domingo, 26 de julho de 2020

NARRATIVAS DO FESTIVALE - Por Ângela Freire



Catopês do Divino Espirito Santo - Bocaiuva 

Um olhar de FÉ... Popular!
Por Ângela Freire

Ser voluntária no Festivale é uma prática corriqueira deste evento. Talvez seja esta forma de produzir o Festivale, que se mantêm por tanto tempo, como um dos festivais mais antigos de Minas Gerais. Nesta veia jugular estão as pessoas oriundas de várias  cidades, que se dispõem a colaborar pelo simples fato de ajudar, assim a cidade que sedia  um FESTIVALE, vira nesta ocasião um reduto de cultura, ponto de encontro de artistas, agentes culturais,  artesãos  e fazedores de uma única linguagem cultural.
            No encontro de grupos de cultura popular é  a expressão que envolve o profano e o sagrado, pois a maioria das manifestações  trazem o contexto histórico da memória  afro-brasileira, revelando  em suas variedades de formas  com sua multiplicidade cultural. Entre estes, encontra-se os Catopés de Bocaiúva, com sua devoção envolta em seu movimento ritmado entre cores, caixas, tambores, chocalhos e repiques. Quando os Catopés entram numa cidade com suas indumentárias, primeiro pedem  as bênçãos celestiais dos seus protetores. Manda o ensinamento que devem entrar numa igreja mais próxima.
            Num destes festivais, a voluntária  que conduziria o grupo, sabia apenas do roteiro das ruas e não atentou-se de pedir ao padre, permissão para  deixar o cortejo adentrar-se a igreja. O Senhor, patriarca e responsável pelo grupo, percebendo que a jovem não falara nada sobre a igreja que  deveriam ir, logo perguntou: __ O padre vai estar na igreja? Por quê a gente só sai no cortejo, depois das nossas orações! A jovem sorriu timidamente, e não sabia o que fazer naquele momento, porque não reservara a igreja e sabia que havia uma ordenação de uma freira. Tentou argumentar para rezar na porta somente, e o bondoso mestre, lhe ensinou naquele instante, o que serviu para toda uma vida: Quando um grupo entra numa igreja com seu rito, está ali, pedindo proteção e pedindo aos seus ancestrais para proteger  o povo todo, intercede ali pela cidade. Só assim podem sair em cortejo pelas ruas, protegidos e concedidos à missão de transmitir energia dos seus entes. Descobri que não se trata de um simples cortejo, é uma comunicação transcendental!
            Mas a jovem  desesperada, com mais de 40 pessoas ao seu redor, assumiu a tarefa que lhes tinham confiado, seriamente, virou-se para o mestre: _ Não se preocupe, o padre vai estar esperando, vai estar celebrando a ordenação de uma freira, então iremos oferecer as orações por ela também. Assim o mestre concordou. E começou o cortejo até a matriz, logo, a jovem se postou a frente, deixando o cortejo um pouco atrás, foi ter com o padre em plena celebração. A jovem pediu ao vigário, para deixar os Catopés fazerem uma pequena homenagem a noviça. Ele achou de bom grado, desde que fosse breve. Neste instante o grupo já estava á porta adentrou-se ao centro da igreja e ajoelham-se aos pés do Cristo  e inicia  seu ritual com suas rezas e cantos.
            O povo ao redor sem entender nada, aplaudiram, acharam que fazia parte da cerimônia. A jovem pegou o microfone e anunciou a homenagem dos Catopés para a jovem religiosa. O Grupo se levanta, vira em direção a jovem e começa a cantar e dançar ao redor da jovem religiosa, que não sabia como se portar, causando estranheza aos fiéis, acostumados as tradicionais ave-marias e hinos clássicos da igreja. O som dos chocalhos nos pés e o coloridos das fitas, transformaram por completo o ambiente, o padre nesta altura, vermelho de raiva, pois já passava mais de uma hora naquela cantoria. A jovem finalmente consegue reconduzir o cortejo para as ruas, deixando o padre na sua celebração tradicional, que só lhe restava, dar as bênçãos finais.
            Para algumas pessoas que estavam naquele FESTIVALE, pela primeira vez, até hoje se recordam da linda homenagem a religiosa, só não sabem que aquilo não havia sido programado.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

GIRO PELO VALE - Vale do Jequitinhonha de luto, Morre George Abner, um dos fundadores do Jornal Geraes.

  George Abner de Figueiredo Souza, natural do município de Pedra Azul, no Baixo Jequitinhonha. Agente Cultual, filosofo, fotografo, Jorna...