quinta-feira, 27 de novembro de 2025

DIÁRIO DE LEITURA - Dica de leitura, Livro "Confidências de Mulheres In-Visíveis do Jequitinhonha",

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A dica de leitura desta semana é Confidências de Mulheres In-Visíveis do Jequitinhonha, da autora Ana Luiza de Souza, uma mulher sensível e comprometida com as histórias e lutas femininas no Vale do Jequitinhonha. O livro apresenta relatos de mulheres fortes e corajosas, marcadas por desafios, mas também por esperança, dignidade e resistência. Por meio dessas narrativas, o leitor é convidado a enxergar além das aparências, reconhecendo o valor e a potência da experiência feminina no território do Vale.

A obra reúne histórias de vida que geralmente não aparecem na história oficial. Ao registrar essas vozes, a autora denuncia desigualdades, combate a invisibilidade social e celebra a força das mulheres que sustentam a vida cotidiana com trabalho, cuidado e luta silenciosa. Assim, o livro torna-se um importante instrumento de sensibilização e respeito, devolvendo lugar e reconhecimento às mulheres que, muitas vezes, foram apagadas pelo sistema patriarcal e pelas desigualdades históricas.

Com uma escrita poética e profundamente humana, Ana Luiza humaniza cada personagem ao revelar suas dores, desafios e conquistas. Para quem atua com educação, cultura ou projetos sociais, especialmente no contexto do Vale do Jequitinhonha o livro é uma leitura fundamental para refletir sobre memória, identidade, justiça social e políticas públicas. Ana Luiza de Souza nasceu em Guaxupé (MG), em 16 de janeiro de 1962, e faleceu em 17 de outubro de 2020, aos 58 anos. Assistente social, atuou em diversas cidades, como Monte Santo, Poços de Caldas e Guaxupé. Teve importante participação política no Vale do Jequitinhonha e chegou a ser candidata a prefeita na região. Foi reconhecida pelo compromisso social, dedicação às causas populares e profunda empatia com as comunidades onde trabalhou. Sua trajetória é marcada por coragem, luta e sensibilidade humana.

Referência do livro

SOUZA, Ana Luiza. Confidências de mulheres in-visíveis do Jequitinhonha. Guaxupé, MG: Salto Alto, 2009/2011.


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quarta-feira, 26 de novembro de 2025

OPINIÃO DO BLOG - Preservação da Democracia e do Estado de Direito

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Um golpe de Estado é, por definição, um ato de violência contra a Constituição e a soberania popular. Ele ignora os mecanismos legítimos de transferência de poder, como eleições, e subverte a ordem jurídica.

A punição serve como uma solene reafirmação de que a Constituição é a lei suprema e que sua violação por meios não democráticos terá consequências severas. Ao responsabilizar os golpistas, a sociedade e o sistema de justiça defendem o direito do povo de escolher seus líderes e repudiam a imposição de poder pela força ou fraude.

A aplicação rigorosa da lei contra os envolvidos em uma tentativa ou concretização de golpe tem um efeito que se estende muito além do caso individual. A perspectiva de penas severas que podem incluir longas prisões, perda de direitos políticos e multas, atua como um poderoso desestímulo para outros indivíduos ou grupos que possam considerar ações semelhantes no futuro. É um aviso claro de que a traição à pátria e à ordem democrática não será tolerada.

A punição ensina à sociedade que a mudança política deve ocorrer dentro dos limites da lei. Ela reforça o valor dos processos democráticos e do respeito às instituições, educando as futuras gerações sobre a gravidade desses crimes.

Um golpe de Estado causa um dano incomensurável à sociedade, abalando a confiança nas instituições, gerando instabilidade econômica e, frequentemente, resultando em violência e violações de direitos humanos.

A punição é um passo crucial para o restabelecimento da normalidade e da confiança nas Forças Armadas e na Polícia, garantindo que sejam servidores do Estado e não instrumentos de facções políticas.

Em muitos casos, golpes são acompanhados por repressão e violência. O processo judicial e a condenação são essenciais para oferecer justiça e reparação às vítimas e a seus familiares, sendo um componente vital da transição para a democracia plena.

Concluo que a defesa de nossa democracia, perpassa pela punição para quem pratica golpe de Estado não é um ato de vingança, mas justiça e uma necessidade estratégica para proteger a democracia de futuras ameaças, garantindo que o poder emana do povo e é exercido em seu nome, conforme a lei.

Viva nossa Democracia!

Aos  434 mortos, desaparecidos e aos seus familiares durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985 ( Comissão Nacional da Verdade).

 

Jô Pinto

Professor, Historiador e Mestre e Ciências Humanas.

terça-feira, 25 de novembro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - Pobres-ricos Maxacalis

Gerada por IA


Nos últimos dias tornou-se comum a quem passar em frente da Catedral de São João Batista, em Almenara, observar um fato que não deixa de tocar a sensibilidade humana de quem tem um pouquinho de amor ao próximo.

Ali, onde vão as pessoas católicas, ponto estratégico da cidade, por onde todos passam, os índios maxacalis, foco de atenções, estudos e debates podem ser vistos sem qualquer disfarce, no estado de abandono e absoluta miséria em que se encontram

Desprotegidos, ao Deus dará, sujos, transfigurados, mal vestidos, escolhem exatamente aquele local para exporem as mazelas com que a chamada "civilização branca" os "premiou" para roubar-lhes a paz e os meios de sobrevivência, corrompendo-os e levando-os a um continuo processo de decadência.

Ali, eles podem ser vistos exatamente como vivem atualmente, não buscando as suas raízes, como pensam alguns, mas como nômades, explorando a caridade pública para saciarem os vícios adquiridos fora de suas aldeias.

Amontoados como animais irracionais, homens, crianças e mulheres parecem desligar-se do mundo, entorpecidos pelo álcool, alheios ao que se passa em torno deles. Vendo-os mais de perto é que se pode aquilatar bem a extensão da desgraça que os tem reduzido a trapos humanos, inválidos e ignorados por uma sociedade de consumo, egoísta, ambiciosa e mesquinha, muito mais preocupada com suas sandices do dia-a-dia.

Nenhuma mão humana os toca, procura amenizar lhes as agruras e a solidão, guiando-os a um lugar seguro, onde possam passar pelo menos uma noite, sem os perigos a que estão sujeitos.

O espírito de solidariedade e de companheirismo os mantém unidos, mesmo em condições tão adversas, em ambiente que não condiz com seus hábitos de extrema liberdade de ação.

