quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

DIÁRIO DE LEITURA - Entrevista com o poeta Trabion Mendes



Entrevista com o poeta Trabion: o homem que nasceu na roça onde a casa se chama choça

Soll Santos - Quando a gente encontra o poeta Eronilto Mendes Soares, mais conhecido como Trabion Mendes, entende rapidamente que ele não é apenas alguém que escreve versos. Ele vive poesia. Nascido em 22 de janeiro de 1963, em Jacinto, naquele pedacinho de mundo chamado Vale do Jequitinhonha, ele carrega nas palavras o cheiro da mata, o canto da passarada e a memória viva de sua gente. Autor de livros como Contos que Eu Conto (2004), Mágoas de um Lavrador (2008), Meu Caminhar (2011), Aventuras e Amarguras Culturais (2019), Minha Terra Tem Costumes (2025) e o cordel Espelho de Bolso (2013), ele também integra a ANELCA-Academia Nevense de Letras, Ciências e Artes, desde novembro de 2023, e é membro imortal da Academia de Letras do Brasil/Minas Gerais/Região Metropolitana de Belo Horizonte, ocupando a cadeira nº 64.

Entre uma boa prosa, risadas, causos e lembranças, Trabion conversou com o blog sobre sua trajetória, seu amor pela natureza e a força da poesia no Vale.

Acompanhe.

“Nasci na roça onde casa se chama choça…”

Para começar a conversa, perguntei: “Quem é o poeta Trabion por trás das palavras?”

Ele sorriu antes de responder -aquele sorriso de quem guarda a infância no bolso:

Trabion é esse cara que nasceu lá na roça onde casa se chama choça, onde a passarada faz a festa, saindo da mata pra cantar em pleno voo acorde de uma seresta. Sou um cara que leva a vida contando e cantando as coisas do Jequitinhonha.”

Venho de uma família com muita gente ligada à arte. Alguns sobressaíram, outros não. Em 2001, parei de beber, eu tinha um histórico complicado com o alcoolismo. Para preencher o vazio que ficou no peito, comecei a escrever. Eu dizia que eram minhas ‘besteiras’… depois é que percebi que dava um livro.”

E assim ele já abre a porta de sua poesia.

O dia em que a escrita chegou para preencher um vazio.

“Para preencher o vazio que ficou dentro do peito, comecei a escrever. Eu falava que eram minhas besteiras… depois é que percebi que dava um livro.”

E deu. Vários.

Inspirações que vinham da roça… e do rádio

Trabion recorda que: “Tive muita influência do rádio. Meu pai ouvia muito rádio, minhas irmãs também, e eu lia muitos livrinhos de bolso, aqueles faroestes, na adolescência. Tive influência do poeta e escritor Jota Neves (de Mata Verde) e do Eldwin Mendes da cidade de Rubim.

 E as músicas dos anos 80 também: Fagner, Zé Ramalho, Alceu Valença, Zé Geraldo… músicas que são verdadeiras poesias. Isso me despertou para o mundo da arte.”

A primeira poesia: “Vida que se vive”

Ele começou com frases soltas, mas sua primeira poesia de verdade foi “Vida que se vive”, publicada no primeiro livro, lá em 2004. Ele recita de cor o início:

“Nasci lá na roça onde casa se chama choça, onde a passarada faz a festa…”

É impossível não enxergar a cena.

Ainda na boa prosa, pergunto: O que mudou na escrita?

Quase nada, segundo ele:

“Sempre falei da natureza, da vivência roceira, do dia a dia. Continuo falando. É meu lugar de pertencimento.”

E talvez seja isso que encanta os leitores: ele escreve como quem conversa.

Inspiração: Deus, o Vale, a lua e… a motocicleta

A inspiração não tem hora marcada:

“Às vezes fico dias sem escrever. Às vezes, andando de moto pela estrada, ela vem de uma vez. Aí tenho que parar, abrir a capanga, pegar o papel e escrever. Se não, some.” Por isso sempre carrego papel e caneta na capanga.”

