sexta-feira, 5 de setembro de 2025

CONHECENDO O JEQUI - Cordões de Caboclos em Salto da Divisa

Fotos: Vilmar Oliveira

 

Cordões de Caboclos em Salto da Divisa: Uma Celebração da Herança Indígena Brasileira

Última cidade do Vale do Jequitinhonha, na divisa com a Bahia, o município de Salto da Divisa, em Minas Gerais, preserva uma das manifestações culturais mais singulares do Brasil: os desfiles dos Cordões de Caboclos Tupinambás e Guaranis durante o Carnaval. Mais do que uma festividade, essa tradição é uma homenagem viva às raízes indígenas do país, marcada por rivalidade simbólica, cores vibrantes e profunda reverência à ancestralidade.

Uma Rivalidade que Celebra a Cultura, durante o Carnaval, os cordões Tupinambás e Guaranis tomam as ruas em uma disputa cultural que transcende o espetáculo. Embora os povos Tupinambá e Guarani sejam historicamente distintos, com origens, línguas e práticas próprias, a celebração em Salto da Divisa une essas referências em um gesto de reconhecimento e valorização da diversidade indígena.

Essa rivalidade não é de confronto, mas de exaltação, cada cordão busca representar com orgulho a força, a beleza e a espiritualidade de seus respectivos povos, encantando moradores e visitantes com danças, cantos e indumentárias que remetem às tradições ancestrais.

Os Tupinambás foram um dos primeiros povos indígenas a entrar em contato com os colonizadores europeus nos séculos XVI e XVII. Habitantes da costa brasileira, eram conhecidos por sua complexa organização social e rituais guerreiros, incluindo práticas de antropofagia que tinham significados espirituais e simbólicos.

Hoje, comunidades Tupinambás resistem no sul da Bahia, lutando pela preservação de sua identidade e território. Um marco recente dessa luta foi o retorno do Manto Tupinambá ao Brasil, uma peça cerimonial que simboliza a reconexão com a ancestralidade e a reparação histórica.

Guaranis, espalhados por Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia, os Guaranis pertencem ao tronco linguístico Tupi-Guarani e mantêm uma relação espiritual profunda com a natureza, vivem em comunidades organizadas, onde o pajé exerce papel central como líder espiritual, curador e conselheiro.

A cultura guarani valoriza a agricultura, a caça e a pesca como formas de sustento e conexão com o meio ambiente, suas práticas e crenças.

 A Linguagem Tupiguarani, é um elo entre povos, a língua Tupiguarani, que mistura elementos do Tupi e do Guarani, foi amplamente utilizada por diversos povos indígenas e representa um elo linguístico e cultural entre os Tupinambás e Guaranis. Essa fusão linguística é também um símbolo da riqueza e complexidade das culturas originárias do Brasil.

O carnaval como Resistência e Memória, mantém as tradição dos cordões de caboclos em Salto da Divisa, tem raízes profundas na resistência das famílias de escravizados que, ao longo das décadas, mantiveram viva a memória indígena por meio da cultura popular. Os desfiles são mais do que uma atração carnavalesca, são um ato de afirmação identitária, um espaço de celebração da diversidade e um tributo à história silenciada de muitos povos.

Essa manifestação é um Patrimônio Cultural do Jequitinhonha, é um dos pilares da identidade regional do Vale do Jequitinhonha. Através dos cordões, Salto da Divisa reafirma seu compromisso com a preservação da memória, da arte e da espiritualidade dos povos originários, transformando o Carnaval em um verdadeiro ritual de pertencimento e reverência.

 

Referências

https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Guarani

https://mundoeducacao.uol.com.br/

Pagina da Prefeitura de Salto da Divisa/facebook


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quinta-feira, 4 de setembro de 2025

DIÁRIO DE LEITURA - Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo, de Gloria Anzaldúa


 

Se você deseja mergulhar em uma leitura aprofundada sobre os desafios enfrentados por mulheres racializadas na escrita, recomendo o ensaio epistolar de 1980 de Gloria Anzaldúa, "Falando em Línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo".

Nesse ensaio, Anzaldúa se dirige diretamente a mulheres negras, indígenas, chicanas, asiáticas e lésbicas, estabelecendo uma interlocução afetiva e política que rompe com os modelos tradicionais da crítica literária ocidental. Ao escolher a forma de carta, a autora cria uma linguagem de intimidade e solidariedade, ao mesmo tempo em que denuncia as estruturas de exclusão que permeiam o universo literário.