Naturalmente buscam a proximidade de uma casa de orações para se sentirem mais seguros e protegidos. Logicamente esperando que a generosidade de alguém os beneficie com palavras amigas, com o pão que mata a fome, com a água que mitiga a sede, com um abrigo que os acolha, com o conforto espiritual de que tanto necessitam.

Entretanto a noite avança, faz-se o silêncio, as luzes da igreja se apagam, as vozes se calam, as portas se fecham e a bondade esperada não surge. Os maxacalis estão sós. Muito sós...

Pobres-ricos maxacalis, donos de um oceano verde de colonião, que de nada lhes serve, que valem tanto para o folclore e a cultura, mas que, como pessoas humanas, pouco significam.

 

Sebastião Lobo

 

Publicado no Jornal VIGIA DO VALE - n° 818 - 8 de junho de 2001.

Extraído do livro “ Na Boca do Lobo” Crônicas publicadas no Jornal Vigia do Vale/2003


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segunda-feira, 24 de novembro de 2025

MEMÓRIA CULTURAL - Marocas e a geração perdida

Conheci uma senhora chamada Marocas, dona de vastas terras e de muitos animais, sobretudo burros e mulas. Sua predileção por eles vinha da utilidade: eram os que suportavam as cargas mais pesadas em seus lombos. Para fazê-los andar mais rápido, recorria ao chicote. Ainda assim, apesar da crueldade, esses animais permaneciam dóceis, inteligentes, sociáveis e incrivelmente resilientes.

A história dos burros e mulas é também a história da humanidade. Há milhares de anos caminham ao nosso lado, numa parceria silenciosa que ajudou a construir o mundo. Em diferentes regiões do planeta, foram motores de comunidades: araram a terra para o alimento, buscaram água em lugares áridos, transportaram pessoas e bens essenciais por caminhos inóspitos e até marcharam em cenários de guerra.

Sua resiliência é incontestável. Mesmo maltratados, suportavam o peso da exploração e seguiam em frente. Mas o preço era alto: a vida que lhes era imposta era injusta e cruel. Muitos não tinham sequer um espaço digno para descansar após longos dias de trabalho. Eram largados em terrenos baldios, sem abrigo, alimentando-se de mato ralo e sem acesso à água. Não possuíam casa, muito menos um lar. E, quando já não serviam, eram simplesmente abandonados.

Dona Marocas secou como a terra sem chuva, presa ao peso de suas posses e ao vazio de sua própria crueldade. Partiu como pó levado pelo vento, esquecida até pela memória das pedras. Já os burros e mulas, antes chicoteados e abandonados, encontraram no rio sua redenção e orientação para caminhada. Beberam da água fresca, seguiram o curso da correnteza e tornaram-se símbolos de vida e prosperidade. Como o rio que nunca se detém, eles mostraram que a verdadeira grandeza não está em quem oprime, mas em quem resiste e flui.

Marocas se dissolveu no silêncio, mas os animais permaneceram como águas vivas, lembrando que nenhum chicote é mais forte que o rio que insiste em correr.

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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

DIÁRIO DE LEITURA - Dica de leitura na Semana da Consciência Negra - O Pacto da Branquitude - Cida Bento


 

O livro O pacto da branquitude, escrito por Cida Bento e lançado em 2022, é uma leitura rápida e muito importante para entendermos como o racismo funciona no Brasil. A autora explica de forma clara como as pessoas brancas, ao longo da história, se beneficiaram do período da escravidão e continuam até hoje ocupando a maioria dos lugares de poder, muitas vezes fazendo silêncio sobre isso.

Logo no começo do livro, a autora conta uma história pessoal de quando seu filho sofreu um ataque racista na escola. A partir desse episódio, ela conversa com ele sobre como os descendentes de escravizados têm motivos para sentir orgulho de sua luta e força, enquanto quem deveria sentir vergonha são aqueles que construíram riqueza e poder explorando pessoas negras. Esse episódio nos ajuda a entender o foco central do livro.

Cida Bento mostra que existe o que ela chama de “pacto da branquitude”, uma espécie de acordo silencioso entre pessoas brancas para manter os privilégios que possuem. Não é um pacto falado ou escrito, mas aparece quando pessoas brancas evitam falar sobre racismo, fingem que todos têm as mesmas oportunidades e defendem a meritocracia como se ela fosse real para todos.

Um dos exemplos apresentados pela autora é o mercado de trabalho. Ela mostra como, nas empresas, nas universidades e em cargos públicos, as pessoas brancas acabam ocupando quase todos os espaços importantes. Por isso, ela afirma de maneira irônica que existe uma “cota de 100% para brancos” nos lugares de poder. Essa ideia vira o discurso ao contrário e questiona quem realmente sempre foi beneficiado por cotas invisíveis.

Ao longo do livro, a autora reforça que o racismo não é um problema das pessoas negras, mas um problema da sociedade como um todo, especialmente das pessoas brancas, que precisam reconhecer seus privilégios e se comprometer com a mudança.

O livro termina com uma mensagem de esperança: só quando nomearmos o problema e falarmos abertamente sobre ele é que poderemos construir um país mais justo. Como diz a autora, a branquitude não pode mais dizer que não sabe.

Ler O pacto da branquitude é uma oportunidade importante para compreender como o racismo funciona de maneira silenciosa e estrutural na sociedade brasileira. Trata-se de um livro curto, direto e muito esclarecedor, ideal para quem está começando a estudar o tema ou deseja aprofundar sua compreensão sobre as desigualdades raciais. A obra ajuda a perceber como privilégios e oportunidades são distribuídos de forma desigual e como discursos como o da meritocracia muitas vezes servem para esconder essa realidade. É uma leitura muito indicada para escolas, rodas de conversa, projetos educativos e para todos que acreditam na construção de um país com mais equidade. Durante a Semana da Consciência Negra, torna-se ainda mais urgente refletir sobre essas questões e assumir o compromisso ético de enfrentamento ao racismo.

 

Referência

BENTO, Cida. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

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terça-feira, 18 de novembro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - O Vale não é perdido, é resistência: A cegueira do capital na COP30

Foto: IEPHA

Na imponente passarela global da COP30, onde o discurso verde deveria ecoar com a força da mudança, o que se ouviu de uma voz influente foi o velho e rançoso coro da desumanização. As declarações pejorativas da CEO da Sigma Lithium,,  classificado o povo do Vale do Jequitinhonha como "geração perdida" e "mulas de 'água", não são apenas um erro de cálculo; são um atestado de cegueira moral e histórica que o capital, travestido de sustentável, insiste em ostentar.