Ele ri ao lembrar que já escreveu poesia no meio de multidão, em quadras de esporte, sentado em praça. Poeta é bicho vivido.

Os cinco livros e um cordel

Quando pergunto quantos livros ele tem, a resposta é cheia de afeto:

“Tenho cinco livros e um cordel. E agora lancei Minha Terra Tem Costumes, que junta muita coisa dos anteriores.”

Para ele, todos são especiais:

“Livro é filho que nasce. Não tem como escolher um só.”

Mas admite: às vezes lê uma poesia antiga e pensa: “Fui eu mesmo que escrevi isso?”

São aquelas que brotam do fundo da alma.”

Poesia: válvula de escape para o mundo

Questiono Trabion sobre a poesia no mundo atual, especialmente entre os jovens e ele é direto:

“É uma válvula de escape. Um jeito de estar em harmonia. E os jovens precisam disso: escrever, exercitar o cérebro, se expressar.”

Da página para a música e para o palco

Trabion revela que algumas de suas poesias já viraram música e que escolas já encenaram seus poemas:

“É gratificante demais.”

O que ele espera do leitor

Ele responde com sensibilidade:

“Espero que se identifique com o que escrevo. Porque escrevo o que eu sinto e também o que muita gente sente e não sabe dizer.” “É o sentimento de muita gente que não consegue se expressar.”

O novo projeto: Minha Terra Tem Costumes

Seu foco atual é o livro recém-lançado:

“É um projeto de dois, três anos. Vou participar de eventos, ir nas escolas, apresentar o livro. É onde estou agora.”

Prolongo a conversa e questiono que conselho ele daria para quem quer começar a escrever

Ele cita a Bíblia:

“Ninguém acende uma vela e põe debaixo da cama.”

E completa:

“Coloque suas ideias no papel. Só assim elas serão vistas.”

“Tudo que fazemos precisa ser mostrado.”

ACADEMIAS E COLETIVOS

O Movimento de poetas e escritores,  aqui do vale do Jequitinhonha que eu participo e sou membro correspondente da ANELCA- Academia Nevense de Letras, Ciências e Artes, desde novembro de 2023, e também membro imortal da Academia brasileira de Letras do Brasil subseção Minas Gerais e região metropolitana de Belo Horizonte, ocupando a cadeira de nº 64, cujo patrono é Luiz Gonzaga.

A poesia do Vale: em plena ascensão

Quando pergunto como ele vê a poesia do Vale, ele abre um sorriso:

“Cada dia nasce um poeta, uma poeta. Eu vejo a poesia do Vale em ascensão. E gosto de incentivar quem está começando.” Já são 20 anos de carreira.”

E termina deixando uma frase que guarda como lema:

“Caminhar é seguir em frente conquistando cada palmo desse chão do nosso existir.”

E assim termina nossa entrevista com um poeta que transforma o dia a dia em verso, lembrança em encanto e vida simples em literatura.

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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - A metade da noiva, casamento malogrado

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Todas as vezes que subia as escadas do Colégio Nazareth, encontrava-me com o Frei Respício que voltava da sua aula de religião. Era um Frei Holandés de seus 80 anos. Abraçava-me, e sorria demonstrando alegria e amizade profunda.

Certa vez, fui convidado para ser padrinho do casamento religioso de Nelson e Mônica. Quando saía para a cerimônia religiosa minha esposa advertiu-me: "Não fica bem você ir em traje esporte." Voltei e coloquei o paletó e a gravata.

Apressei-me em sair, pois já estava em cima da hora. Ao chegar à igreja pessoas e amigos rodeavam os noivos ao pé do altar. Apressei o passo. Ao ver-me naquele traje, sorrindo, o Frei não teve dúvida; afastou o Nelson e colocou-me ao lado da noiva. Achei aquilo estranho, mas nada pude fazer, pois ele já dava conselhos da vida aos dois. Depois falou sobre a vinda de filhos e como deveria educá-los. O Nelson, que estava atrás, limpava a garganta, tossia, arrastava os pés demonstrando um nervosismo à flor da pele.