Anzaldúa evidencia como a escrita, para mulheres de cor, é atravessada por múltiplas camadas de opressão: racismo, sexismo, classismo e homofobia. A autora relata sua própria experiência com a língua — o inglês imposto pela escola e o espanhol marginalizado — como metáfora do apagamento cultural e da violência simbólica sofrida por essas mulheres. Nesse contexto, a escrita não é um exercício estético neutro, mas um ato de resistência. "Palavras são uma guerra para mim", afirma, revelando a tensão entre o desejo de expressão e os mecanismos de silenciamento institucionalizados.

A autora reflete sobre os desafios enfrentados por essas mulheres no âmbito literário, destacando sua invisibilidade nos círculos dominados por homens brancos e feministas brancas. Anzaldúa luta para encontrar uma voz própria em sua escrita, enquanto encoraja as mulheres a escreverem a partir de suas experiências pessoais e culturais, sem sucumbir às expectativas externas.

Anzaldúa descreve o ato de escrever como um processo transformador e perigoso, que exige confrontar medos e resistências internas. Ela critica as estruturas acadêmicas e literárias que desvalorizam as perspectivas das mulheres de cor, instando-as a priorizar suas próprias histórias e a não se adaptarem às normas impostas pelo feminismo branco. A carta inclui reflexões sobre a conexão entre vida e escrita, a importância da autenticidade e a necessidade de escrever com paixão e verdade, a partir das próprias entranhas.

O texto também apresenta uma crítica incisiva à normatividade estética da literatura canônica, que valoriza a forma, a neutralidade e o distanciamento como critérios de legitimidade. Anzaldúa questiona essas exigências, que frequentemente excluem vozes dissidentes e experiências periféricas. Ao reivindicar uma escrita marcada pela subjetividade, pela oralidade e pela experiência vivida, a autora propõe uma ruptura com os paradigmas eurocêntricos da produção literária.

O texto é acompanhado de citações de outras escritoras como Cherríe Moraga, Alice Walker e Nellie Wong, que também abordam temas de opressão, criatividade e resistência. Em conjunto, a carta é um chamado à ação para que as mulheres do terceiro mundo se empoderem por meio da escrita e desafiem as estruturas que as marginalizam.

"Falando em Línguas" é, portanto, um manifesto político e literário que convoca mulheres do chamado "terceiro mundo" a se apropriarem da palavra como instrumento de transformação. Ao articular denúncia, memória e criação, Anzaldúa constrói um texto que permanece atual e necessário, sobretudo em contextos onde a escrita ainda é um privilégio de poucos. Sua carta é um convite à insurgência narrativa e à valorização de epistemologias marginalizadas.

 

Referência

Anzaldúa, G. (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Revista Estudos Feministas, 8(1), 229. https://doi.org/10.1590/%x


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quarta-feira, 3 de setembro de 2025

OPINÃO DO BLOG - Vale do Jequitinhonha não é apenas um nome

Fonte: Portal Minas

 

O nome "Vale do Jequitinhonha" carrega consigo não apenas uma referência geográfica, mas também um profundo simbolismo histórico e cultural. Localizado no nordeste de Minas Gerais, o vale é assim chamado porque o rio Jequitinhonha atravessa toda a sua extensão, desde sua nascente no município de Serro até sua foz no município de Belmonte, na Bahia. O termo "Jequitinhonha" tem origem indígena, “rio largo e cheio de peixes (IBGE)”, mas o conhecemos como “Jequi” Armadilha Indígena e “Onhas ” Peixe ou seja Armadilha de pegar peixes.

A termologia “Vale do Jequitinhonha “não é uma simples designação geográfica. Ao longo das décadas, esse nome foi apropriado por diferentes discursos, sejam políticos, acadêmicos, midiáticos e culturais, no qual o moldaram conforme interesses diversos. O uso do nome, portanto, não é neutro: ele revela tensões entre identidade, estigma e resistência.

Historicamente, o Vale do Jequitinhonha foi rotulado como uma das regiões mais pobres de Minas Gerais e do Brasil. Essa marca, muitas vezes reforçada por políticos e seus interesses particulares e pela mídia, cristalizou uma imagem de miséria que obscureceu por muito tempo a riqueza cultural, ambiental e humana do território. O nome passou a ser usado como sinônimo de carência, apagando a complexidade e a diversidade dos municípios que o compõem.