A escolha das palavras revela mais do que a intenção; revela a cosmovisão. Chamar uma população inteira, forjada na luta diária e na secura do semiárido, de "geração perdida" é varrer para debaixo do tapete séculos de história, de arte, de sabedoria ancestral. É ignorar a beleza natural que brota do barro transformado em cerâmica pelas mãos das mulheres e homens artesãos, cuja arte se tornou símbolo de Minas Gerais e do Brasil. É desqualificar a poesia que nasce da viola, a fé que move os mutirões e a organização social que mantém a vida digna onde o Estado há muito falhou.

E a alcunha "mulas de água"? É a tradução crua e cruel do que a lógica extrativista realmente pensa de quem vive no território: mão de obra descartável ou, pior, meros instrumentos para carregar nossos recursos. O lítio, vendido como a esperança "verde" para o mundo, tem custado a água e a paz de nosso povo e de nossas comunidades no Vale, como evidenciam as denúncias de impactos ambientais e sociais. A "mula de água" é a inversão perversa do discurso onde o social é reduzido à exploração ou ao assistencialismo de cestas básicas, cisternas, caixas de água, enquanto a autonomia e o modo de vida local são pulverizados.

O Vale do Jequitinhonha não é um vale de miséria ou de passividade. É um Vale de Resistência, as peças de barro que adornam museus e casas pelo mundo são a prova viva de uma cultura que teima em florescer. São quilombos, são festejos, são a tradição oral dos trovadores do Vale, são os saberes das quitandeiras e a força dos povos originários e o modo de vida de ser do Vale..

O povo do Jequitinhonha resiste à seca, à pobreza estrutural e, agora, resiste à nova onda de mineração que, sob o manto da "transição energética", tenta impor o progresso de cima para baixo. É uma luta por território, por água e pela dignidade de escolher o próprio futuro, e não de ser obrigado a aceitar as migalhas do boom do lítio.

A base da vida na região é o coletivo. Os mutirões, as associações , os grupos de luta por terra e água; a sobrevivência no semiárido é, por natureza uma força solidária que contrasta brutalmente com a lógica individualista e predatória do grande capital.

A audácia de proferir tais injúrias num fórum dedicado ao futuro do planeta revela a fissura entre o discurso e a prática das corporações. O progresso que destrói a vida, a cultura e a autoestima de um povo; é a repetição de um ciclo de colonização.

Que as declarações de desprezo proferidas pela Senhora Ana Cabral, CEO da Sigma Lithium, em entrevista ao programa Fast Money, do canal Times Brasil, durante a COP 30. não nos desviem do ponto central: a riqueza do Vale reside na sua resiliência inacreditável, na sua gente que, mesmo marginalizada, continua a gerar arte, afeto e vida. O Vale não é "perdido"; é o caminho, nossas criança não são “ Mulas de Água” , são a esperança de um futuro melhor, e essa gente vai dá com os  “BURROS NA ÁGUA” porque nosso povo não se curvará a empresas ou aos psuedocoroneis e pseudopolíticos que ainda existem em nossa região. O Vale do Jequitinhonha não precisa ser salvo,  o Vale precisa ser respeitado.

 

Jô Pinto, nas terras do meu querido Vale do Jequi

 

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

MEMÓRIA CULTURAL - A História do Refresco: Q-SUCO


 


Q-Suco foi o nome original do refresco em pó, lançado originalmente no Brasil em 1961 como a bebida que se tornou um fenômeno por sua praticidade e economia.

A fórmula foi criada pelo casal Edwin e Kitty Perkins, da Perkins Products Company, do estado americano de Nebraska, em 1927.  Eles já produziam uma bebida pronta chamada Fruit Smack, vendida em garrafas, difíceis de transportar e que se quebravam com uma certa frequência. Por causa disso, veio a ideia de se fazer uma versão em pó, vendida em envelopinhos, que ganhou o nome de Kool-Ade, rebatizado logo depois de Kool-Aid (segundo as leis, o nome “Ade” só podiam ser usados em sucos de frutas). O produto foi lançado oficialmente em 1928 nos sabores cereja, uva, laranja, framboesa, limão e morango. A marca Kool-Aid acabou sendo registrada somente em 1934.

A novidade fez tanto sucesso que, em 1931, a empresa desistiu de todos os seus produtos para se concentrar apenas no refresco em pó. Em 1953, a Perkins foi vendida para a General Foods (hoje Kraft-Heinz).

 No começo, o suco em pó se chamava Q-Suco, mas virou Ki-Suco, no começo da década de 1970, para evitar confusão com o concorrente Q-Refresko, fabricado por ex-funcionários da Kibon.

O “Ki” ajudaria a fazer uma conexão direta com a Kibon, porque o  Ki-Suco foi lançado no Brasil em 1961 pela Kibon, que havia sido comprada pouco antes pela empresa norte-americana General Foods.

A marca ficou tão famosa que Ki-Suco acabou virando referência quando alguém queria se referir a refresco em pó. Tang é para quem tem um pouco mais de dinheiro e refrigerante só em ocasiões especiais.

Em 2021, o produto foi relançado, com duas grandes diferenças para a versão dos anos 80. Desta vez, o pacotinho faz um litro, mas continua vindo adoçado. A outra são os sabores disponíveis neste relançamento: abacaxi, groselha, mix de frutas, manga, maracujá e os tradicionais limão, laranja, uva e morango.

E para matar a saudade,  propagandas dos anos 60 e  70;

https://www.youtube.com/watch?v=tK_ILl9a9mU

https://www.instagram.com/reel/DP1U0hXDb5q/


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quarta-feira, 12 de novembro de 2025

OPINIÃO DO BLOG - Coronéis em pele de políticos


 

O coronelismo foi uma forma de dominação política típica do Brasil rural entre os séculos XIX e XX, especialmente durante a Primeira República (1889–1930). No Vale do Jequitinhonha, uma das regiões como muitas diversidades  e isolada de Minas Gerais, essa prática se consolidou com força devido à baixa presença do Estado, à economia agrária e à dependência das populações locais dos grandes proprietários de terra , os chamados “coronéis”.

O termo “coronelismo” refere-se ao poder exercido por líderes locais, os “coronéis” que controlavam o voto das populações urbanas e rurais por meio do chamado “voto de cabresto”. Esses líderes eram, em geral, grandes proprietários de terra que exerciam funções políticas, econômicas e até judiciais, substituindo o Estado em regiões onde este era ausente e tinha como características principais: Controle do voto e da vida comunitária, Troca de favores por lealdade política, Uso da violência simbólica e física, Domínio sobre instituições locais (igreja, polícia, cartório)

E assim os coronéis eram líderes políticos e econômicos que controlavam vastas extensões de terra e influenciavam diretamente a vida dos moradores, decidindo desde questões judiciais até quem teria acesso a serviços básicos. A população, muitas vezes analfabeta e dependente, votava conforme a orientação do coronel, que usava sua autoridade para garantir apoio político, bem como assistencialismo como moeda política, favores como consultas médicas, empregos, alimentos e transporte eram oferecidos em troca de fidelidade eleitoral.

