segunda-feira, 11 de maio de 2015

MEMÓRIA CULTURAL - CRUZ DO LÚCIO

                           
Capela da Cruz do Lúcio- Foto: Ângela Freire
                           Nas muitas histórias que ouvimos  da cultura do povo, do Vale do Jequitinhonha, em MG., encontramos na cidade de Araçuaí , numa comunidade rural  denominada de Macieira . Conta  o povo , que existiu há  atrás, no tempo do cativeiro, uma fazenda nesta região ,  em que os donos  possuíam  muitos animais e também muitos negros , trabalhavam  de sol a sol, sem nenhum direito  ou remuneração , eram submetidos as piores humilhações .
                            Certo dia, o Sinhô, notificado do desaparecimento de um dos seus animais de estimação , chamou o negro Lúcio, lhe ordenou que fosse procurar, este saiu imediatamente pela mata fechada,  sem comer  e sem beber, o moço procurou por todo o dia, ao cair  da tarde  ele retornou a sede da fazenda , e , com ar de  desesperançado logo falou de sua busca sem êxito. O sinhô furioso,  chicoteou  o pobre infeliz, e,  sem nenhuma piedade  para com o negro, no açoite das chicotadas e dos palavrões,  mandou  Lúcio  de novo procurar, com o aviso de que, só deveria voltar com o animal , caso contrário, a morte  seria seu prêmio pela incompetência. Sob  os gritos e chicotadas, os outros negros da fazenda viam e escutavam calados, pelas frestas, pois, corriam o risco de ter a mesma sorte, caso fossem apanhados assistindo tamanha crueldade.
                        Dizem os que viram: o negro adentrou-se aquele mato novamente,  em meio a escuridão que pairava naquela noite, nem a lua o acompanhara., diante de tanta dor, desespero , fome e sede, passou-se dias, e, Lúcio não retornou; até que certa vez  campeando animais perdidos, próximo de uma lagoa, ao longe avistaram  um corpo , em sua volta borboletas coloridas ao redor, aproximando mais , constataram  de quem se tratava. O que chamou atenção dos negros  ao chegarem bem mais perto: o corpo estava em perfeita composição, ainda com as marcas das chicotadas , parecia ter morrido naquele instante,e, o que se admirava , que havia meses o desaparecimento de Lúcio, era impossível  o corpo não entrar em putefração.
                    A notícia correu na fazenda às escondidas, pois se o sinhô soubesse, não hesitaria em  torturar alguém. E no silêncio da noite,  fizeram o sepultamento do negro Lúcio, colocando  uma cruz para demarcar o lugar, rezaram  pela alma do irmão e daí  fizeram do lugar um ponto de oração, com a freqüência das pessoas , não demorou muito em noticiar uma graça alcançada e por intercessão da Cruz do Lúcio.
                     A notícia se espalhou, e o dono da fazenda não pode conter mais, pessoas vindas de todos os lugares,  vinham rezar , até que com a permissão dos donos deixaram construir uma capela e passou-se a celebrar o dia da Cruz do Lúcio, com  novenas, festa  em sua homenagem como forma de pagamento de promessa, aglomerando um número  significativo de gente.
                      Até hoje , a festa é celebrada no dia 06 de Agosto, para agradecer as graças alcançadas  em honra do sacrifício do negro Lúcio, a cruz já foi substituída por muitos, na tentativa de reproduzir  e recriar a história, no local  a visão privilegiada de uma paisagem natural, cheia de arbustos e plantas do cerrado, existe uma estrada de acesso as fazendas que existem, a capelinha solitária  avisa  e convida a contemplação, sendo que primeiro  exige-se que visualize e se coloque diante da cruz, seja para rezar ou apreciar o cenário.

               Lembrar de histórias assim, significa contar as atrocidades  e constatações com o povo negro, sabe-se  que a abolição foi extinta por lei em 1888, mas sob qual condição de sobrevivência viveria esta gente? Sem direitos, nem sequer  o pão que comia, portanto , mesmo tendo ciência de sua liberdade, não havia condições de se libertar. Por isso  precisamos contar estas histórias que compõe o universo da oralidade popular,  apesar de não haver provas concretas, sabe-se que alguém ouviu, viu e contou para alguém, que recontou para outro, o outro então reproduziu e que até hoje recriamos e  estamos neste momento passando a você que acabou de ler e deverá  passar adiante.  

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