Por outro lado, artistas, artesãos, comunidades tradicionais e lideranças locais ressignificaram o nome como símbolo de resistência e potência criativa. O artesanato em cerâmica, os bordados, a música, literatura, os grupos de cultura popular e comunidades tradicionais do Vale são expressões que desafiam o estigma e reivindicam uma identidade própria. Nesse contexto, o uso do nome "Vale do Jequitinhonha" torna-se um ato político: afirmar o nome é afirmar a existência, a memória e o direito à dignidade.

É preciso também questionar como instituições, universidades, ONGs, governos e empresas e grandes empreendimentos utilizam o nome em projetos e pesquisas. Muitas vezes, o nome é invocado para atrair recursos ou justificar intervenções, sem que haja uma escuta real das comunidades envolvidas. O risco é transformar o Vale em objeto de exploração ou vitrine de políticas, sem garantir protagonismo aos seus habitantes.

O uso do nome "Vale do Jequitinhonha" deve ser feito com responsabilidade e consciência crítica. Nomear é também narrar e toda narrativa carrega escolhas, silêncios e disputas. Cabe a nós, enquanto sociedade e moradores desse chão, reconhecer que o Vale é mais do que um território marcado por dificuldades: é um espaço de saberes, afetos e possibilidades que merecem ser contados por quem vive e transforma essa realidade todos os dias.

Jô Pinto

Historiador/Mestre em Ciências Humanas

 

O Vale do Jequitinhonha costuma ser descrito a partir de vários elementos: a poeira, a aridez, o sol, o calor, o rio, por exemplo, vão formando seu ambiente. Os tropeiros, canoeiros, pescadores, artesãos, lavadeiras, romeiros são alguns de seus personagens sempre lembrados. A junção disso tudo compõe as suas muitas narrativas, forjadas tanto na dureza quanto na delicadeza da existência. São muitas as contradições, próprias de qualquer ambiente humano, muitas as diferenças. Mas tudo está lá, ao longo de um vale de muitos jequitinhonhas.

este cenário, a arte de fazer a vida ainda é algo que se aprende e se ensina, mesmo em contextos improváveis, como pequena flor no deserto. Por isso nos espanta essa beleza. Esses fazeres não estão separados das pequenas (mas poderosas) narrativas de cada pessoa. São algo tão variado quanto toda a paisagem, mas têm em comum as sensibilidades e os desejos das gentes, as inteligências populares, misturadas às devoções, às místicas e à vivência mágica dos seus mistérios. Artesãos e artesãs colocam ali sua própria história, e é essa a força criativa de um grande (hiper)texto – mãos e mente integradas.Teria este povo a vida nas mãos?

Márcio Simeone Henriques

 UFMG




terça-feira, 2 de setembro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - A Cova de São Sabino

Foto: Internet

 

Às margens de uma estrada em Pedra Azul, encontra-se uma singela capela, sempre iluminada por velas deixadas por fiéis. Conhecida como Cova de São Sabino, ela está situada a 27 km da área urbana e é símbolo de fé e devoção popular. Sua origem remonta a uma lenda marcada por dor, injustiça e redenção.

Sabino era um vaqueiro humilde, natural de Encruzilhada, na Bahia, que trabalhava nas redondezas de Pedra Azul. Segundo a lenda, ele foi vítima de uma cruel injustiça. Uma jovem, hospedada na fazenda onde Sabino trabalhava, engravidou de um dos filhos do fazendeiro. Pressionada pelos costumes da época e pelo medo do julgamento social, ela acusou falsamente Sabino de tê-la violentado.

O fazendeiro, para dar exemplo aos demais, ordenou que seus jagunços o espancassem e esquartejassem. Sabino foi morto de forma brutal e enterrado em uma cova rasa, em um local ermo e coberto pelo mato.

No dia do parto, a jovem enfrentou sérias complicações e temeu pela própria vida. Em desespero, dirigiu-se em oração ao espírito de Sabino, pedindo perdão e suplicando por ajuda. Prometeu que, se sobrevivesse junto com seu filho, construiria uma capela no local onde ele fora enterrado.

Após o parto milagroso, ela cumpriu sua promessa. Ao abrir a cova, todos se surpreenderam: o corpo de Sabino estava intacto, como se nunca tivesse sido esquartejado. No local, brotavam flores e jorrava sangue da terra. O povo passou a considerá-lo um santo, e assim nasceu a devoção a São Sabino.