Com o avanço da urbanização e da democracia formal, o coronelismo não desapareceu, ele se transformou. No Vale do Jequitinhonha e em outras regiões do Brasil, práticas coronelistas evoluíram para formas modernas de controle político:

Clientelismo institucionalizado, programas sociais, como distribuição de bolsas de estudo ou acesso a serviços públicos, são usados por políticos locais como instrumentos de fidelização, em vez de políticas universais de desenvolvimento, controle da mídia e da economia local: Muitos políticos ainda dominam rádios, jornais e empresas da região, mantendo influência sobre a opinião pública e o cotidiano das pessoas. Nepotismo e mandonismo, a política continua marcada por famílias tradicionais que se perpetuam no poder, indicando parentes para cargos públicos e mantendo redes de influência.

Essa transição mostra que, embora o coronelismo clássico tenha perdido força com o tempo, seus mecanismos de dominação se adaptaram às novas formas de fazer política. No Vale do Jequitinhonha, onde o acesso à educação, infraestrutura e oportunidades ainda é limitado, essas práticas continuam a moldar a dinâmica eleitoral e a dificultar a renovação política, ou seja os coronéis continuam por aí sobre peles de cordeiros chamados de “ Políticos “.

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terça-feira, 11 de novembro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - O Crime da Macieira

Imagem criada por IA

 

Como se viu, seu Custódio era versado em leis e, visto que a cidade nem sempre contava com advogados, funcionava como rábula, em suas horas vagas. Nessas ocasiões, o dr. Rufino, nosso meritíssimo e o Promotor, dr. Lacerda se viam embaraçados. Dr. Rufino já havia transposto a barreira dos sessenta. Estava cansado, de aspecto doentio. De baixa estatura, meio gordo e careca, arrastando-se com dificuldade.

Viúvo, deu de contrair novas núpcias e isso veio contribuir para o agravamento de suas condições. Dona Hortênsia era bem mais jovem e o Juiz não poderia mesmo dar conta do recado. E, como sempre acontece, a mulher precisava de ser satisfeita, de um modo ou de outro. E o velho foi colecionando chifres, segundo se dizia. Como magistrado, era homem íntegro e para aquele fim de mundo, um luminar da ciência do Direito.

Já o dr. Promotor apresentava como melhor credencial as maravilhas de dona Vanda. Garota da capital, moderna e sirigaita, destoava das jovens de sua idade. Vestia-se com ousadia, cruzava as pernas descobrindo as calcinhas e, pior do que tudo, banhava-se no rio em companhia do marido, a quem não regateava carinhos, à vista de todos. "Pouca vergonha danada", murmuravam as más línguas. Parece que o diabo da mulher está sempre pedindo mais! Suspeitava-se. Falava-se à boca pequena. Mas não havia provas. Chegava-se a admitir que na cidade não tinha ainda mijado fora do penico.

Era o que se dizia. Mas na capital, não se tinham dúvidas: "entrava na vara. Ora, se entrava". Era lá que ia esfriar o rabo. Se o dr. Lacerda nutria alguma suspeita, não deixava que transparecesse. E a vida ia correndo. Do Juiz, não se duvidava. Dona Hortênsia se deitava em qualquer pedaço de jornal. E dona Vanda..... Ah! Quem me dera!.

Foi quando Mané Gaudêncio provocou a dupla tragédia. Tratava de sua roça na Macieira e raramente vinha à cidade O dia quase inteiro no mato e dona Sinhana, em casa. Mané Gaudêncio chegou, aí pelas quatro, e ainda de machado na mão, abriu a porta do quarto. De pronto, раrece não ter acreditado no que viu. Firmou as vistas. Não era ilusão. Bidinho e dona Sinhana, nus como nasceram, rolavam na cama. Não pensou duas vezes. De um golpe, decepou a cabeça do macho. Dona Sinhana uivou de pavor, implorando:

- Pelo amor de Deus, Mané!...

O marido puxou-a e arreganhou-lhe as pernas:

- É pau que ocê qué, num é? Então, toma!

               O cabo do machado enterrou-se em seu corpo, do útero à garganta, estraçalhando-a.

Mané Gaudêncio entregou-se à polícia. A família do morto reuniu os cobres e mandou vir o dr. Expedito para auxiliar a acusação. Seu Custódio concordou com a defesa.

No dia do julgamento, a Coletoria não funcionou e seu titular, desde as nove da manhã, palestrava com Antônio de Aristides, lubrificando sua garganta para os debates.

O dr. Lacerda tomou a palavra. Estávamos diante de um dos mais bárbaros crimes de que se tinha notícia. Gaudêncio não era um homem. Era uma feral. Um animal irracional! Nossa civilização não poderia aceitar que tal facínora escapasse à condenação! Teríamos que escolher entre sermos considerados bárbaros ou civilizados! A pena máxima era muito pouco para Manoel Gaudêncio! Seu auxiliar seguiu a mesma linha e descreveu o crime brutal com riqueza de detalhes.

O dr. Rufino passou a palavra à defesa. Seu Custódio limpou os óculos.

- Senhor Juiz, senhores jurados! Afirma-se, de um modo genérico, que todo advogado é mentiroso. Nesse caso, porém, os acusadores disseram a verdade. Foi exatamente como eles afirmaram que Manoel Gaudencio cometeu o duplo assassinato. E ainda mais, que não tinha sido aquela a primeira vez que Bidinho e dona Sinhana tinham se encontrado. Isso pode não ser verdade, mas muito pouco importa. Meritíssimo Senhor Juiz, dr. Promotor de Justiça, senhor auxiliar da acusação. Existe um ditado que reza ser o homem traído é o primeiro que sente e o último que sabe. Muitos dos que aqui estão presentes não o ignoram. Ninguém tem pena do corno. Todos o achincalham. Por isso, aqueles que sabem, fingem que ignoram. Para eles, é bem mais cômodo. Para os que não nasceram para a chacota, a descoberta da traição conjugal sempre termina em tragédia. Também aqui há muitos que sabem disso. Mas a acusação vem de nos colocar entre a civilização e a barbárie, em dependência da decisão dos senhores jurados.

