quinta-feira, 4 de setembro de 2025

DIÁRIO DE LEITURA - Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo, de Gloria Anzaldúa


 

Se você deseja mergulhar em uma leitura aprofundada sobre os desafios enfrentados por mulheres racializadas na escrita, recomendo o ensaio epistolar de 1980 de Gloria Anzaldúa, "Falando em Línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo".

Nesse ensaio, Anzaldúa se dirige diretamente a mulheres negras, indígenas, chicanas, asiáticas e lésbicas, estabelecendo uma interlocução afetiva e política que rompe com os modelos tradicionais da crítica literária ocidental. Ao escolher a forma de carta, a autora cria uma linguagem de intimidade e solidariedade, ao mesmo tempo em que denuncia as estruturas de exclusão que permeiam o universo literário.

Anzaldúa evidencia como a escrita, para mulheres de cor, é atravessada por múltiplas camadas de opressão: racismo, sexismo, classismo e homofobia. A autora relata sua própria experiência com a língua — o inglês imposto pela escola e o espanhol marginalizado — como metáfora do apagamento cultural e da violência simbólica sofrida por essas mulheres. Nesse contexto, a escrita não é um exercício estético neutro, mas um ato de resistência. "Palavras são uma guerra para mim", afirma, revelando a tensão entre o desejo de expressão e os mecanismos de silenciamento institucionalizados.

A autora reflete sobre os desafios enfrentados por essas mulheres no âmbito literário, destacando sua invisibilidade nos círculos dominados por homens brancos e feministas brancas. Anzaldúa luta para encontrar uma voz própria em sua escrita, enquanto encoraja as mulheres a escreverem a partir de suas experiências pessoais e culturais, sem sucumbir às expectativas externas.

Anzaldúa descreve o ato de escrever como um processo transformador e perigoso, que exige confrontar medos e resistências internas. Ela critica as estruturas acadêmicas e literárias que desvalorizam as perspectivas das mulheres de cor, instando-as a priorizar suas próprias histórias e a não se adaptarem às normas impostas pelo feminismo branco. A carta inclui reflexões sobre a conexão entre vida e escrita, a importância da autenticidade e a necessidade de escrever com paixão e verdade, a partir das próprias entranhas.

O texto também apresenta uma crítica incisiva à normatividade estética da literatura canônica, que valoriza a forma, a neutralidade e o distanciamento como critérios de legitimidade. Anzaldúa questiona essas exigências, que frequentemente excluem vozes dissidentes e experiências periféricas. Ao reivindicar uma escrita marcada pela subjetividade, pela oralidade e pela experiência vivida, a autora propõe uma ruptura com os paradigmas eurocêntricos da produção literária.

O texto é acompanhado de citações de outras escritoras como Cherríe Moraga, Alice Walker e Nellie Wong, que também abordam temas de opressão, criatividade e resistência. Em conjunto, a carta é um chamado à ação para que as mulheres do terceiro mundo se empoderem por meio da escrita e desafiem as estruturas que as marginalizam.

"Falando em Línguas" é, portanto, um manifesto político e literário que convoca mulheres do chamado "terceiro mundo" a se apropriarem da palavra como instrumento de transformação. Ao articular denúncia, memória e criação, Anzaldúa constrói um texto que permanece atual e necessário, sobretudo em contextos onde a escrita ainda é um privilégio de poucos. Sua carta é um convite à insurgência narrativa e à valorização de epistemologias marginalizadas.

 

Referência

Anzaldúa, G. (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Revista Estudos Feministas, 8(1), 229. https://doi.org/10.1590/%x


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