Em todo momento o Frei fez a pergunta de praxe: "É de livre e espontânea vontade tomar Mônica por sua legítima esposa?". Lá de trás o Nelson respondeu bem alto: "É sim senhor". O Frei retrucou: "Não estou te perguntando nada, fiz a pergunta a ele aqui', apontando para minha pessoa. "Padre, o senhor está casando a minha noiva com outro, advertiu o Nelson". Só assim o Frei notou o seu lamentável engano.

Fez a mudança de posição entre eu e o Nelson. Em seguida levou as mãos ao alto e disse: "Perdoe-me Deus pelo engano". Depois colocou as alianças. Abençoou os noivos e foi embora para a sacristia. Na saída, todos comentavam o engano do padre. O noivo ainda nervoso perguntou-me: "Como você entendeu esse casamento?". Eu, no meu gesto esportivo, respondi: "Pelo que o padre falou e ficou claramente explicado, a metade da noiva é minha e a outra metade é sua". "A sua metade você vai buscar lá na sacristia, tá? Vamos embora Mônica, antes que esse padre faça uma besteira maior". Muitos anos se passaram e até hoje o Nelson me pergunta se já apanhei a outra metade da noiva na sacristia.

 

Extraído do Livro “ Contos e Prosas “ de Severino Chiesa Onnis, Araçuaí/MG - 2009


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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

MEMÓRIA CULTURAL - Viva Marietta Baderna!

Imagem da Internet


Você já pronunciou alguma vez a expressão: “que baderna!” ou “aquilo foi uma baderna!”? Pois bem, pense sobre esta mulher a partir desta leitura:

Marietta Baderna nasceu em Castel San Giovanni, província de Piacenza, no norte da Itália, em 1828. Filha de Antônio Baderna, médico e músico, iniciou sua trajetória artística no balé, estreando aos 12 anos nos palcos. Ingressou na companhia de dança do Teatro Scala, em Milão, e aos 21 já se destacava como prima ballerina assoluta (primeira bailarina absoluta), conquistando sucesso em toda a Itália e em turnês por diversos países europeus.

Seu pai, em meio à ocupação austríaca na Itália, defendia publicamente o movimento democrático que agitava a Europa do século XIX. Durante a resistência, os revolucionários decidiram suspender a vida artística enquanto durasse a ocupação, e Marietta, militante, seguiu essa orientação. A perseguição política era intensa, e assim Antônio e sua filha decidiram cruzar o Atlântico. A família Baderna chegou ao Brasil em 1849.

A jovem bailarina foi recebida com entusiasmo pela sociedade conservadora carioca. Logo estreou no Teatro São Pedro (atual João Caetano), em 29 de setembro de 1849, com o balé Il Ballo delle Fate, conquistando enorme sucesso e repercussão na imprensa. Marietta não era revolucionária apenas em suas ideias políticas, mas também em seus costumes: gostava de festas, de beber, de sexo e, embora brilhasse nos salões tradicionais, preferia as ruas.

Nas ruas, apaixonou-se pelos ritmos e danças afro-brasileiras, como o lundu e a umbigada, considerados “escandalosos” pela sociedade escravista. Ela incorporou essas danças em suas apresentações e conquistou uma legião de fãs, chamados de “badernistas”. A palavra “baderna” passou então a ser associada a confusão ou tumulto. Ao unir a delicadeza do balé à força das danças africanas, Marietta tornou-se uma bailarina do povo, desafiando normas e valorizando a cultura negra em pleno século XIX, no Brasil escravocrata de D. Pedro II.

De espírito rebelde, participava de danças ao ar livre, em locais como o Largo da Carioca, junto aos próprios escravizados , um escândalo para a elite conservadora. Sofreu represálias: sua dança era relegada ao final dos espetáculos ou seus contratos não eram renovados. Em resposta, seus fãs boicotavam apresentações ou faziam “pateada” (batendo os pés no chão), interrompendo os espetáculos. Faziam, enfim, a maior baderna!