O dr. Juiz e os advogados da acusação são homens civilizados. Também o são os ingleses. E na Inglaterra, ninguém estranha quando a esposa abandona o lar e a ele retorna à primeira rusga com o amante. O marido a recebe de braços abertos, até que ela parta novamente. Mas os ingleses são altamente civilizados. Talvez por isso, os soldados da guarda real, símbolos do império, usem o imponente boné de pele de urso, alto e marcial, à feição de casa de cupim. Também no Brasil, nos grandes centros, no âmbito da alta sociedade, os homens são civilizados. E todos se entendem. Mas vejam agora. Chega o homem cansado do trabalho. Procura a esposa. Contemplem, senhores jurados a horrível cena! Sobre a cama, a esposa nua, cavalgada por um amante igualmente nu! Qual teria sido a reação de um homem normal? Qual teria sido a reação dos senhores, senhores jurados? O homem civilizado, nas palavras do dr. Promotor, retirar-se-ia, pé ante pé, para não ser visto e aguardaria a partida do amante de sua mulher. E haveria de fingir ignorar sua vergonha pelo resto de seus dias. Mas outros o saberiam! O homem comum, ao contrário, diante de tal cena, se rebelaria e lavaria sua honra com sangue! Mais tarde, seria acoimado de bárbaro e de fera! Mas não viveria em desonra pelo resto de seus dias. Seu Custódio limpou a garganta. A sorte de Manoel Gaudêncio está em suas mãos. Dentro em pouco, os senhores apresentarão seus votos. Ficaremos sabendo quantos dos senhores são homens civilizados. Conheço-os a todos, um por um. Mas existem segredos que todos nós desconhecemos e que poderão se revelar agora!

Manoel Gaudêncio foi absolvido por unanimidade!


Texto extraído do livro " O estranho mundo do Dr. Boaventura, crônicas do Jequitinhonha" de Otto Paulino


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segunda-feira, 10 de novembro de 2025

MEMÓRIA CULTURAL - Envelhecimento e Patrimônio Cultural

Fotos - Internet

Este ano, a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trouxe como tema “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”. A escolha dialoga diretamente com a valorização do patrimônio cultural, especialmente em estados como Minas Gerais. Os idosos são guardiões de saberes tradicionais, práticas religiosas, culinária típica e expressões artísticas que compõem o patrimônio imaterial do país. Essa relação se torna ainda mais evidente pela forte presença de tradições mantidas por pessoas idosas, verdadeiros pilares da cultura local.

Minas Gerais é um dos estados com maior número de bens tombados e manifestações culturais reconhecidas. No Vale do Jequitinhonha, por exemplo, essa presença é marcante nas festas populares, no artesanato e na oralidade que preserva a memória das cidades históricas. Ao registrar quase dois mil inscritos com mais de 60 anos no Enem 2025, o estado revela um fenômeno que envolve memória, identidade e continuidade, reafirmando o papel ativo da terceira idade na educação e na transmissão cultural. Muitos desses idosos vivem em comunidades quilombolas e rurais, onde mantêm modos de vida ancestrais, como a agricultura familiar, o uso de plantas medicinais e os rituais religiosos afro-brasileiros.

O envelhecimento, portanto, não é apenas uma questão demográfica, mas carrega dimensões culturais profundas. Os idosos são guardiões de memórias, histórias, práticas e saberes que constituem o patrimônio imaterial brasileiro, como o congado, a folia de reis, o artesanato em barro, fibras, couro e bordado, além das receitas típicas da culinária mineira. O patrimônio cultural também se constrói pela oralidade e pela memória coletiva, e os idosos são protagonistas na manutenção da identidade cultural local, contando histórias, ensinando ofícios e mantendo vivas as raízes de suas comunidades.

Assim, a discussão proposta pelo Enem 2025 caiu no gosto e na boca do povo, extrapolando as esferas políticas e sociais, ao chamar atenção para a valorização do envelhecimento ativo e para a inserção dos idosos nos espaços de formação e cidadania. Idoso(a) não é peça de museu cheirando à naftalina, é cidadão ou cidadã que sente o gosto pela vida e saboreia noites e dias no afã do bem viver!

 

Fonte - https://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/minas-gerais-avanca-na-protecao-e-valorizacao-das-pessoas-idosas


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sexta-feira, 7 de novembro de 2025

CONHECENDO O JEQUI - A influência da colonização na formação sociocultural do Vale do Jequitinhonha.


 

A vida sociocultural do Vale do Jequitinhonha é marcada por uma rica diversidade cultural, moldada por processos históricos como a colonização, o ciclo do ouro e a produção agrícola, que deixaram profundas marcas na identidade da região

Situado no nordeste de Minas Gerais, é uma região de contrastes. Apesar de ser frequentemente associada à pobreza e à exclusão social, carrega uma impressionante riqueza cultural que se manifesta na música, na dança, na religiosidade popular e, sobretudo, no artesanato. Essa diversidade é fruto de uma complexa formação histórica que remonta ao período colonial.

Durante a colonização portuguesa, o território do Vale foi ocupado por bandeirantes e exploradores em busca de riquezas minerais. A presença de indígenas e africanos escravizados contribuiu para uma mescla étnica e cultural que ainda hoje se reflete nos costumes locais. A colonização impôs estruturas sociais excludentes, mas também promoveu o surgimento de manifestações culturais híbridas, como o congado, o batuque e as festas religiosas sincréticas.

Nos estudos que venho desenvolvendo, faço algumas analises com base nas formas e atividades que fora desenvolvida no período colonial nessa região, apesar dessa linha de divisão traçada.

O ciclo do ouro: de Diamantina até Araçuaí, que iniciou no século XVIII, o ciclo do ouro e dos diamantes teve papel central na configuração econômica e social da região. Cidades como Diamantina prosperaram com a mineração, atraindo populações e fomentando o desenvolvimento urbano. Essa riqueza, no entanto, não se espalhou de forma equitativa: Araçuaí e outras localidades do Médio Jequitinhonha foram impactadas pela migração e pela exploração, mas sem os mesmos benefícios estruturais.

A decadência da mineração no século XIX deixou um legado de desigualdade, mas também de resistência cultural. A arte barroca, a arquitetura colonial e os modos de vida herdados desse período ainda são visíveis, especialmente nas celebrações religiosas e na oralidade popular, entre esse legados vamos ter as Festas do Rosário e Irmandades do Rosários dos Homens Pretos, Marujadas, Congadas, Caboclinhos e Festas do Divino.

