segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

MEMÓRIA CULTURAL - Capela de Santa Cruz

Foto: Angela Freire

Uma construção no alto de morro, da Rua Aimorés, próxima a Igreja Matriz de Araçuaí, em estilo singular,  numa arquitetura vernacular, encontra-se a Capela de Santa Cruz. Ela sofreu durante muitos anos, com o isolamento que provocou  processo de arruinamento, mas no bojo das memórias, não faltaram histórias para compor a sua existência neste  local.

Nunca houve nenhum estudo, que comprovasse a verdadeira origem deste templo. Mas as fontes  orais não permitiram o esquecimento deste bem, segundo João Guimarães Rosa: “Só sabemos de nós mesmos com muita confusão”. Então temos de reconhecer que a comunidade  constrói o saber que a sustenta, e o saber da religião popular é uma memória salva pelas redes sociais de trocas  e a religiosidade popular não é acervo histórico, mas manifestação de vida, ao qual a vida social não pode ser explicada unicamente pela concepção dos que dela participam, já que há causas profundas que escapam à consciência dos falantes.

Na busca para se explicar a Capela de Santa Cruz, a oralidade popular nos oferta algumas versões, das quais mencionamos algumas mais freqüentes, entre as pessoas mais velhas, que ouviram falar sobre esta capela:

I.Teria sido local de sepultar pessoas que cometiam suicídio. Antigamente a Igreja Católica não permitia sepultar os suicidas com outras pessoas, pois consideravam o cemitério da cidade, como “campo santo”, por isso não podia macular o lugar, enterrando pessoas que cometeram tal pecado.

II. Em frente à capela, havia um cruzeiro com os símbolos do martírio de Cristo. Por isso contavam que o templo, servia para guardar os objetos da semana santa.  Relata inclusive um episódio, decorrente a uma das enchentes que assolaram a cidade, todos os paramentos, alfaias e imagens foram perdidas, e, o esquife com Senhor morto, teria sido encontrado chegando no encontro das águas do Araçuaí, com o Jequitinhonha.  Na ocasião os Franciscanos mandaram  construir a Capela de santa Cruz . Havia inclusive a celebração em 3 de Maio, anualmente, para comemorar a festa de Santa Cruz. A programação era composta de terço, procissão, o cruzeiro e a capela eram iluminados com lamparinas de azeite.

III. A mulata Luciana Teixeira, fundadora da cidade, teria erguido a capelinha no alto do morro, para poder rezar. Após o desentendimento com o Padre em Itira, não podia entrar em nenhuma igreja católica. Havia a restrição, quanto às  prostitutas, elas não podiam entrar em igreja, por estarem vivendo em pecado.  Mesmo sem o vigário, era celebrada a festa de Santa Cruz, no dia 3 de Maio.

 Tal devoção possui raízes em Portugal, prática religiosa que persiste por alguns lugares do país. A festa  de santa Cruz, caiu no esquecimento, mas a capela ainda resiste a um passado de muitas histórias  que o povo conta e reconta, em suas  diferentes  versões.

Dizem  ainda que, havia o costume no dia da festa de Santa Cruz, o povo ao redor do cruzeiro , fazia a penitência de cem vezes ajoelhar-se e levantar-se, fazendo o sinal da cruz  a reza:

Alma minha, ponha-se rígida e forte, que a morte é certa e ela virá. No caminho encontrará o inimigo da alma e assim dirá: Arreda Satanás, que em mim em parte nenhum não terá. No dia de Santa Cruz, cem vezes me ajoelhei, cem vezes me  “apelosinei!”

 

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