A capela construída tornou-se um ponto de peregrinação. Durante o ano, inúmeros fiéis visitam o local, fazem promessas e deixam pedidos anotados em pequenos cadernos que ficam junto à cova. É comum encontrar objetos de fé, imagens de santos e diversas cruzes ao redor da capela, colocadas por devotos em agradecimento às graças alcançadas.

Uma das figuras mais emblemáticas da devoção a São Sabino é Alípia Teixeira, conhecida como Vó Lipinha, de 94 anos. Ela participa todos os anos da romaria à Cova de São Sabino, levando pedidos e a bandeira de São Sebastião. A peregrinação é marcada por alegria: os romeiros chegam tocando gaitas e bumbos, rezam o terço e fazem seus agradecimentos.

Vó Lipinha é também, uma guardiã das tradições culturais de Pedra Azul, mantendo vivas celebrações como a Folia de Reis, a festa de São Sebastião e a devoção ao santo popular da região.

A visita à capela se encerra com os reiseiros cantando o reisado em frente à pequena construção. Após saudarem São Sabino, os romeiros se despedem, pedindo saúde e proteção para que possam retornar no próximo ano.

Adaptado por Jô Pinto, com base no vídeo de @will Nascimento e texto do  Portal Minas.

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segunda-feira, 1 de setembro de 2025

MEMÓRIA CULTURAL - O legado de Seu Kelé do Arraial

 



 

Lá do céu evem caindo

Três raminhos do ful^

O do meio evem dizendo

Que este rio é meu amor...

É meu amor

O do meio evem dizendo

Lá do ccéu evem caindo

Três raminhos de fulo (Josino Medina)

 

No dia  20 do mês de novembro de 1950, nesta cidade de Araçuaí, nascia Clemente Pereira dos Santos. Conhecido por “Seu Kelé do Arraial”, comunidade de Araçuaí reconhecida como quilombola.

                   Um homem simples, alto, de cor preta, rosto traçando linhas do tempo mas sempre estampando na face o sorriso juvenil e esperançoso do amanhã. Sua fala mansa e serena acalentava e nos alegrava com a sua obstinação na labuta  de pai, esposo, trabalhador e artista; mãos calejadas pelo trabalho braçal,  cujas marcas se misturam a de tantos homens que contribuíram na abertura de estradas para que nossa região fosse transitável. Ele foi  funcionário do DER -Departamento de Estradas e Rodagens até se aposentar, órgão do estado de MG., instalado na cidade em terreno  do Coronel José Antonio Tanure, adquirido na gestão do José Zaiter Tanure ( período de 31/01/1951 a 30/01/1955).

                   Clemente Pereira dos Santos junto com seu amigo João Maria da Silva, fundaram o Coral Santa Teresa em 12 de outubro de 1987, que atraiu muitos adolescentes para cantar músicas regionais e animar as celebrações na Capela de Santa Teresa em Araçuaí. Coral apresentou-se pela primeira vez em um Festivale, no FESTIVALE da cidade de Itinga em 1998, depois em 2002 em Pedra Azul, 2007 em Joaíma e 2008 em Capelinha.

               Como artista esteve sempre na linha de frente com seu companheiro “Nilton Curió”, seu irmão de andanças e noitadas. Vimos a expressão de seu semblante entristecido ao perder seu amigo em 17 de janeiro de 2015. Eram inseparáveis, juntos participavam ativamente da rotina cultural dos seus grupos e do Centro Cultural de Araçuaí Nagô.

Mas adiante em outubro do ano de 2010 perdeu Jesuína Souza Santos “Zuma”, sua parceira de vida, que  lhe apoiava em tudo, causando  sofrimento e solidão.

Em 27 de agosto/2025, “Seu Kelé” nos deixou, fazendo sua passagem e se encantando como nossos griôs. Lembremos de suas contribuições, ajudando na realização das atividades do Centro Cultural de Araçuaí Nagô e mantendo de pé o Coral Santa Teresa.

 

Vai se o homem e fica seu legado.


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CONHECENDO O JEQUI - Cordões de Caboclos em Salto da Divisa

Fotos: Vilmar Oliveira   Cordões de Caboclos em Salto da Divisa: Uma Celebração da Herança Indígena Brasileira Última cidade do Vale do Je...