A epidemia de febre amarela de 1850, que matou milhares no Rio de Janeiro, levou 45 dos 55 artistas que haviam chegado com Marietta. Ainda assim, há registros de uma apresentação , em Recife, em 1851, com coreografias inspiradas em músicas de raízes africanas.

Há versões de que teria retornado à Itália após a morte do pai, ou de que Antônio não morreu e voltou com ela à Europa, onde Marietta teria dado aulas de dança. Com também há registros de sua atuação na França, em 1863, no Grand Théâtre de Bordeaux. De volta ao Brasil, foi contratada para a temporada de 1864-1865, mas enfrentou forte campanha moral contra seu trabalho.

Posteriormente, casou-se, constituiu família e encerrou a carreira de bailarina, tornando-se professora de dança e caindo no anonimato. Faleceu no Rio de Janeiro, aos 64 anos, em 4 de janeiro de 1892, sendo sepultada no Cemitério de São Francisco Xavier.

A forma como Marietta Baderna fez política, lutando pelo direito à cultura popular e pelo respeito às manifestações afro-brasileiras, incomodou e revolucionou a sociedade de seu tempo. Graças a ela, colhemos frutos de uma luta que, embora tenha deixado seu sobrenome associado a uma expressão depreciativa, representa resistência e liberdade artística. Mesmo sem ter vivido para assistir à abolição da escravatura, para continuar sua trajetória clamando por dignidade, justiça e liberdade, foi intensa e especial para o país.

Se você chegou até aqui, espero que tenha gostado de conhecer esta mulher incrível. Divulgue sua história, fale dela com orgulho e compartilhe a emoção que sua vida desperta. Para saber mais ainda, assista quando puder ao docudrama Marietta Baderna, dos Palcos ao Dicionário, dirigido por Mariana Alvim, com roteiro de Luciana Chamon. Estreado em 20 de fevereiro, nos cinemas Cinesystem Botafogo (RJ) e Frei Caneca (SP), o filme tem 72 minutos e resgatou a trajetória da bailarina italiana que sacudiu a sociedade carioca do século XIX com sua dança ousada e suas escolhas liberais.

 

Referências:

CORVISIERI, Silverio. Maria Baderna – a bailarina de Dois Mundos. Rio de Janeiro: Record, 2001.  

BUENO, Márcio. A Origem Curiosas das Palavras. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
https://ensinarhistoria.com.br/a-origem-da-palavra-baderna/ - Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues

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quinta-feira, 27 de novembro de 2025

DIÁRIO DE LEITURA - Dica de leitura, Livro "Confidências de Mulheres In-Visíveis do Jequitinhonha",

Imagem - Internet

A dica de leitura desta semana é Confidências de Mulheres In-Visíveis do Jequitinhonha, da autora Ana Luiza de Souza, uma mulher sensível e comprometida com as histórias e lutas femininas no Vale do Jequitinhonha. O livro apresenta relatos de mulheres fortes e corajosas, marcadas por desafios, mas também por esperança, dignidade e resistência. Por meio dessas narrativas, o leitor é convidado a enxergar além das aparências, reconhecendo o valor e a potência da experiência feminina no território do Vale.

A obra reúne histórias de vida que geralmente não aparecem na história oficial. Ao registrar essas vozes, a autora denuncia desigualdades, combate a invisibilidade social e celebra a força das mulheres que sustentam a vida cotidiana com trabalho, cuidado e luta silenciosa. Assim, o livro torna-se um importante instrumento de sensibilização e respeito, devolvendo lugar e reconhecimento às mulheres que, muitas vezes, foram apagadas pelo sistema patriarcal e pelas desigualdades históricas.

Com uma escrita poética e profundamente humana, Ana Luiza humaniza cada personagem ao revelar suas dores, desafios e conquistas. Para quem atua com educação, cultura ou projetos sociais, especialmente no contexto do Vale do Jequitinhonha o livro é uma leitura fundamental para refletir sobre memória, identidade, justiça social e políticas públicas. Ana Luiza de Souza nasceu em Guaxupé (MG), em 16 de janeiro de 1962, e faleceu em 17 de outubro de 2020, aos 58 anos. Assistente social, atuou em diversas cidades, como Monte Santo, Poços de Caldas e Guaxupé. Teve importante participação política no Vale do Jequitinhonha e chegou a ser candidata a prefeita na região. Foi reconhecida pelo compromisso social, dedicação às causas populares e profunda empatia com as comunidades onde trabalhou. Sua trajetória é marcada por coragem, luta e sensibilidade humana.