Por outro lado, considerando os municípios de Itinga a Salto da Divisa, mais ao sul do Vale, foram influenciados pela economia agrícola, com destaque para a produção de cana-de-açúcar e a criação de gado. Essas atividade moldaram o cotidiano das comunidades rurais, com práticas de trabalho coletivo, festas ligadas à colheita e saberes tradicionais sobre o cultivo e o beneficiamento da cana e o manejo da terra.

Essas culturas também reforçaram estruturas sociais marcadas pela concentração de terras e pela exploração da mão de obra, mas permitiu o surgimento de redes de solidariedade e resistência, visíveis nas associações comunitárias e nos movimentos culturais que valorizam a identidade, nesse sentido as manifestações nessa região são, Folias de Reis, Bois de Janeiros, Cordões de Caboclos, Grupos de Batuques e Cantos.

Não estamos afirmando que essas manifestações características dessa influencia agrícola ,não tenham também no ciclo do outro ou vice-versa.

A vida sociocultural do Vale do Jequitinhonha é resultado de um processo histórico complexo, onde a colonização, o ciclo do ouro e a produção agrícola deixaram marcas profundas. Apesar das adversidades, o povo do Vale construiu uma identidade rica, resiliente e criativa, que se expressa em suas festas, artes e modos de vida. Valorizar essa diversidade é essencial para compreender o Brasil profundo e promover políticas que respeitem e fortaleçam as culturas locais.

 

Jô Pinto

Professor, Historiador e Mestre em Ciência Humanas.

 

Referencias Biográficas

Revista Contemporâneos – Vale do Jequitinhonha: Entre a carência social e a riqueza cultural
Diagnóstico Socioeconômico do Vale do Jequitinhonha – UFMG


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quinta-feira, 6 de novembro de 2025

DIÁRIO DE LEITURA - Dica de Leitura, a poesia de Maria da Conceição


Nesta semana, nossa dica de leitura vem do Vale do Jequitinhonha: as poesias de Maria da Conceição

Natural de Santa Luzia dos Corujas e moradora de Caraí (MG), Maria da Conceição encontrou na poesia um refúgio e um recomeço. Seus textos, marcados pela simplicidade e pela emoção, nascem de vivências profundas e da fé na vida. Ler suas poesias é embarcar em uma viagem de luz, esperança e encantamento.

Maria da Conceição estudou até a quarta série, retomou os estudos recentemente e está cursando o oitavo ano pelo EJA (Educação de Jovens e Adultos). Mas foi fora da sala de aula que ela encontrou uma das maiores lições da vida: o poder transformador da poesia.

Após enfrentar uma paralisia facial, Maria descobriu que escrever era mais do que um passatempo era uma forma de fisioterapia para a alma. Desde então, não parou mais. Em cada verso, encontra leveza, esperança e inspiração para seguir. Sua escrita é espontânea, viva e profundamente humana, refletindo sentimentos, memórias e sonhos que tocam o coração de quem lê.

Como ela mesma diz: “O poeta viaja na imaginação, despertando no leitor o desejo de pegar carona, fazendo nascer novos caminhos e reacendendo a esperança.”

Aos 58 anos, Maria da Conceição continua a escrever com entusiasmo e verdade. Suas poesias são como pequenos faróis que iluminam o cotidiano e nos convidam a ver o lado bom da vida.

 Vale a pena conhecer essa voz do Vale do Jequitinhonha, que transforma dor em beleza e emoção em poesia.

 

O UNIVERSO DE UM POETA

A alma se engrandece ao ver o seu universo,
seu brilho imenso, com surpresas surpreendentes.
Ao viajar na nave espacial, descobrimos sua beleza infinita,
onde navegamos nesse paraíso de luz e cores encantadoras,
uma imensidão que fascina e ilumina.

Assim é a vida de um poeta:
precisa navegar na imaginação,
acender a chama da alma,
ilustrar as palavras para encher de luz,
despertando nas pessoas a esperança de viver,
de sonhar, de acreditar que a vida é bela
e vale muito mais do que imaginamos
mais que ouro ou prata.

Mergulhar nesse universo encantador,
deslumbrar-se com sua beleza,
com o brilho das cores e a pureza da emoção.

Olhar para o céu, contemplando sua imensidão azul,
como o mar com suas ondas brancas como a neve,
e as nuvens cobrindo o firmamento,
viajando pelo oceano infinito
que faz a alma florescer e traz paz.

O sol se esconde atrás das nuvens,
revelando sua beleza imensa,
seu brilho deslumbrante a cada instante.

Os mais belos gestos de Deus
estão na alma de um poeta,
que escreve para se encontrar consigo mesmo.

 

Por



quarta-feira, 5 de novembro de 2025

OPINIÃO DO BLOG - A importância da oralidade para os povos tradicionais do Jequi

Foto: Jô Pinto

 

A oralidade é o alicerce da preservação dos saberes tradicionais dos povos negro e indígena no Vale do Jequitinhonha, funcionando como tecnologia ancestral que transmite cultura, religiosidade, identidade e resistência frente à exclusão histórica.

No Vale do Jequitinhonha, região marcada por desigualdades sociais, a  cultural e a oralidade se impõe como ferramenta vital na perpetuação dos saberes desses povos. Mais do que meio de comunicação, ela é uma tecnologia social que articula memória, identidade e resistência. Em comunidades onde o acesso à escrita formal foi historicamente negado, a palavra falada tornou-se o principal veículo de transmissão de conhecimentos, práticas e valores.

A oralidade é memória viva e identidade, sustenta tradições como os Reisados, as folias, os cantos de trabalho, contos de encantamento e de Incelências, que não apenas entretêm, mas educam e reforçam os laços comunitários. Esses saberes são passados em rodas de conversa, festas populares e rituais, onde cada narrativa carrega ensinamentos sobre a terra, o corpo, o tempo e a ancestralidade. A cultura do Vale não se escreve em livros, ela se canta, se dança e se conta.

A religiosidade é espiritualidade como resistência, expressada em práticas como o candomblé, a umbanda, os rituais de cura e os cultos aos encantados, depende da oralidade para manter seus fundamentos. Os mitos, rezas e cantos são transmitidos por mestres e mestras, que guardam os segredos dos orixás, dos encantados e dos espíritos da mata. Essa espiritualidade oral é também uma forma de resistência à colonização religiosa e à invisibilização dos saberes não cristãos.

A oralidade fortalece os vínculos sociais, pois é por meio dela que se constroem redes de solidariedade, se compartilham experiências e se educam as novas gerações. Em comunidades quilombolas e indígenas do Jequitinhonha, a palavra falada é instrumento de organização política, de denúncia e de afirmação identitária. Ela permite que os saberes circulem mesmo diante da ausência de políticas públicas ou da marginalização institucional.

