Feira Mercado de Montes Claros - Foto: Internet |
Acordava
assustada com minha mãe chamando e nos sacudindo para despertar, pulávamos do
jirau e ela nos dava café ralo com alguma coisa para comer. As roupas já
estavam arrumadas, vestíamos rapidamente e saíamos para o frio da madrugada. No
dia anterior, depois do pôr do sol já havíamos levado as mercadorias para o
ponto de ônibus, ela vendia bananas no mercado aos sábados. Os sacos muito
pesados de bananas eram levados por ela, na cabeça, não sei como aguentava, tão
magra e pequena. Meu irmão e eu, ainda pequenos também levávamos um volume
pesado na cabeça, cada um. Lembro-me de
que sentia as juntas de minha coluna se torcerem, achava que não ia aguentar,
mas me esforçava, para fazer jus à força de mãe. No sábado de madrugada,
rumávamos para o ponto, agora sem nada de pesado nas mãos. O frio era cortante,
o céu apinhado de estrelas ainda, de vez em quando via uma correr, mãe mostrava
uma formação constelar e dizia serem as três Marias, outra o caminho de São
Miguel, acolá o cruzeiro do Sul. O céu lindo, ia clareando aos poucos conforme
andávamos rápido, tropeçando nas pernas e nos buracos da estrada, sentindo o
sono nos olhos, o frio na pele e animação pela viagem na jardineira de Renato.
Quando chegávamos ao ponto, já haviam vários feirantes acocorados em torno de
uma fogueira, enrolados em cobertas, com as mercadorias em torno. Ficavam
contando histórias sobre as vacas e as roças. Mãe ria e baixinho comentava
conosco: “olha, quem conta um conto aumenta um ponto”. A jardineira chegava e
ela colocava os volumes pesados dentro, não recebia ajuda de ninguém, hoje sei
a razão, as mulheres pretas não costumam ser ajudadas, são consideradas mais
fortes. No mercado ocupava uma banca com um primo de meu falecido pai. Há cada
sábado a metade reservada às nossas mercadorias ia reduzindo, o primo ia
ocupando mais espaço e nos empurrando para o canto. Assim, com o tempo, minha
mãe acabou por desistir da banca, pois sentiu que não era bem-vinda ali. Apesar das injustiças que presenciei na
infância, tenho boas lembranças daquele tempo. Tive tantos aprendizados com
minha mãe, de tanto ver, ouvir e vivenciar as dificuldades dela, testemunhar
sua força, garra, coragem e amor por nós, aprendi a amar também, a cuidar de
quem está por perto. Lembro que jamais a vi doente durante toda a minha
infância, tanto que já adolescente, ela teve uma crise de dor na coluna e eu a
acompanhei no hospital. Fiquei muito preocupada ao ouvir
seus gemidos altos de dor, pois ela
jamais se permitiu deitar, mesmo doente, estava sempre de pé, demonstrando
força. Representava para mim alguém indestrutível, uma fortaleza. Quando,
décadas depois ela partiu, senti como se tivesse perdido uma parte
significativa de mim mesma.
Por
Querida Rosana, sempre tão sensível nos relatos. Identifiquei na parte que vc fala da força da sua mãe. Obrigada pela partilha.
ResponderExcluirObrigada pela consideração em ler e comentar. As memórias nos ajudam no processo do luto.Abraço
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