Minha vó foi pega no laço. Era muito brava
-Minha avo foi pega com dente de cachorro. Foi
amansada.Virou gente.
-Meu bisavô foi pego criança ainda e foi
criado numa fazenda... foi comprado.
Mas agora no Vale se falava de Povos Vivos, lutando
por direitos como os Krenak, os Maxakali, os Pankararu e. os Aranã no
Jequitinhonha já dados como extintos.Uma
reviravolta.Um nó na cabeça de muitas pessoas.Ali ouvimos muitos depoimentos
incríveis.
.O
TEMPO PASSA e a história se enriquece! JEQUITINHONHA COMO TERRITÓRIO ÚNICO!
A História do Território do
Jequitinhonha não é muito conhecida. Por isto penso que as escolas deviam ter
um capitulo especial sobre esta nossa geografia atual.No século XVIII,ate 1757
,a posse administrativa do que era chamado Termo de Minas Novas,era da Bahia.Em
1742 ou 1749 as minas do Arassuahy passarama fazer parte da Comarca de Jacobina-Bahia.Foi
só em 1757 que passaram definitivamente
a Capitania das Minas Gerais e á Comarca do Serro Frio.
No
entanto na cabeça da população, dos canoeiros, em grande parte, indígenas Maxakali,
o Vale ia do Serro até Belmonte. As historias das cheias monumentais do
Jequitinhonha,derrubando barrancas,carregando árvores..eram contadas dia a dia.
Bem mais tarde,quando se fundam os Quartéis,por
degredados militares, vindos das guerras do sul e aqui exilados.
Declarada
a guerra aos povos Borun, o militar Julião Taborda Fernandes Leão é nomeado
como comandante da guerra no Jequitinhonha. Há relatos de viajantes sobre este trecho .Uma geração de
canoeiros repassaram os relatos vivos deste período e que se encontram nos
vários Arquivos Públicos de Minas e Bahia..
O
FESTIVALE EM BELMONTE em 2019, nos fez relembrar suas origens. Também agora
vivemos num regime repressivo,de anulação de direitos desmonte de politicas
públicas e de instâncias do Estado.
Sua
realização se deveu, de novo, á garra da Fecaje e ao apoio das prefeituras
tanto de Minas como da Prefeitura de Belmonte, movimentos culturais, apoiadores.
O Governo do Estado de Minas, de triste lembrança, inviabilizava o Festivale, retendo
a verba destinada pelo Estado para sua realização anual.
Havia
até questionamentos do por que o Festivale numa cidade em outro Estado... isso porque
já incorporamos a ideia da divisão geográfica estabelecida.
E a gente se perguntava:
-Mas, por aqui, na cabeça, nas histórias do Povo,
Belmonte era sempre nossa referência. Porque será que é separada do Vale?
-Lembramos
da luta contra a destruição da Cachoeira do Salto, presente em nossas historias,
nas historias de quilombos, de trocas entre povos indígenas, de idas e vindas
deles de La pra cá... pucha! Era outra a geografia.
-Pois é, dizíamos, mas hoje a gente nem vai
em Belmonte ver o mar. À gente vai é em Porto Seguro... Ninguém mais por aqui fala em Belmonte...só os antigos...
-O que será que aconteceu?Como é lá?
No
bojo desta discussão havia também informação sobre a presença de aldeias
Tupinambá em Belmonte. Começamos a pensar na possibilidade de conhecê-los,de criar laços e de solidarizar
com a luta deles,cujas aldeias estavam na beira do Jequitinhonha.
A
FECAJE convidou os indígenas daqui para participarem do Festivale. Fizemos uma
proposta de levar a exposição que temos da Historia Indígena do Vale. Fotos,cartazes
etc etc.E num belo dia fomos para
Itaobim,eu e Wakirê,da Aldeia Cinta Vermelha Jundiba,uma jovem
indígena,participante do Levante da juventude em Araçuaí e estudante no IFNMG. Dormimos
em Itaobim e dia seguinte pegamos carona no carro da equipe da Fecaje (Lia, Juvenal,),
mas foram outros em outro carro com o Presidente da Fecaje. O objetivo era participar de uma reunião com a Secretaria de
Cultura de Belmonte.Esta reunião se realizou na casa do Secretario de Cultura e
com muita garra foi decidido que com verba do Estado ou não o FESTIVALE
aconteceria!
Wakirê
e eu tínhamos decidido permanecer em Belmonte, ver questão de alojamento para
os indígenas, pesquisar um pouco sobre a historia local e visitar a aldeia Tupinambá.
Tínhamos feito vários contatos.
