Capela da Cruz do Lúcio- Foto: Ângela Freire |
Nas muitas
histórias que ouvimos da cultura do
povo, do Vale do Jequitinhonha, em MG., encontramos na cidade de Araçuaí , numa
comunidade rural denominada de Macieira
. Conta o povo , que existiu há atrás, no tempo do cativeiro, uma fazenda
nesta região , em que os donos possuíam
muitos animais e também muitos negros , trabalhavam de sol a sol, sem nenhum direito ou remuneração , eram submetidos as piores
humilhações .
Certo dia, o Sinhô,
notificado do desaparecimento de um dos seus animais de estimação , chamou o
negro Lúcio, lhe ordenou que fosse procurar, este saiu imediatamente pela mata
fechada, sem comer e sem beber, o moço procurou por todo o dia,
ao cair da tarde ele retornou a sede da fazenda , e , com ar
de desesperançado logo falou de sua
busca sem êxito. O sinhô furioso,
chicoteou o pobre infeliz,
e, sem nenhuma piedade para com o negro, no açoite das chicotadas e
dos palavrões, mandou Lúcio
de novo procurar, com o aviso de que, só deveria voltar com o animal ,
caso contrário, a morte seria seu prêmio
pela incompetência. Sob os gritos e
chicotadas, os outros negros da fazenda viam e escutavam calados, pelas
frestas, pois, corriam o risco de ter a mesma sorte, caso fossem apanhados assistindo
tamanha crueldade.
Dizem os que
viram: o negro adentrou-se aquele mato novamente, em meio a escuridão que pairava naquela
noite, nem a lua o acompanhara., diante de tanta dor, desespero , fome e sede,
passou-se dias, e, Lúcio não retornou; até que certa vez campeando animais perdidos, próximo de uma
lagoa, ao longe avistaram um corpo , em
sua volta borboletas coloridas ao redor, aproximando mais , constataram de quem se tratava. O que chamou atenção dos
negros ao chegarem bem mais perto: o
corpo estava em perfeita composição, ainda com as marcas das chicotadas ,
parecia ter morrido naquele instante,e, o que se admirava , que havia meses o
desaparecimento de Lúcio, era impossível
o corpo não entrar em putefração.
A notícia correu na fazenda às
escondidas, pois se o sinhô soubesse, não hesitaria em torturar alguém. E no silêncio da noite, fizeram o sepultamento do negro Lúcio,
colocando uma cruz para demarcar o
lugar, rezaram pela alma do irmão e daí fizeram do lugar um ponto de oração, com a
freqüência das pessoas , não demorou muito em noticiar uma graça alcançada e
por intercessão da Cruz do Lúcio.
A notícia se
espalhou, e o dono da fazenda não pode conter mais, pessoas vindas de todos os
lugares, vinham rezar , até que com a
permissão dos donos deixaram construir uma capela e passou-se a celebrar o dia
da Cruz do Lúcio, com novenas,
festa em sua homenagem como forma de
pagamento de promessa, aglomerando um número
significativo de gente.
Até hoje , a
festa é celebrada no dia 06 de Agosto, para agradecer as graças alcançadas em honra do sacrifício do negro Lúcio, a cruz
já foi substituída por muitos, na tentativa de reproduzir e recriar a história, no local a visão privilegiada de uma paisagem natural,
cheia de arbustos e plantas do cerrado, existe uma estrada de acesso as
fazendas que existem, a capelinha solitária
avisa e convida a contemplação,
sendo que primeiro exige-se que
visualize e se coloque diante da cruz, seja para rezar ou apreciar o cenário.
Lembrar de
histórias assim, significa contar as atrocidades e constatações com o povo negro, sabe-se que a abolição foi extinta por lei em 1888,
mas sob qual condição de sobrevivência viveria esta gente? Sem direitos, nem
sequer o pão que comia, portanto , mesmo
tendo ciência de sua liberdade, não havia condições de se libertar. Por
isso precisamos contar estas histórias
que compõe o universo da oralidade popular,
apesar de não haver provas concretas, sabe-se que alguém ouviu, viu e
contou para alguém, que recontou para outro, o outro então reproduziu e que até
hoje recriamos e estamos neste momento
passando a você que acabou de ler e deverá
passar adiante.
Por
Nenhum comentário:
Postar um comentário