|
Foto: Jô Pinto |
Ângela Gomes Freire e natural da cidade de Araçuaí, Professora, Turismóloga, estudante do curso de licenciatura em Educação do campo, poetisa/escritora, agente cultural, atriz do grupo teatral vozes e ex diretora executiva da FECAJE.
OFICINA DE COURO
Por Ângela Freire
Antes de acontecer o FESTIVALE, os encontros culturais servem para alimentar as expectativas e unir os laços do voluntariado. Em um destes momentos , no acalorado debate para sugerir oficinas, shows e convidados, alguém sentado aos fundos, levanta a mão e pede a palavra. Era um artesão do ramo da confecção de sandália de couro, tipo alpercatas, num estilo rústico. Concedida a palavra, levantou-se e dirigiu-se a frente, pigarreou, piscou, elevou a mão direita a frente, apontando o dedo indicador á platéia, que ficou em silêncio para ouvi-lo:
___” Oia,todo Festivale é assim. Escolhe todo tipo de oficina, mas nunca escolhe de confecção de sandália de couro! Eu já me ofereci várias vezes, gratuitamente, mas nunca me deram confiança. Fica ocês sabendo que é um ofício importante, que está se acabando. Me desculpa os mestres que tradicionalmente são convidados para dar oficina, mas o ofício de fazer sandália de couro é uma arte secular”.
Diante desta defesa, não teve como não arrancar aplausos, e, aprovar por unanimidade a tão defendida “Oficina de confecção de calçado em couro”. E seria modestamente remunerado como demais oficineiros, daquela grade de programação.
A organização do evento solicitou a lista do material, prontamente adquirido com a ajuda e dicas do próprio mestre, para nada sair dos trilhos.
A oficina deveria ser de uma semana, oito horas por dia em local determinado, conforme acordado pelo professor, que tão empolgado com a prática, dispensou o assistente que a organização oferecia.
Iniciado o Festivale, a oficina começava em ritmo acelerado. O mestre todo contente, fazia sacrifício para chegar na hora certa diariamente, pois a noitada era boa e só ia dormir quando o sol apontava, era hora de correr para se aprontar, na missão de professor- artesão.
Enquanto isso na Feira de Artesanato rendia boa movimentação pois no terceiro dia já havia artesão, se dando por satisfeito pela produção esgotada e dizendo ser uma das feiras mais lucrativas dos tempos.
A oficina de confecção de calçado, seguia com seus quinze alunos, e o professor no terceiro dia , mostrava-se desgastado pelas noitadas e atenção desprendida para seus pupilos. Na freqüência dos ensinamentos, acudia um e outro, que do lado de fora da sala se ouvia o professor dizendo quase rouco:_ corta, mede, costura, cola, arremata. E os pobres aprendizes esforçando na ordem, muitos desajeitados, desperdiçava material. No final do dia havia pelo salão pilhas de tiras de sola que cortaram sem simetria, moldes repicados sem tamanho correto, agulha aqui e ali, enfim, o coitado do oficineiro catava tudo para deixar o salão para o outro dia. Ritual fatigante, pois o que ele queria mesmo era ir para a barraca do Festivale, cantar, beber e namorar.
No quarto dia da rotina acelerada, tudo deveria sair dentro dos padrões desejados. Haveria ainda a mostra de oficina, no último dia, mas os alunos em ritmos descompassado, exigia assistência para tudo do professor que gentilmente acudia, tentando consertar e animar os jovens a serem artesãos no futuro. Foi assim a manhã inteira, veio o almoço e o mestre resolve prosear com seus companheiros de feira de artesanato, que lhe informara da movimentação da feira de artesanato.
O professor ouvindo as notícias, cresceu-lhe um impulso tão grande, que seu coração cortava de saudade, pois desde muito jovem nunca faltara a uma feira de artesanato.
Ao cair da tarde, os alunos pressente a ausência do professor. Resolvem dar um tempo, afinal às noites reviradas podiam ter sugado a energia do coitado e entregue aos braços de Orféu. Esperaram duas, três, três e meia , até que um aluno disciplinado, preocupado com o dia da amostra e com o certificado que deveria receber ao término da oficina, foi reclamar na direção da organização. Os responsáveis então, saem a procura do professor, até chegam a pensar no pior. Saem a perguntar aqui, ali, vai ao hotel, faz o gerente abrir o quarto para verificar, até mandaram anunciar na rádio local. Horas depois alguém grita, apontando para uma roda de artesãos alegremente contando casos da vida ordinária. Os organizadores vão indagar o seu afastamento da oficina. O Mestre encara com um sorriso elegante , encolhe os ombros, junta as mãos e responde:
___Uai Ocês não vão acreditar! Fiquei proseando no almoço com os companheiros, quando dei por fé, já tava aqui na praça com eles. Nem vi o tempo passar, achei que tava cedo ainda.
O pessoal da direção do evento, impaciente, pergunta para o professor:
__Mas e os jovens da oficina, você tem de repor esta carga horária?
O professor olha firme, respira sorrindo e diz:
__ Ah gente! Eu descobri que ninguém lá quer ser artesão. Eles querem que eu faça e depois falar que foi obra deles. Sorrindo, completou: __A gente explica de um jeito, eles fazem do outro. E tem mais, ficaram reclamando que a sola é fedida, uns falaram que nunca irão usar a sandália, ao invés de botar nos pés, querem botar para enfeitar casa. Esse mundo tá desusado mesmo. Mas vou repor as horas. Fiquem sossegados!
Logo o professor ordena os alunos para se reunir na praça.
De repente ouve-se um barulho, um aglomerado ao centro da feira de artesanato. Os organizadores atentos saem em disparada para ver aquela movimentação.
Chegando lá, o professor com os alunos, puxando um samba de roda, junto aos mestres de ofício, artesãos e os alunos de sandália na mão, requebrando, cantando, jogando versos e tocando instrumentos de percussão improvisados.
A oficina seguiu noite adentro e no outro dia com a caminhada pelas ruas da cidades em animada cantoria, exibindo seus feitos e sua arte.
E Viva o FESTIVALE!