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“Como, mulher, tu não querias andar assim, se tua
essência é esta?” (Thaisa Martins)
Cabelo. Parece algo simples e, geralmente, é reduzido apenas
ao gosto pessoal de quem o tem.
O gosto, se sentir bem como aquilo que está em cima da sua
cabeça, é fundamental, óbvio. Mas acho importante conversar para além da
aparência, do mero penteado, textura ou cor de um cabelo.
Pensando o meu lugar, como mulher negra, venho aqui comentar
que cabelo, para nós, negras, não se trata apenas de uma questão de estilo ou
modismo. É um símbolo e pode ser compreendido como um instrumento de
resistência.
Em 2021, completou-se oito anos em que eu, finalmente,
deixei o meu cabelo se expressar naturalmente. Dos 6 aos 23 anos passei pelos
tradicionais rituais de chapinha e alisamento químico. Sim. Foram mais de 15
anos nesta rotina! Permitir com que meu cabelo pudesse, enfim, ser ele, foi a
abertura para algo muito maior e profundo, que envolve o processo de
reconhecimento como mulher negra. E afirmo que isso é um processo, porque de
fato é. Somos um país que viveu quase quatro séculos de escravização do povo
negro, e os diversos mitos de mestiçagens construídos aqui, retardou o nosso
reconhecimento como negros e negras, reduzindo-nos a nomenclaturas, que nos
impunha à aproximação ao branqueamento, como “moreno” e “marrom bombom”.
Por isso, não é de hoje que corpos negros incomodam a
sociedade ou são hiper sexualizados, tratados como objetos e, que, portanto, as
pessoas se sentem na permissão de tocar, sem a permissão, ou de dar opinião
sobre, sem sequer serem questionadas. Portanto, afirmo que o cabelo crespo é
resistência, porque incomoda a sociedade e a afronta, a enfrenta.
No início deste ano, em um reality show, o nosso
cabelo, por ser volumoso e crespo, foi comparado como a peruca que compunha a
fantasia de um “homem das cavernas”. O nosso cabelo pode ter uma aparência tida
como ressecada, para a sociedade, porque a oleosidade natural do couro cabeludo
não chega facilmente até as pontas, como no cabelo liso, por exemplo. Afinal,
há muitas curvas e cachinhos envolvidos neste trajeto, o que impede uma
hidratação contínua do próprio couro cabeludo. Então, a meu ver, olhando para a
referida peruca exposta no reality, eu não nego a semelhança. Agora,
usar isso como recreação é que deve ser altamente repudiado, porque, de fato, é
racismo, pois oprimiu a nossa identidade ao fazer chacota de um símbolo tão
importante que a compõe, como o cabelo.
Na ocasião do referido reality, como era de se
esperar, o tratamento dado a esta questão foi meramente individual. Daí, a
importância de refletirmos sobre o racismo como algo estrutural, pois de tanto
estar presente nos diversos espaços da sociedade, chega até a aparecer como se
fosse entretenimento.
Para terminar, quero dizer que sou muito grata a escritora
Djamila Ribeiro por, no ensaio autobiográfico expresso em seu livro “Quem tem
medo do feminismo negro?”, ter me mostrado que o que eu passei, durante a
infância, na escola, não era brincadeirinha, ou mesmo, bullying. O que
eu passei foi racismo. Ser segredada de espaços por ter cabelo crespo não é
simplesmente briguinha de coleguinhas, e continuar a ser alvo de chacotas
quando o alisava é algo que só quem viveu sabe do que se trata. Lembro
direitinho do dia em que, no ônibus escolar, um colega de aula puxou o
prendedor do meu cabelo e cantou a música da propaganda de esponja de aço
“Assolan”. Eu fiquei muito envergonhada e desesperada. Hoje, quero dizer para
atitudes como esta que podem soltar o meu prendedor, que eu balanço os meus
cachos e peço que saia do meu caminho, porque eu quero passar com o meu black.
Afinal, como diz a música cantada na voz de Gal Costa: “Quem disse que
cabelo não sente? (...) Cabelo vem lá de dentro (...)”.
Perfeita reflexão, o nosso cabelo é muito mais que um cabelo, é um símbolo de muita resistência. Passar pela transição capilar nos faz entender não só como lidar com a nossa naturalidade, mas também como rememorar a nossa ancestralidade. O cabelo natural da brilho aos nossos rostos e felicidade a nossa alma. Parabéns Thaisa pelo texto, me senti muito bem representada. Viva às mulheres negras!! ❤️🥰
ResponderExcluirGratidão, Raquel, querida! Você me inspira! Viva às mulheres pretas. Vivaaaa às mulheres do Vale.
ExcluirAdorei amiga, que bom ver você falando sobre isso com essa propriedade de quem viveu e com certeza esse relato vai ajudar muita.gente a se aceitar também 😘🌹
ResponderExcluirGratidão, minha amiga. Que bom ler isso. Muito obrigada por todo o incentivo.
ResponderExcluirParabéns, Thaísa! Aprendo muito com você e sua história! Que nossos cabelos sejam respeitados. E que cada vez mais as meninas negras se identifiquem com ele ao natural!
ResponderExcluirObrigada, querida
ExcluirQue linda, profunda e intensa reflexão mana .
ResponderExcluirSua ousadia muito me orgulha.
Parabéns pelo seu processo de autoconhecimento e fortalecimento de identidade.
Gratidão por esse testemunho de força e resistência!!!
Seguimos na luta enfrentando o racismo diário.
Muito orgulho de você!!!!
Continue brilhando com seu cabelo...com sua coroa.....
Te amo!!!
Oh gracinha. Me emocionei. Gratidao, irmã que tanto amo. ❤
ExcluirParabéns, Thaisa! Seu texto é cirúrgico. É imprescindível tratarmos desse tema cotidianamente. Ainda temos inúmeros preconceitos "arcaicos" se assim possamos dizer que aos poucos vão sendo "modernizados". Não podemos permitir que isso aconteça. Textos como o seu funcionam como vacinas. Quanto mais gente falando sobre, melhor! Seguimos na luta. Ass: Poeta Incensurável.
ResponderExcluirObrigada pela contribuição, Poeta ❤. Sigamos 💋
ResponderExcluirThaisa, minha querida! Texto-relato maravilhoso, sensível e necessário. Que sua força e seu cabelo possam ocupar os espaços por aí, abrindo caminho para muitas outras que também carregam a identidade racial na cabeça, mesmo que ainda não tenham se dado conta do processo, afinal quando falamos do cabelo, não é só cabelo. Abraços.
ResponderExcluirNilane, querida, você me inspira tanto. Muita gratidão por este retorno. Abração.
ExcluirMuito poderoso!Amei!
ResponderExcluirObrigada!
ExcluirCabelo é identidade e remete ancestralidade! Que texto incrível! Força, sensibilidade, cultura e resistência! O caminho é longo, mas a vontade de lutar é maior!
ResponderExcluirParabéns ❤️
Gratidão, manda, querida!
ExcluirThaisaaa, que texto, minha querida! Adorei! Curti a fluidez.
ResponderExcluirGratidão, Maiara, querida!
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