Josino Medina nos indicou para procurar o
Professor Alberto e assim ele nos contou um pouco da historia de Belmonte e região,
nos indicou a Biblioteca Municipal para pesquisar, e nos levou a uma pousada onde
iríamos ficar viajando dia seguinte para Eunápolis. De lá iríamos de ônibus até
o povoado de Boca do Córrego onde os indígenas iriam nos esperar.
Fizemos todas estas atividades.
O
professor Alberto nos levou ate a foz do Jequitinhonha. e molhamos nossa cabeça e os pés nas águas sagradas do RIO GRANDE DE BELMONTE,tão falado
pelos canoeiros e agora tão assoreado e violentado pela Hidrelétrica da
Cachoeira do ex salto Grande e pela produção de uma fábrica de celulose.
Na
Biblioteca lemos o livro de um poeta de Belmonte Solsígenes Costa (Iararuna), importantíssimo
para conhecermos a história local e regional, entre outros. Escravidão,comercio,navios,indígenas,escravos,cacau
e agora o eucalipto....tanta historia!fechando o nosso roteiro.
Na verdade estávamos no mundo... descobrindo
pistas para entender e fazer ligações sobre um
Vale dividido em partes.
Levávamos um resumo de entrevistas e fotos
que fiz numa visita a esta região juntamente com Ivan Pankararu e com a equipe
do Cimi leste quando estava se intensificando a luta do MST e dos indígenas que
tinham seus territórios invadidos.
.Eu tinha na cabeça alguns nomes tanto de
indígenas como dos invasores de suas terras e sabia que a luta ali era muito
violenta.
Mas , nestes desencontros todos, soubemos que
a equipe do Cimi tinha sede em Itabuna... e ai ,fomos para a casa do filho do Prof.
Alberto,em Eunápolis.Dia seguinte...ônibus para Boca do Córrego.Kirê ia fazendo
o controle no Google maps...A gente ia se localizando neste mundo.Será que
estamos indo pro céu?O ônibus sobe,sobe,sobe morro, estrada, buracos... ate que
a noitinha chegamos em Boca do Córrego onde
indígenas Tupinambá nos esperavam.Foram dias surpreendente,cheios de
alegria,de conversas.De descobertas.Vimos o Rio Grande de Belmonte,realmente
grandioso,uma lagoa de 3 kilômetros onde andamos de barco,vimos uma,nunca
vista-plantação de cacau-e o trabalho árduo dos e das Tupinamba,para cultivar e
comercializar sob o cerco dos que os oprime.Contaram que uma das safras
foi tomada deles com a explicação de que
eles a tinham roubado porque?Porque a terra não era deles, Mas a luta continuava.
Vimos também o couro de uma Sucuri de 6 metros...alem de ouvir historias da
presença delas na área da
lagoa.Visitamos o sitio arqueológico onde foram encontradas urnas funerárias
dos antepassados Tupinambá.
A
rede elétrica estava paralisada. A Cacique ameaçada de morte,escoltada por
policiais para sair da área.Vimos a pequena escola e os escombros da casa de
Cultura que havia sido incendiada por estranhos...E no meio disso tudo a
alegria de Sêo Carlos,suas risadas ,suas histórias e seu jeito de zombar da
situação,dizia:
-Ela (Cacica Cátia) sai de carro, cheio de policia...
Agora eu vou junto!Não deixo ir só. Eu vou confiar em quem no meio desta
guerra?
E ria, com aquele jeitão de pessoa que brinca,
mas não tá de brincadeira...
E quando entregamos as entrevistas, a ficha
caiu e vieram abraços, mais risadas e perguntas:
-Então era você a mulher que o povo falava
quando começamos a luta?
Falamos da ideia de um encontro dos Tupinambá
com os indígenas Pankararu e Pataxó de Araçuaí e Cel. Murta, em Belmonte;
falamos do Festivale. Grande preocupação em saírem da área devido ao conflito.
E
assim retornamos para Araçuaí onde socializamos a nossa fantástica viagem. De
hora em diante Kirê pode dizer que conhece um povo que mora na mata Atlântica,cultiva
cacau ,convive com sucuris e...na beira do Jequitinhonha!
Só o Festivale mesmo pra gente ver mais este
milagre!
INDO
PARA BELMONTE!
Fomos
das aldeias daqui 17 pessoas. Pankararu,Pataxó,eu e o motorista.Duas indígenas
foram no ônibus dos artesãos.Os/as indígenas levavam muito artesanato.Eu dormia
e acordava com os Pankararu cantando Tore....mas chegamos lá.
A
cidade calma, o barulhinho das ondas, o vai e em das pessoas pra ver (e pra muitos
conhecer) o MAR, ver a foz do Jequitinhonha... relembrar histórias ouvidas.
As oficinas começaram.
E de repente um outro Jequitinhonha aparece.
