segunda-feira, 18 de maio de 2020

NARRATIVAS DO FESTIVALE - Por Ângela Freire


O Primeiro Beijo Gay da Noite Literária
Por Ângela Freire

           
Moa, autor da poesia ( Em Saudades)
         A noite literária  desde que foi acoplada ao Festivale, a partir de 1992,   aconteceu em  praça pública, clube e escola. É considerada como momento ímpar, que  inspira elegância e requinte. Além de oportunizar a participação e a expressão artística, garantindo a participação do protagonismo dos artistas do Vale do Jequitinhonha, através da literatura, com lançamento de livros e apresentações  de poesias,  com interpretações memoráveis.
            Em 2006,  na cidade de Araçuaí,  aconteceu  o 24º FESTIVALE, a noite literária  em sua 11ª edição, tinha de fazer jus a um local que traduzisse o momento, foi apontado para o Colégio Nazareth. Não apenas por ser uma instituição educacional, mas por representar a bravura de mulheres, vindas da Europa em 1926 para viverem uma experiência  educacional  e religiosa em Araçuaí. As Irmãs Penitentes Recoletinas, de Oirshot contribuíram e continuam  a trabalhar  para a formação de muitos jovens , do Vale do Jequitinhonha. 
            Fui  pessoalmente com o ofício em mãos,  conhecia bem as irmãs desta instituição. Fui muito bem recebida, ao fazer a solicitação, logo fui prontamente atendida, e, a irmã fez questão de ceder o espaço do salão nobre, sem nenhum ônus sequer com a seguinte advertência: __Estamos cedendo porque te conhecemos bem. Apoiamos a cultura , só te peço que tome cuidado com o salão , cumpra o horário delimitado  e não tenha manifestações indecentes, somos um colégio de freiras e devemos zelar pela nossa Congregação.  Imediatamente empenhei a minha  palavra  e  além de entregar-lhe o ofício, insisti para que viesse assistir aquela noite memorável!
            A comissão de decoração muito criativa entrou em ação, pega emprestado ali, outro doa um arranjo, alguém limpa, costura, prega, mede, cola e a ornamentação fez jus aquela noite com muito nobreza e bom gosto!
            Quando me adentrei no salão, logo avistei as três irmãs franciscanas, na primeira fila, cumprimentei-lhes eufórica, porque o recinto estava lotado! Caminhei em direção ao camarim para cumprimentar os poetas e intérpretes, quando reparei alguém trajando um tecido  rosa, amarrado à cintura e alguém  lhe pintando o corpo com purpurina. Curiosamente perguntei o que significava, mas a resposta veio imediata do poeta, Marcos de Oliveira Almeida ( Moa), que  sussurrando baixinho, com um sorriso estampado de ansiedade: SURPRESA AMIGA!
            A noite literária seguiu de acordo com o cerimonial, cada obra melhor do que outra, deixando os jurados tensos no julgamento. Mas a tensão pior foi a minha, quando o mestre de cerimônia chamou a última poesia intitulada  “JEQUITIAMO”.  Até ai não havia nada de estranho, a  poesia  era  uma declamação em favor do rio e sua paisagem tropical. O cenário  continha muitas folhas secas e apenas um galho afixado no interior,mas, numa interpretação, tudo é válido na versão do seu autor. No entanto, tomei conhecimento  daquilo num estalo  e tamanha minha surpresa  porque  a figura masculina  que tinha visto no camarim,  se posicionou aos fundos, na frente do galho seco. O tecido rosa ,  era  um perizônio,   entronizado  a figura de São Sebastião!
              Uma versão diz que o santo  negou-se a praticar atos sexuais com o imperador, por isso foi assassinado. Alguns historiadores contam que há fortes indícios também que Sebastião era amante do imperador Diocleciano. Outras dizem que ele arrumou um amante e foi descoberto. Hoje, ele é considerado também o santo das grandes epidemias, na idade média era o santo protetor da lepra, depois tornou-se da AIDS.  Santo padroeiro da cidade do Rio de Janeiro,mas  ali estava na cena, como um Ébano.Congelei-me neste instante  e  presumi que algo impactante aconteceria. Não deu tempo nem de imaginar, pois  o autor  não  declamava mais, ele estava a declarar-se :

“(...) Jequitiquero perto de mim pra novamente
Sentir o amor inocente tocar em seu corpo
E sentir em seus lábios o doce do mel.
Jequitiamo  por te conhecer, por ter estado
 perto de você, por andarmos juntos, cantar a mesmo
língua e sentir o mesmo amor.”

Não  conseguia acompanhar as falas,  só pude ouvir da platéia, num único  som de “oh!” e em seguida aplausos.  Pronto: O  primeiro beijo gay,  estava protagonizado na noite literária!.
Quando olhei em direção das pobres irmãs, já estavam  no final da porta, sem olhar para trás, segurando seus rosários. Sabia que, quando tivesse de entregar a chave, haveria de escutar!
            O sermão foi certeiro e durante muito tempo dei muitas voltas para não ficar perto das irmãs, que lembravam daquele beijo!

OBS. Não encontramos fotos ou videos da noite literária do 24º Festivale em Araçuaí, se alguém tiver faça contato.
           



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