Em tempos de digitalização, é preciso reconhecer que a oralidade é uma tecnologia ancestral, sofisticada e eficaz. Ela permite a adaptação dos saberes ao contexto, a atualização dos ensinamentos conforme as necessidades da comunidade e a preservação de nuances que a escrita não alcança. A oralidade não é atraso, é inovação enraizada na ancestralidade.

A valorização da oralidade no Vale do Jequitinhonha é, portanto, um ato político e cultural. Reconhecer sua importância é reconhecer o direito dos povos negro e indígena de existir, ensinar e transformar o mundo a partir de suas próprias epistemologias. Em tempos de apagamento, a palavra falada é resistência.

Jô Pinto

Professor, historiador, poeta e escritor

 

Mesmo que queimem a escrita, não queimam a oralidade.

Mesmo que queimem os símbolos, não queimam os significados.

Mesmo que queimem os corpos, não queimam a ancestralidade.”

 

Negro Bispo 

 Filósofo, poeta, escritor, professor e ativista político brasileiro


terça-feira, 4 de novembro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - A arte Joaimense de Politicar

Imagem - IA

 

Em uma das minhas muitas viagens trabalhando como estagiária de comunicação de imprensa, pela Câmara Municipal de Ouro Preto, no projeto Câmara Itinerante, conheci um livro no qual o subtítulo parecia ter sido escrito por alguém de Joaíma. “Peripécias de um povo apaixonado por política”. E ainda tinha mais, Lidiane Malagone, a autora da obra, contava que o livro apresentava as dores e as delícias – já parafraseando Caetano –, do universo político das cidades interioranas. Com poucas páginas de leitura, consegui ver na história a forma joaimense de politicar, que parecia não tão mais singular.

E me debrucei naquela passagem de volta pra casa. Tudo isso enquanto fazia o meu horário de almoço em uma cantina da escola de Santa Rita de Ouro Preto. Estamos em março de 2020, ano que até então, está sendo marcado pela pandemia do novo Coronavírus. Mas, também é um ano de eleições municipais. E na cidade, já estamos em época de política, que é como falamos por aqui. O ano eleitoral em Joaíma é bem-vindo

pela maior parte da população. Sempre tem um fulano ou outro que diz: “Eu que não vou votar mais, toda eleição é essa mesma coisa”. Mas é só liberar a propaganda política e os comícios que o fulano já se caracteriza com as cores do candidato escolhido e pega uma bandeira para balançar. Aprende o jingle da campanha e pula ao som da trilha enquanto caminha junto com uma multidão atrás de um paredão de som imenso. Faz apostas altas e até discute com o melhor amigo e com a vizinha, argumentando o porquê do seu candidato ser a melhor escolha. Tenta até fazer conchavos para agregar à campanha do escolhido, juntando direitistas e esquerdistas. Tudo isso, e muito mais, durante os quase três meses de campanha eleitoral liberada pelo TSE. Que duram bem mais, na realidade do joaimense.

Talvez toda essa euforia não seja só animação política, mas também pelo fato de que a Prefeitura Municipal é uma das principais empregadoras da cidade, e muita gente projeta uma oportunidade de emprego quando se posiciona do lado de um candidato, vislumbrando a vitória e um cargo no município. A máquina pública é poderosa, e só em 2020 circularam por aqui exatos R$ 9.198.126,86, provenientes apenas de recursos transferidos para a cidade. A receita arrecadada no exercício de 2019 foi de R$ 42.518.730,00. Então, mesmo que alguns não saibam de boa parte desta dinheirama rolando pela cidade, ficam afoitos para conseguirem ao menos um salário mínimo ou continuar ganhando altos salários em seus cargos comissionados.

Essa é outra paixão que move a política joaimense, mas não é só por aqui. E, é claro, existem exceções. A arte de politicar começou, oficialmente, em 27/12/1948, com a emancipação política da cidade, que movimentou as lideranças locais em busca de nomes que pudessem representar Joaíma. Cinco meses depois, Francisco Costa e Dr. Armando Sena Kangussu foram os primeiros líderes do executivo municipal. E permaneceram até 30/03/1953, com a inversão dos seus cargos. Durante a administração, construíram pontes, reformaram o grupo escolar Manoel do Norte e instalaram a primeira turbina para a captação de água que abasteceu a cidade. Os feitos desse mandato ficaram marcados por, de acordo com pesquisas, não contarem com nenhuma verba ou subvenção do estado: tudo foi pago com recursos próprios. No ano de 1950, os pais do então prefeito comemoravam os seus 25 anos de casados e decidiram estender as celebrações da data a toda a cidade, com uma festança que durou oito dias. Além de ser conhecido por ser o primeiro prefeito da cidade e por possuir uma imponente sepultura na entra da do cemitério local, Seu Chico, como chamamos por aqui, era amigo de Juscelino Kubitschek.

Eles se conheceram na época dos estudos secundários e JK visitou Joaíma na sua peregrinação política quando concorria à Presidência da República, em 1955, no pleito do qual sairia vitorioso. Após os primeiros gestores da cidade, outros grandes nomes foram os seus sucessores. Depois de algum tempo começaram as disputas políticas na cidade. A primeira, mais concorrida, aconteceu em 1954, na qual foram escolhidos Dr. Antônio Gerônimo de Oliveira e Corinto Antônio da Cunha que, de acordo com as minhas pesquisas de campo e bibliográficas, foram grandes articuladores políticos da época. Já no desenvolvimento social, o 9° ocupante da cadeira na Prefeitura, Antônio Gomes Moreira, e seu vice, Argileu Alves Cunha, foram referência para a educação na região. No final de 1963, lançaram as bases para a criação do Ginásio Menor de Joaíma, que oferecia o antigo curso ginasial, levando o nome do seu idealizador. Moreira entraria mais uma vez na política, mas dessa vez como vice, em 1973, e novamente como prefeito, em 1977. E, por meio da Lei n° 1281 de 16/10/1995, foi criada a medalha “Professor Antônio Gomes” como forma de homenagear pessoas ou instituições que se destacaram no trabalho prestado à comunidade.