Nas
rodas de conversa sobre Políticas Públicas são relatados vários problemas
vivido ali pelos Povos de Terreiro. Este,de fato não é um grupo muito presente
nas discussões do Festivale. A Cultura afro sim. Afinal já existe a COQUIVALE e
mais de 100 Quilombos com certificação da Fundação Palmares,com
organizações,discussões políticas,assessorias qualificadas...
Mas Terreiros e que se autodenominam POVOS DE
TERREIRO?Posso estar enganada, mas esta face do Vale não era alvo das rodas
conversas...
Nos
grupos se falou da discriminação que as Religiões sofrem. Por exemplo:-precisam
comprar panos brancos para confeccionarem as roupas que vestem nas cerimônias religiosas...
mas tem que ir fora comprar pois aqui não vendem.
-Também para fazerem as roupas, tem que ter
costureira de fora.
-precisam comprar alguns produtos para as cerimônias.
Idem.
-apesar da grande frequência há intolerância
religiosa como se fossem pessoas preparadas para fazer o mal.
MAS
ALÈM DESTE DETALHE, A SURPRÊSA FOI AINDA MAIOR QUANDO SOUBEMOS QUE BELMONTE TEM
10 TERREIROS, EM PLENA ATIVIDADE.
Refletimos
sobre a importância desta população de Terreiro num município de 20.000
habitantes atualmente.
Concluímos
que esta resistência histórica é a força que mantem este povo vivo e com sua
fé. A intolerância religiosa que se acentua no Brasil inteiro é uma doença que
quer destruir a Diversidade de Povos e línguas que fazem a beleza do país. Vimos
que era urgente os movimentos começarem se falar sobre mais este grupo diverso
no Vale e que na região mineira são invisibilizados de todas formas. Vimos a
importante presença de mulheres nos Terreiros, mas não as encontramos no Fórum
das Mulheres do Vale e tudo vinha à tona.
Numa
das noites, houve uma apresentação de danças afro do Grupo ERÊ de Belo
Horizonte. Foram horas de silêncio, de palmas, de aplausos a cada novo cenário.
Ninguém queria sair do salão. Dava pra perguntar de novo:
“QUE PAIS È ESTE?”
Com certeza não era o Brasil dos livros de
história...
Durante
o Festivale, uma delegação de indígenas e juntos realizamos uma visita solidária
ao Terreiro do Taata Jurai, ILÊ AXÉ OSI MUTAKULALEGIN, bem na foz do Jequitinhonha,
onde fomos muito bem acolhidos. Ouvimos a historia do Terreiro e conhecemos seu
ambiente e as plantas de cura,muitas delas conhecidas do Povo Pankararu.
CONFRATERNIZAÇÃO
À
noite já víamos pessoal dos Terreiros mais a vontade e assim saímos com o ERÊ e
outros para uma confraternização. A reação veio logo depois. O dono do
estabelecimento expulsava aos gritos o pessoal. Pavor. Eram feiticeiros, iam
atrapalhar o movimento. Ia chamar a policia.... Ninguém esperava .Pessoal tentou
conversar mas na impossibilidade, se afastou e foi pra outro local.
MAS PODIA FICAR ASSIM?NO MEIO DE UM FESTIVALE
QUE CELEBRAVA O VALE A VIDA, O VERSO E A VIOLA?E NESTE MOMENTO HISTÒRICO EM QUE
AS RELIGIÔES AFRO ESTÃO SENDO ATACADAS, TEMPLOS APPEDREJADOS E QUEIMADOS, Mães
e Pais de Santo criminalizados?...
O
DIA SEGUINTE
Belmonte
nunca tinha vivido um momento tão bonito. Realizamos a Marcha contra o Racismo
e a Intolerância Religiosa. Saindo dos Terreiros,dos alojamentos ,das pousadas
e concentrados frente a secretaria da Fecaje começaram as manifestações.Víamos
lindas mulheres negras e homens com suas
roupas rituais de Terreiro,indígenas com suas vestes típicas,com seus
adornos,maracás ,jovens,professores,apoiadores,artesãos,grupos de teatro,de
percussão,de capoeira,artesãos,artesãs de todo o Vale assistiram o primeiro
canto e dança ritual do Povo Pankararu com suas pinturas próprias,depois o Povo
de Terreiro,falas emocionadas e dai a caminhada até a Prefeitura local indo depois
em direção a beira do Rio Jequitinhonha. Num das paradas mais depoimentos, mas
denúncias do racismo e a fala solidária do Secretario de Cultura, assim como do
Prefeito:
-Este incidente de ontem não representa o
pensamento da Administração Municipal e nem da população de Belmonte. Trata-se
de um posicionamento de uma pessoa apenas.
Vocês
são bem-vindos a Belmonte. Podem vir que os receberemos de braços abertos hoje
e todas as vezes que quiserem vir.Nós somos todos o Jequitinhonha!
