Imagem Internet |
A
inocência tem um poder que o mal não pode imaginar.
- O
Labirinto do Fauno
Mineiro na praia é até bonito de se ver. Eu gosto de quem consegue ainda olhar, para o que quer que seja, com encantamento. Essa coisa de não ter, deixa a gente num gostar meio desajeitado. Pela falta de trato mesmo. Ainda aqueles que dedicam todas as suas férias em viagens litorâneas, não conseguem desenvolver aquela familiaridade do convívio.
O meu pequeno, já não tão pequeno assim, parou logo que chegamos e botou reparo intenso naquele mundão velho d’água a nossa frente. Sentou-se na areia e disse tranquilamente, quase para si mesmo:
— Vou prender o mar.
Eu ri, bastante descrente, coisa que se ele percebeu não se importou, porque começou a remexer na areia. Para forjar uma brincadeira e despistar meu descaso, falei sem muita convicção:
— Também vou ter o mar. Vou me tornar presidente do Brasil.
— Mãe, o Brasil não é dono do mar.
— Uai. Então, vou me tornar presidente da ONU.
— A ONU divide as coisas, Mãe. Vão te tirar de lá logo.
— Tá difícil, viu. Deixa eu ver... vou me aliar a extraterrestres.
O silêncio dele falou por si. Parei de teimar e me calei, observando aquele imenso todo que era ainda só um pedacinho do oceano.
- Escreve um poema, Mãe. Você é escritora.
Sorri. Claro. Peguei o caderno e comecei a rabiscar versos de um mar todinho e só meu. Metáforas do tão complicado amor. Quando acordei do transe poético olhei para o meu filho, sereno, dedicado à empreitada de brincar.
— E você, filho, quando pretende prender o mar?
— Hoje.
— Pois já devia ter começado.
— Já comecei.
— Já?
— Vou fazer um buraco.
Sorri genuinamente e voltei a me dedicar a apossamentos de mares e amores. Não percebi que a maré subia. Meu filho se aproximou com os olhinhos reluzentes e me cutucou.
— Está quase!
Quando olhei para o mar, vi que ele veio muito perto, deixando um pouco de água num, até singelo, buraco perto de nós.
O sorriso do garoto iluminou o sol.
Na volta do mar, a areia sedenta bebeu praticamente toda a água que restara no buraco, sobrando talvez menos do que um litro ali. Ingênua, ainda me atrevi.
— Filho, você não tem o mar. Olha o tamanho dele, isso aí mal enche um copo.
— Tenho o suficiente.
Arqueei as sobrancelhas. Ele me olhou, com a ciência de quem dizia o óbvio.
— Eu não preciso do mar todo.
Respirei profundamente o ar impregnado da sabedoria genuína. O pequeno se pôs a brincar com seu suficiente e pleno mar.
— Nem eu – respondi ensimesmada.
Quando foi que crescer levou embora minha liberdade?
Herena Barcelos
Por
Uau! Que texto maravilhoso de poético.
ResponderExcluirQue texto encantador!
ResponderExcluirAdorei!
ResponderExcluir