segunda-feira, 4 de outubro de 2021

MEMÓRIA CULTURAL - O Motorista da ambulância

 


O ofício de motorista de ambulância merece nossas considerações, pois são trabalhadores que lidam com a fragilidade das pessoas entre a morte e a vida.Atualmente muitas estradas estão sendo recuperadas, a manutenção ocorre com mais freqüência e existem mais funcionários para esta função. Porém antigamente o número era reduzidíssimo.

            Ouvi de um motorista experiente, um episódio ocorrido com seu colega, pelos anos da década de 1990.

            Um motorista de ambulância de uma cidade do interior mineiro, foi levar um doente à Belo Horizonte. Após a internação do paciente, preparava-se para retornar, quando um enfermeiro veio ao seu encontro, para avisar-lhe que acabara de falecer um paciente da sua cidade.

Naquela época não havia tantos protocolos, o pobre falecido, nem sequer caixão lhe dera, simplesmente a ordem era: pegar o corpo e despejar na ambulância.

            O destino era uma comunidade rural distante da sede, o motorista pretendia entregar aquele corpo e descansar, pois, fazia três dias, trabalhando sem parar. Porém um empecilho surgiu, porque sendo novato na função, quase não conhecia as pessoas. Logo, não sabia da comunidade que o falecido pertencia. Sabia apenas da direção da comunidade, isso era suficiente.

            Na estrada para a comunidade começou a indagar as pessoas que encontravam, pois tinha a ficha do hospital, mas nessa região se conhece mais pelos apelidos. O jeito era descer do carro, abrir a traseira e mostrar o pobre.

            Em certo caminho, avistou um grupo de jogadores, num campinho de terra, solicitou ajuda de um deles para reconhecer o corpo e ensinar o trajeto da casa. Sendo reconhecido, informou-lhe que a família já aguardava, ensinando o trajeto para percorrer.

 Assim seguiu, ao avistar uma serra, percebeu que logo anoiteceria, decidiu apertar o pé no acelerador para chegar mais depressa. Subindo e descendo ladeira finalmente avistou um movimento ao longe. Era a família enlutada, a mulher desesperada, em prantos, os mais jovens correram para aproximar-se do carro, para   tocar no seu ente querido e velar como de costume naquela redondeza.

            O motorista ao descer, percebeu algo estranho: a porta traseira balançando. Estremeceu na hora: __cadê o defunto?  

Tornou a olhar direito, mas não havia ninguém.  O motorista com jeitinho pediu licença e   arrancou o carro ladeira abaixo, perguntando aqui e ali, olhando para fora da janela.  Até que alguém gritou numa ribanceira: __está aqui!  O defunto tá emborcado!

Lá estava o pobre coitado ao relento, escorrido ladeira abaixo, ainda bem que foi detido por um galho de árvore e amortecido pelas folhagens que havia por ali.

Pegou o defunto, rapidamente com a ajuda dos homens que estavam ali, roçando, colocando no veículo.

            Chegando novamente na casa, aquela choradeira danada. Mas finalmente, o morto foi entregue para ser velado e descansar em paz. E o motorista todo sem graça, fez a despedida e partiu. Ele  de tão assustado que ficou, desistiu da função. Todos da redondeza recordam deste episódio, para lembrar da dureza que era a assistência para uma pessoa de zona rural.


Por



 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 comentários:

  1. Que texto formidável! Adorei, sua narrativa nos possibilita vizualizar tudo. Muito bom!

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  2. Exercitando nossas conversas, nas andanças com o povo.

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