Numa
das noites, diante de tantos acontecimentos, indígenas e MAB e não indígenas nos
reunimos e fizemos a CARTA DO FESTIVALE, onde falamos desta necessidade de
passarmos a ver o vale como TERRITORIO DE VIDA, TERRITORIO ÚNICO DO SERRO Á
BELMONTE!
Para surpresa o 37º Festivale seria realizado
no SERRO, bem na nascente do RIO. Entregamos
a Carta á SECRETARIA da FECAJE.
A
CAMINHADA CONTINUA...
No
encerramento do Festivale nos concentramos de novo na praça do artesanato e
começam as apresentações de cada grupo, numa demonstração de beleza e radicalidade.
De Força espiritual. E de Vida. De ancestralidades.
Foram
entregues vários troféus do Festivale neste encerramento.
Cansaço extremo de todos, sol quente demais, mas
uma alegria sem fim depois de uma semana de muito aprendizado, de muita
partilha.
ENCERRAMENTO
COM CHAVE DE OURO:
Por
ultimo o Secretario de Cultura, Herculano convida uma Senhora que estava no
palco para RECEBER SEU TROFÈU E FAZ UM DISCURSO EMOCIONANTE:
´-Esta é D. Senhorinha. Guardiã do
Terreiro.Uma das pessoas mais importantes de Belmonte.
E de hoje em diante ao passarem por ela não a
cumprimentem como “D. Senhorinha”.
De hoje em diante ela será para nós MESTRA
SENHORINHA!
FORAM MUITOS APLAUSOS PARA AQUELA Senhora pequenina,
de saia rodada, colorida, cabelo preso, até então, em silêncio.
Ela recebe e pede o microfone e muitos
retornam, pois achavam que tudo estava encerrado.
Ela canta.
Com uma foz incrivelmente forte.
Que paralisou todos presentes.
Parece-me que ela cantou em IORUBÀ, uma
língua africana.
Não sei a tradução do seu canto, mas carregamos
conosco a sua voz, o seu gesto, a sua simplicidade e presença marcante... Foi
tão impactante este final que esqueci de gravar... Queria levar aquela voz para
as Mulheres do Vale quando do nosso próximo Fórum!
O FESTIVALE CONTINUANDO...
A
CARTA DO FESTIVALE começou a ser divulgada.
Logo depois tivemos importante reunião do Fórum
das Entidades e Movimentos Sociais do Vale. Noutro Encontro tivemos a
assessoria do Prof. Juarez da UFMG.
Uma
das propostas neste Encontro do Fórum foi a de Construirmos um Mapa da Vida, uma
Cartografia da Vida. Ou seja, começarmos a mapear e visualizar as lutas no
Vale, nossas vitórias, nossos eventos e buscar unificar nossas lutas. Para
tanto, recebemos vários textos para começarmos a discutir esta questão de Território,
como subsídio para pensarmos esta cartografia, ter assessoria para tanto etc.
ALGUMAS AÇÕES PARA O FUTURO
Neste
retorno, comecei a procurar contatos com Povos de Terreiro do Vale e pensávamos
em propor um grande encontro de representantes dos mesmos, tendo em vista
aprofundar este conhecimento, contatos e luta pelos direitos, pois os Povos de
Terreiro estão incluídos na Secretaria Nacional dos Povos e Comunidades
Tradicionais juntamente com os Povos Indígenas, Ciganos, Ribeirinhos etc etc. Nesta
busca de ampliar nossas Visões sobre os POVOS DO VALE, e para que eles próprios
se articulassem foi criado um grupo no Watsapp e estabelecemos contato com a
ACBANTU, Associação de defesa da Cultura Banto, que tem sido muito enriquecedora.
Esperamos que estas relações se aprofundem depois da pandemia.
Para
nossa surpresa são inúmeros os Terreiros no Vale e alguns bastante antigos e
conhecidos.
Em
Araçuaí, soubemos de ato de intolerância contra o Terreiro de Umbanda Caboclo
Agua Branca e juntamente com Lira e Frei Xico, para conhecimento de sua história.
È o Terreiro mais antigo de Araçuaí.
O
37º FESTIVALE NO SERRO. -NAS NASCENTES DO
JEQUITINHONHA
O
36°Festivale - 2ª Edição se realizou no SERRO, o que foi outra vitória, com a liberação,
depois de muita luta da verba do Estado. Infelizmente não pude ir com os indígenas,
embora tenha noticias que o Secretario de Cultura de Belmonte, Herculano, compareceu.
Mas continuo achando que é importante
socializarmos estes momentos e definir a continuidade deste processo.
Que venham inúmeros outros FESTIVALE!
Araçuaí,
Primavera de 2020.
Geralda Soares