Era uma
criança de aproximadamente sete anos, muito apegada ao meu pai. Era sábado, sabia
que era dia de feira, porque ficava
contando os dias para que meu pai trouxesse frutas, doces, sempre chegava com a
cesta cheia de coisas gostosas. Excepcionalmente neste dia, fui avisada que não
havia feira, por causa da eleição, meu
pai tinha saído muito cedo.
Minha mãe vendo minha inquietude pela casa, resolveu
visitar sua sobrinha que havia ganhado criança. Ela tinha costurado camisolas
lindas e levaria para presenteá-la.
Saímos à
tarde, havia um movimento pelas ruas por causa da votação. Não entendia direito
aquilo, mas ouvia falar em casa, nas ruas e as pessoas comentavam o tempo todo.
Na casa da
minha prima, podia correr e brincar com outras crianças á vontade. Porém, já
tardezinha, entrou correndo pela casa adentro uma mocinha, outra prima, procurando por minha mãe. Estava ofegante
e tão logo avistou minha mãe, já foi disparando:
__”Tia, chegou um tanto de
polícia. Falaram que são polícias das cidades vizinhas para dar reforço
ao grupo daqui. Estão armados até os dentes! Falaram que estão
querendo pegar seu marido e o irmão dele. E os dois estão no boteco, bebendo ali”. Apontando para
a direção.
Neste mesmo
instante, a mãe levantou-se e foi ter com o marido e o cunhado. E eu, também
saí em disparada a protestar na frente
de mamãe, implorando e sapateando, típico de quem sabia fazer birra, para
conseguir o que quer: __“Eu quero ir, também. Deixa eu ir. Eu quero ver meu pai”
.
Não deu outra, minha mãe, pegou minha mãozinha e saiu ligeiro
para o bar. Logo avistou o marido e o cunhado e vários homens bebendo, pareciam comemorar
algo. Ela tentou lhe avisar dos policiais na cidade, pediu que pelo menos
guardasse as armas, não era seguro. Porém meu pai ficou irritado e até gritou
dizendo: __” Ninguém manda em mim. Daqui não saio! “
Mas o irmão do
meu pai, lhe acalmou e propôs a saída juntos: eu, mãe, pai e meu tio. Tínhamos
acabado de entrar num carro, tipo jipe, quando aproximou-se muitos policiais armados,
rodearam o carro, dando voz de prisão aos dois. Cercados meu pai e seu irmão,
desceram do carro, com as mãos levantadas, recriminando aquela ordem, sem
motivo.
Quando olhei em direção ao bar, havia um
corre-corre de pessoas fugindo. Estávamos sozinhas, naquela situação, assisti
as cenas mais cruéis! Aqueles policiais batendo no meu pai e no meu tio. Para mim e
minha mãe só restava pedir aos gritos e em prantos. Uma gritava: “Não bate no
meu marido, pelo amor de Deus!” e eu, tremendo, pulava de desespero, querendo
salvar meu pai, levando ponta-pés,
chutes e murros: __”Pai, ele é meu pai, larga ele, faz isso com ele , não”...
Após aquela
sessão de espancamento, minha mãe e eu conseguimos levar meu pai para dentro do recinto daquele bar,
colocando-o sentado, todo ensangüentado e machucado.
Eu de um lado e minha mãe do outro, em
prantos e apavoradas, quando levantei os olhos, avistei um homem na porta do bar, com sua arma apontada que
disparou num golpe certeiro, no peito de meu pai, já indefeso e ensangüentado.
Ali mesmo escorrendo da cadeira, ajoelhando-se. A bala penetrada fez um
buraquinho no peito dele, mas estraçalhou-lhe as costas.E minha voz ecoou: ___” Você matou meu pai!” Parecia que
tinha arrancado as costas de papai, espirrando sangue por todo lado.
Daí, só me lembro de ser colocada num carro, chorando e implorando
que queria meu pai. Ainda desesperada e
assustada, gritava: __”Porque mataram ele? “E o homem dirigindo falava que não
tinha matado. Até chegar à casa de outra
sobrinha da minha mãe.
Soube por
conversas às escondidas, que meu tio, foi levado arrastado para a cadeia. E
nunca mais soube ao seu respeito, porque fomos embora da cidade, mas nunca
consegui esquecer este episódio.
Em situações
assim, nos dias atuais, horrores noticiados contra um país da Europa. Quanta
criança atormentada, crescerá sobre estes efeitos nocivos?
No Vale do Jequitinhonha também já se viu a tormenta provocada pela força bruta da política a “ferro e fogo”. Toda atrocidade fica prescrita um dia, mas os instantes das perdas e violências, jamais serão apagadas das mentes que os deixarão atordoadas. Aquelas criaturas que sobreviverem, talvez consiga ao menos contar em súbita lucidez e sanidade, como esta menina, que hoje descreve uma tragédia prescrita.
Contribuição de Frediano Olímpio Martins
Por
Nossa! Que forte!
ResponderExcluirForte e real, retrata várias situações similares que ocorrem pelos becos, botecos e dentro de casa. Sórdida memória de muitas infâncias que o adulto que a vivenciou carregará para sempre. È preciso acolhida e escuta para amenizar o fardo.
ResponderExcluir