Referência do livro

SOUZA, Ana Luiza. Confidências de mulheres in-visíveis do Jequitinhonha. Guaxupé, MG: Salto Alto, 2009/2011.


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quarta-feira, 26 de novembro de 2025

OPINIÃO DO BLOG - Preservação da Democracia e do Estado de Direito

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Um golpe de Estado é, por definição, um ato de violência contra a Constituição e a soberania popular. Ele ignora os mecanismos legítimos de transferência de poder, como eleições, e subverte a ordem jurídica.

A punição serve como uma solene reafirmação de que a Constituição é a lei suprema e que sua violação por meios não democráticos terá consequências severas. Ao responsabilizar os golpistas, a sociedade e o sistema de justiça defendem o direito do povo de escolher seus líderes e repudiam a imposição de poder pela força ou fraude.

A aplicação rigorosa da lei contra os envolvidos em uma tentativa ou concretização de golpe tem um efeito que se estende muito além do caso individual. A perspectiva de penas severas que podem incluir longas prisões, perda de direitos políticos e multas, atua como um poderoso desestímulo para outros indivíduos ou grupos que possam considerar ações semelhantes no futuro. É um aviso claro de que a traição à pátria e à ordem democrática não será tolerada.

A punição ensina à sociedade que a mudança política deve ocorrer dentro dos limites da lei. Ela reforça o valor dos processos democráticos e do respeito às instituições, educando as futuras gerações sobre a gravidade desses crimes.

Um golpe de Estado causa um dano incomensurável à sociedade, abalando a confiança nas instituições, gerando instabilidade econômica e, frequentemente, resultando em violência e violações de direitos humanos.

A punição é um passo crucial para o restabelecimento da normalidade e da confiança nas Forças Armadas e na Polícia, garantindo que sejam servidores do Estado e não instrumentos de facções políticas.

Em muitos casos, golpes são acompanhados por repressão e violência. O processo judicial e a condenação são essenciais para oferecer justiça e reparação às vítimas e a seus familiares, sendo um componente vital da transição para a democracia plena.

Concluo que a defesa de nossa democracia, perpassa pela punição para quem pratica golpe de Estado não é um ato de vingança, mas justiça e uma necessidade estratégica para proteger a democracia de futuras ameaças, garantindo que o poder emana do povo e é exercido em seu nome, conforme a lei.

Viva nossa Democracia!

Aos  434 mortos, desaparecidos e aos seus familiares durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985 ( Comissão Nacional da Verdade).

 

Jô Pinto

Professor, Historiador e Mestre e Ciências Humanas.

terça-feira, 25 de novembro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - Pobres-ricos Maxacalis

Gerada por IA


Nos últimos dias tornou-se comum a quem passar em frente da Catedral de São João Batista, em Almenara, observar um fato que não deixa de tocar a sensibilidade humana de quem tem um pouquinho de amor ao próximo.

Ali, onde vão as pessoas católicas, ponto estratégico da cidade, por onde todos passam, os índios maxacalis, foco de atenções, estudos e debates podem ser vistos sem qualquer disfarce, no estado de abandono e absoluta miséria em que se encontram

Desprotegidos, ao Deus dará, sujos, transfigurados, mal vestidos, escolhem exatamente aquele local para exporem as mazelas com que a chamada "civilização branca" os "premiou" para roubar-lhes a paz e os meios de sobrevivência, corrompendo-os e levando-os a um continuo processo de decadência.

Ali, eles podem ser vistos exatamente como vivem atualmente, não buscando as suas raízes, como pensam alguns, mas como nômades, explorando a caridade pública para saciarem os vícios adquiridos fora de suas aldeias.

