Retirantes, peças em, argila do Mestre Ulisses Mendes de Itinga/MG |
Passou
a mão na rodilha e na lata, calçou as sandálias e desceu a trilha da cacimba,
de longe ainda ouve os gritos dos meninos brincando ao redor da casa. O sol
castigando, a terra seca ganha tons avermelhados, despida de verde. É raro
vento. Um cheiro de capim gordura no ar, o pouco que restou da fome do gado. É
setembro, se Deus não tiver dó, não sei o que será de nós aqui, pensa, enquanto
desce o morro. Carece de fazer uma novena, com procissão, carregar umas pedras
até o pé do cruzeiro pra ver se chove. Dia de São José sempre chovia, mas nesse
ano não caiu uma gota. O povo já está
arando terra, dá pra ver de longe. Sente no ar o cheiro de assa-peixe, a planta seca solta um cheiro bom. De dia é
quente, de noite gela. É preciso se aconchegar bem com as crianças no colchão
de palhas de bananeira. Quando se aproxima da cacimba, já sente o frescor da
água escondida entre as bananeiras. Tira as lascas de aroeira que cobrem a
abertura. A água cada dia baixa mais, vai enchendo a lata, depois raspa a argila do fundo, pra
destampar os minadouros. Tomara que chova logo. Se chover, não só a cacimba
enche, mas também as barrocas. A água das barrocas serve para lavar roupa,
molhar horta e para o gado. A água da cacimba por ser mais leve é para beber. Uma borboleta azul
passa perto, muito rápida, se esconde entre as açucenas que nascem na beira da
cacimba. Refaz a rodilha torcendo e
enrolando o pano e coloca no alto da cabeça, então se abaixa, ergue a lata, a
segura com o osso do quadril e, num gesto ancestral a alavanca ao topo da
cabeça. Gotas de suor brilham na pele negra. Olha ao redor e solta um suspiro
longo antes de iniciar a subida da ladeira.
Dedico
este texto a Maria de Jesus P. dos Santos (in memorian), minha mãe e a todas as
mulheres negras do Vale do Jequitinhonha, Alto Rio Pardo e Norte de Minas que
lutam contra a seca e/ou a escassez.
Por
Adorei o texto. Parabéns
ResponderExcluirOh! Thaisa, obrigada 🥰
ResponderExcluirFiquei emocionada aqui. Lembrei muito da minha mãe as suas vivências. Adolescente eu lembro dela carregando água pra colocar no pé do cruzeiro com o intuito de chuva. Obrigada pelo lindo texto!
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