A entrega acontecia no dia 27 de dezembro, data comemorativa do aniversário de emancipação político-administrativa da cidade. Dentre as administrações, Joaíma começou a ganhar estruturas e instituições que compunham o conjunto de um município. E em meados de 1967 iniciou-se a construção do Hospital Municipal da cidade, com a ajuda de um grupo de mulheres. Dentre elas estava Antônia Grapiuna, bem articulada e muito conhecida na comunidade, que organizou movimentos para arrecadar fundos a serem doados ao local. A benfeitora foi homenageada tendo seu nome dado à instituição. Neste ano também foi realizada a primeira festa da cidade comemorando os seus 21 anos. Com o tempo, grupos políticos foram sendo forma dos. O primeiro foi chamado de “Panela’’.

 O grupo, organizado por Antônio Gomes Moreira, era composto por pessoas que detinham mais experiência política, tendo já ocupado cargos públicos ou possuindo parentesco próximo com pessoas que ocuparam ou ocupavam uma cadeira no executivo e legislativo da cidade. A chama da Panela ocupou liderança no município por mais de quarenta anos, iniciando em 1962 após o término do mandato do prefeito Domingo Ornelas (antigo PSD). A administração ficou marcada pelas grandes festas, cultura ativa e a pouca visibilidade para a zona rural e as 27 comunidades. Com o passar do tempo, deixaram de ser aceitos na cidade por uma parcela da população, que dizia que o grupo não favorecia os mais pobres ou os que se opunham à gestão. Não sendo contratados, mesmo com competências para os cargos ou para prestar pequenos serviços. Durante os mandatos do grupo, a oposição começou a surgir. Em 1988 foram eleitos vereadores Donizete Lemos (um dos nomes responsáveis por fundar o Partido dos Trabalhadores em Joaíma), Frederico Lemos e Eliana Lemos (tornando-se uma das primeiras mulheres na vereança).

Ambos faziam forte oposição ao então prefeito Roberto Grapiuna, inaugurando um novo momento político em Joaíma. Porém, só em 2005, que o primeiro candidato da oposição à Panela assumiu a cadeira de prefeito na cidade, após uma das disputas mais acirra das nas ruas, que terminou com uma diferença de 1.557 votos nas urnas. À época, eram 10.437 eleitores. Em 3 de outubro de 2004, os apoiadores do então prefeito vencedor, Flávio Botelho Leal e Frederico Franklin Murta Lemos, saíram pelas ruas da cidade entoando o jingle de campanha: “Não vamos deixar, não vamos deixar. Eles tão todos doidinhos pra mamar, êta bezerro duro de desmamar, mamaram tanto e querem continuar”, com os apoiadores batendo em panelas de pressão e quebrando panelas de barro, fazendo alusão à derrota do grupo que levava o nome dos objetos. Após oito anos de mandato, os governantes dividiram opiniões acerca de seu governo.

Foram criticados nos primeiros quatro anos, mas reeleitos para os próximos quatro. Seguindo a lei de apenas uma reeleição, os líderes deixaram a vaga para João Muqueca (PP), integrante da Panela, que concorreu com Donizete Lemos (PT), da oposição. No pleito de 2012, o petista, que já tinha uma trajetória na política local, saiu vitorioso, com 2.120 votos de diferença. No entanto, na eleição de 2016, o grupo da Panela retoma o poder na cidade. E agora, em 2020, ano eleitoral, disputa mais uma vez a cadeira do executivo, com o seu representante e atual prefeito Dauro Barreto e Nem Guariba.

E concorrem com eles, Abinaldo Botelho (Solidariedade), com uma visão mais popular e a professora, Jussara Grapiuna, marcando a história política da cidade como a primeira mulher a concorrer para o cargo de vice-prefeita. Essa campanha, em especial, está deixando os joaimenses ouriçados, tanto aqueles que não querem perder a “mamata”, quanto aqueles que esperam por mudanças no cenário social e político há um bom tempo. O desfecho, um caso à parte entre as muitas histórias de Joaíma, você lê no “adendo”, nas próximas páginas. Ao longo dos seus 72 anos de emancipação política, Joaíma já teve 22 prefeitos, alguns com mais de um mandato. E agora caminha para a escolha do seu vigésimo terceiro gestor. O município, o distrito e as 27 comunidades se envolvem de corpo e alma nas campanhas. Que já renderam boas e curiosas histórias. Em uma dessas, um jovem ficou com o rosto marcado por uma estrela gigante, do partido que ele representava, após ser pintado com tinta guache e ficar exposto longas horas em carros de som que rodava a cidade. Tudo isso, é claro, com o seu consentimento e após alguns dias a tatuagem solar desapareceu. Outra curiosidade é o estilo de marketing usado pelos candidatos, o nosso décimo primeiro prefeito se elegeu com uma faixa que trazia os dizeres: “Ruim por ruim, vote em Maurim”. Por aqui somos tomados pelo vírus do “politiqueiro”, encontramos a magia em um movimento maçante e desacreditado por alguns brasileiros.

Que é totalmente pretensioso, mas insistimos em ainda, sim, acreditar. Sem utopias. A política que pode intervir para melhorar a comunidade, para fazer as coisas que as pessoas precisam no seu dia a dia (independente de ideologia ou partido). Temos verbas e programas para garantir isso. E muita gente que precisa, por isso, ainda acreditamos. Em um ano de desgoverno federal, escândalos e desrespeitos ao cidadão, à saúde e à imprensa, o que devemos fazer é ainda acreditar que a nossa política pode ser melhor, e nos politizarmos, aprendermos a votar de forma mais coerente.

Quem desiste da política, de certa forma, perde uma parte do seu papel como cidadã ou cidadão. A paixão pelo movimento que te faz vestir as cores e sair gritando na rua clamando por mudança. Uma paixão avassaladora que te rouba três meses de vida, te dando mais fôlego pra debater sobre as propostas dos seus escolhi dos. E que, quando não correspondidas, tende mesmo a esfriar, passa pela crise dos três anos, até resultar no término no ano seguinte, sem nem chegar a uma reeleição e comemorar as bodas de madeira. É uma crônica sobre a minha cidade, mas aposto que, de certa forma, também se encaixa na sua, não é?

 

“A política é uma arte e só é válida quando tem como objetivo a função de partilha dos ideais, de sonhos e realizações comuns, a serviço da vida”. Emirani Quaresma (2007)

 

Texto extraído na integra de

MURTA. Ana Laura Grupiara. Joaíma (Re) conhecendo o Vale do Jequitinhonha. TCC ( Graduação em Jornalismo. Universidade de Ouro Preto, Mariana, 2021 (P.109)


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CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - O Vaqueiro Mateus

Cachoeira do Mateus - Foto: Jô Pinto   Ouvi essa história pela primeira vez, narrada pelo meu, em um dos muitos momentos que ele reunia, eu ...