Amontoados como animais irracionais, homens, crianças e mulheres parecem desligar-se do mundo, entorpecidos pelo álcool, alheios ao que se passa em torno deles. Vendo-os mais de perto é que se pode aquilatar bem a extensão da desgraça que os tem reduzido a trapos humanos, inválidos e ignorados por uma sociedade de consumo, egoísta, ambiciosa e mesquinha, muito mais preocupada com suas sandices do dia-a-dia.

Nenhuma mão humana os toca, procura amenizar lhes as agruras e a solidão, guiando-os a um lugar seguro, onde possam passar pelo menos uma noite, sem os perigos a que estão sujeitos.

O espírito de solidariedade e de companheirismo os mantém unidos, mesmo em condições tão adversas, em ambiente que não condiz com seus hábitos de extrema liberdade de ação.

Naturalmente buscam a proximidade de uma casa de orações para se sentirem mais seguros e protegidos. Logicamente esperando que a generosidade de alguém os beneficie com palavras amigas, com o pão que mata a fome, com a água que mitiga a sede, com um abrigo que os acolha, com o conforto espiritual de que tanto necessitam.

Entretanto a noite avança, faz-se o silêncio, as luzes da igreja se apagam, as vozes se calam, as portas se fecham e a bondade esperada não surge. Os maxacalis estão sós. Muito sós...

Pobres-ricos maxacalis, donos de um oceano verde de colonião, que de nada lhes serve, que valem tanto para o folclore e a cultura, mas que, como pessoas humanas, pouco significam.

 

Sebastião Lobo

 

Publicado no Jornal VIGIA DO VALE - n° 818 - 8 de junho de 2001.

Extraído do livro “ Na Boca do Lobo” Crônicas publicadas no Jornal Vigia do Vale/2003


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segunda-feira, 24 de novembro de 2025

MEMÓRIA CULTURAL - Marocas e a geração perdida

Conheci uma senhora chamada Marocas, dona de vastas terras e de muitos animais, sobretudo burros e mulas. Sua predileção por eles vinha da utilidade: eram os que suportavam as cargas mais pesadas em seus lombos. Para fazê-los andar mais rápido, recorria ao chicote. Ainda assim, apesar da crueldade, esses animais permaneciam dóceis, inteligentes, sociáveis e incrivelmente resilientes.

A história dos burros e mulas é também a história da humanidade. Há milhares de anos caminham ao nosso lado, numa parceria silenciosa que ajudou a construir o mundo. Em diferentes regiões do planeta, foram motores de comunidades: araram a terra para o alimento, buscaram água em lugares áridos, transportaram pessoas e bens essenciais por caminhos inóspitos e até marcharam em cenários de guerra.

Sua resiliência é incontestável. Mesmo maltratados, suportavam o peso da exploração e seguiam em frente. Mas o preço era alto: a vida que lhes era imposta era injusta e cruel. Muitos não tinham sequer um espaço digno para descansar após longos dias de trabalho. Eram largados em terrenos baldios, sem abrigo, alimentando-se de mato ralo e sem acesso à água. Não possuíam casa, muito menos um lar. E, quando já não serviam, eram simplesmente abandonados.

Dona Marocas secou como a terra sem chuva, presa ao peso de suas posses e ao vazio de sua própria crueldade. Partiu como pó levado pelo vento, esquecida até pela memória das pedras. Já os burros e mulas, antes chicoteados e abandonados, encontraram no rio sua redenção e orientação para caminhada. Beberam da água fresca, seguiram o curso da correnteza e tornaram-se símbolos de vida e prosperidade. Como o rio que nunca se detém, eles mostraram que a verdadeira grandeza não está em quem oprime, mas em quem resiste e flui.

Marocas se dissolveu no silêncio, mas os animais permaneceram como águas vivas, lembrando que nenhum chicote é mais forte que o rio que insiste em correr.

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DIÁRIO DE LEITURA - Entrevista com o poeta Trabion Mendes

Entrevista com o poeta Trabion: o homem que nasceu na roça onde a casa se chama choça Soll Santos - Quando a gente encontra o poeta Eroni...