Se
você deseja mergulhar em uma leitura aprofundada sobre os desafios enfrentados
por mulheres racializadas na escrita, recomendo o ensaio epistolar de 1980 de
Gloria Anzaldúa, "Falando em Línguas: uma carta para as mulheres
escritoras do terceiro mundo".
Nesse
ensaio, Anzaldúa se dirige diretamente a mulheres negras, indígenas, chicanas,
asiáticas e lésbicas, estabelecendo uma interlocução afetiva e política que
rompe com os modelos tradicionais da crítica literária ocidental. Ao escolher a
forma de carta, a autora cria uma linguagem de intimidade e solidariedade, ao
mesmo tempo em que denuncia as estruturas de exclusão que permeiam o universo
literário.
Anzaldúa
evidencia como a escrita, para mulheres de cor, é atravessada por múltiplas
camadas de opressão: racismo, sexismo, classismo e homofobia. A autora relata
sua própria experiência com a língua — o inglês imposto pela escola e o
espanhol marginalizado — como metáfora do apagamento cultural e da violência
simbólica sofrida por essas mulheres. Nesse contexto, a escrita não é um
exercício estético neutro, mas um ato de resistência. "Palavras são uma
guerra para mim", afirma, revelando a tensão entre o desejo de expressão e
os mecanismos de silenciamento institucionalizados.
A
autora reflete sobre os desafios enfrentados por essas mulheres no âmbito
literário, destacando sua invisibilidade nos círculos dominados por homens
brancos e feministas brancas. Anzaldúa luta para encontrar uma voz própria em
sua escrita, enquanto encoraja as mulheres a escreverem a partir de suas
experiências pessoais e culturais, sem sucumbir às expectativas externas.
Anzaldúa
descreve o ato de escrever como um processo transformador e perigoso, que exige
confrontar medos e resistências internas. Ela critica as estruturas acadêmicas
e literárias que desvalorizam as perspectivas das mulheres de cor, instando-as
a priorizar suas próprias histórias e a não se adaptarem às normas impostas
pelo feminismo branco. A carta inclui reflexões sobre a conexão entre vida e
escrita, a importância da autenticidade e a necessidade de escrever com paixão
e verdade, a partir das próprias entranhas.
O
texto também apresenta uma crítica incisiva à normatividade estética da
literatura canônica, que valoriza a forma, a neutralidade e o distanciamento
como critérios de legitimidade. Anzaldúa questiona essas exigências, que
frequentemente excluem vozes dissidentes e experiências periféricas. Ao
reivindicar uma escrita marcada pela subjetividade, pela oralidade e pela
experiência vivida, a autora propõe uma ruptura com os paradigmas eurocêntricos
da produção literária.
O
texto é acompanhado de citações de outras escritoras como Cherríe Moraga, Alice
Walker e Nellie Wong, que também abordam temas de opressão, criatividade e
resistência. Em conjunto, a carta é um chamado à ação para que as mulheres do
terceiro mundo se empoderem por meio da escrita e desafiem as estruturas que as
marginalizam.
"Falando
em Línguas" é, portanto, um manifesto político e literário que
convoca mulheres do chamado "terceiro mundo" a se apropriarem da
palavra como instrumento de transformação. Ao articular denúncia, memória e
criação, Anzaldúa constrói um texto que permanece atual e necessário, sobretudo
em contextos onde a escrita ainda é um privilégio de poucos. Sua carta é um
convite à insurgência narrativa e à valorização de epistemologias
marginalizadas.
Referência
Anzaldúa, G. (2000).
Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Revista
Estudos Feministas, 8(1), 229. https://doi.org/10.1590/%x
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