terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O ASSUNTO É? - Feira de sábado

 

Feira Mercado de Montes Claros - Foto: Internet

Acordava assustada com minha mãe chamando e nos sacudindo para despertar, pulávamos do jirau e ela nos dava café ralo com alguma coisa para comer. As roupas já estavam arrumadas, vestíamos rapidamente e saíamos para o frio da madrugada. No dia anterior, depois do pôr do sol já havíamos levado as mercadorias para o ponto de ônibus, ela vendia bananas no mercado aos sábados. Os sacos muito pesados de bananas eram levados por ela, na cabeça, não sei como aguentava, tão magra e pequena. Meu irmão e eu, ainda pequenos também levávamos um volume pesado na cabeça, cada um.  Lembro-me de que sentia as juntas de minha coluna se torcerem, achava que não ia aguentar, mas me esforçava, para fazer jus à força de mãe. No sábado de madrugada, rumávamos para o ponto, agora sem nada de pesado nas mãos. O frio era cortante, o céu apinhado de estrelas ainda, de vez em quando via uma correr, mãe mostrava uma formação constelar e dizia serem as três Marias, outra o caminho de São Miguel, acolá o cruzeiro do Sul. O céu lindo, ia clareando aos poucos conforme andávamos rápido, tropeçando nas pernas e nos buracos da estrada, sentindo o sono nos olhos, o frio na pele e animação pela viagem na jardineira de Renato. Quando chegávamos ao ponto, já haviam vários feirantes acocorados em torno de uma fogueira, enrolados em cobertas, com as mercadorias em torno. Ficavam contando histórias sobre as vacas e as roças. Mãe ria e baixinho comentava conosco: “olha, quem conta um conto aumenta um ponto”. A jardineira chegava e ela colocava os volumes pesados dentro, não recebia ajuda de ninguém, hoje sei a razão, as mulheres pretas não costumam ser ajudadas, são consideradas mais fortes. No mercado ocupava uma banca com um primo de meu falecido pai. Há cada sábado a metade reservada às nossas mercadorias ia reduzindo, o primo ia ocupando mais espaço e nos empurrando para o canto. Assim, com o tempo, minha mãe acabou por desistir da banca, pois sentiu que não era bem-vinda ali.  Apesar das injustiças que presenciei na infância, tenho boas lembranças daquele tempo. Tive tantos aprendizados com minha mãe, de tanto ver, ouvir e vivenciar as dificuldades dela, testemunhar sua força, garra, coragem e amor por nós, aprendi a amar também, a cuidar de quem está por perto. Lembro que jamais a vi doente durante toda a minha infância, tanto que já adolescente, ela teve uma crise de dor na coluna e eu a acompanhei no hospital. Fiquei muito preocupada ao ouvir seus  gemidos altos de dor, pois ela jamais se permitiu deitar, mesmo doente, estava sempre de pé, demonstrando força. Representava para mim alguém indestrutível, uma fortaleza. Quando, décadas depois ela partiu, senti como se tivesse perdido uma parte significativa de mim mesma.

Por




2 comentários:

  1. Querida Rosana, sempre tão sensível nos relatos. Identifiquei na parte que vc fala da força da sua mãe. Obrigada pela partilha.

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  2. Obrigada pela consideração em ler e comentar. As memórias nos ajudam no processo do luto.Abraço

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