ESPAÇO LIVRE - JÔ PINTO
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segunda-feira, 30 de junho de 2025
quinta-feira, 26 de junho de 2025
DIÁRIO DE LEITURA - Tese de Doutorado de Thaisa Silva Martins
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Foto: Arquivo Pessoal |
Se o
objetivo é compreender como as epistemologias negras têm tensionado as
estruturas do conhecimento acadêmico, deixamos como dica a tese de doutorado de
Thaisa Silva Martins, defendida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), constitui uma leitura
fundamental. Intitulada “Erguendo a voz: um ensaio sobre o enfrentamento à
violência através das Escrevivências de mulheres negras”, a pesquisa
configura-se como uma produção que articula rigor teórico, posicionamento
político e elaboração estética, assumindo o compromisso de romper com o
silenciamento histórico das mulheres negras no Brasil e em contextos pós-coloniais.
Logo nas
primeiras páginas, a autora evoca a contundente afirmação de Marielle Franco —
“Não serei interrompida” — como enunciado inaugural de um projeto
epistemológico insurgente. Trata-se de um trabalho que reivindica o direito à
fala e à escuta em um campo científico historicamente marcado por assimetrias
de raça, gênero e classe. Martins adota o ensaio como forma e método, não por
ausência de sistematização, mas como uma escolha intencional de ruptura com a
normatividade acadêmica e com os paradigmas eurocentrados de produção de
conhecimento. Seu texto performa uma escrita que se pretende situada, implicada
e transformadora.
A noção de Escrevivência,
cunhada por Conceição Evaristo, constitui o eixo conceitual em torno do qual se
articula a análise da autora. Tal conceito, que compreende a escrita como
prática enraizada nas experiências de vida de sujeitos negros — especialmente
mulheres —, é mobilizado como ferramenta teórico-metodológica e política.
Contra a tradição do distanciamento impessoal e da neutralidade epistêmica,
Martins reivindica uma escrita que emerge do vivido, do corpo e da memória, e
que se inscreve como ato de resistência e de reexistência. A autora se insere
nessa linhagem, produzindo um texto que se recusa a apagar os corpos negros da
história e da ciência.
O corpus da
pesquisa é composto pelos relatos de violência presentes na obra Raízes:
resistência histórica, publicada pela editora feminista Venas Abiertas. A
coletânea reúne narrativas de mulheres negras brasileiras, que escrevem a
partir de suas trajetórias. A análise recai sobre os trechos que tematizam
formas de violência estruturante — racismo, estupro, escravização, patriarcado,
pressão estética — cuja recorrência revela a permanência de estruturas de
dominação que operam de modo interseccional. A leitura proposta por Martins vai
além da exposição das violências: busca evidenciar o que se repete, o que ecoa,
o que sobrevive na palavra escrita, mesmo sob condições de silenciamento.
Para além da
análise textual, a tese constrói um sólido aparato teórico e histórico, por
meio do qual insere a Escrevivência em um contexto mais amplo de crítica ao
colonialismo, ao patriarcado e ao capitalismo racial. O diálogo com autoras e
autores como Grada Kilomba, Aníbal Quijano, Silvia Federici e Angela Davis
sustenta uma leitura crítica das continuidades entre o projeto colonial moderno
e as formas contemporâneas de exclusão. Um dos momentos mais emblemáticos do
texto é a retomada da imagem de Anastácia — mulher negra silenciada por uma
máscara de ferro durante a escravidão — como figura paradigmática de uma
violência que persiste, ainda que sob novas formas e dispositivos.
A tese
assume ainda um caráter autobiográfico, na medida em que a autora insere sua
trajetória pessoal e acadêmica no desenvolvimento da pesquisa. O processo de
reconhecimento identitário como mulher negra atravessa a escrita e sustenta a
escolha do objeto, da metodologia e da abordagem. Tal gesto evidencia uma
concepção de ciência comprometida com a vida, com a ética e com a transformação
social. A implicação da pesquisadora com o tema fortalece a dimensão política
da obra e reafirma que todo conhecimento é situado, como argumentam teóricas
feministas decoloniais.
Ler Erguendo
a voz é, portanto, acompanhar um exercício de produção de conhecimento que
desafia os cânones tradicionais da academia, reivindicando a legitimidade das
narrativas negras como fonte de saber. A tese apresenta contribuições
relevantes para os campos dos estudos de gênero, das relações raciais, da
literatura afro-brasileira e das metodologias críticas e decoloniais. Constitui
uma leitura incontornável para aqueles e aquelas que compreendem a escrita como
instrumento de luta, memória e transformação.
A autora nos
oferece uma obra que é, ao mesmo tempo, denúncia e proposição; um texto que
ressoa como grito, mas também como esperança. Um trabalho que se insurge contra
o epistemicídio e que, ao fazê-lo, ergue outras vozes — vozes que, há séculos,
foram silenciadas, mas que seguem insistindo em existir.
Boa leitura!
Acesse a tese completa: https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/18707
Por
terça-feira, 24 de junho de 2025
CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - O Engenho
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Imagem criada por IA |
Essa história foi contada pelo nosso amigo Eronilto Mendes, mas conhecido
como Trabion, um poeta de primeira grandeza da cidade de Jacinto, no Baixo
Jequi, mas ele é também um grande contador de causos. E como todo contador de
causos, ele diz: Pode acreditar, não é mentira!
No meu tempo de criança era comum aqui na região onde
moro até hoje, as pessoas fazerem rapaduras. O meu pai mesmo tinha uma fábrica. Cultivou um
canavial, montou um engenho, todo feito de madeira, não sei se você já teve
oportunidade de ver um. Naquele tempo eram feitos à mão, num trabalho artesanal
com muita perfeição. As moendas tinham umas cavas formando assim dentes que
quando se juntavam as duas e ao serem puxadas por uma parelha de bois em
movimento circular, rodavam-se uma em volta da outra se encaixando os dentes
nas cavas uma da outra, e ali era colocada a cana para ser moída, retirando-se
o caldo (garapa) pra fazer rapadura, só que não é isso que eu quero lhes
contar, e sim um fato ocorrido com os bois que puxavam o engenho. Um dia foram soltos no pasto, e quando o meu pai foi
procurá-los para o trabalho, simplesmente eles tinham desaparecido sem deixar
pistas. Foi um grande alvoroço, muita procura, perda de serviço, até que após
uma semana, o meu pai encontrou-os num estado de fazer pena dentro da mata que
tinha junto a pedra grande que tem aqui na fazenda. Os bois acostumaram com o barulho que o engenho fazia enquanto era puxado, e ao passar debaixo de uma grande árvore, onde em cima estava um upo de macacos guaridas, como são conhecidos por aqui, ouviram o barulho que eles faziam por estarem na época do acasalamento, os bois confundiram com o barulho do engenho e começaram a rodar em volta da árvore. Os guaribas vendo os bois em baixo, ficaram com medo de descer e continuaram a cantoria e os bois continuaram a rodar. Quando meu pai Alvino, homem que nunca mentiu, viu aquela cena, ficou muito emocionado e até chorou. Calcula-se que os animais ficaram nesse ritual por volta de uns sete ou oito dias sem comer ou beber água. Foi preciso amarrar os bois para serem retirados do
local que estavam, e muitas pessoas foram visitar o lugar e constataram que
tinham feito duas estradas de tanto os bois pisarem o chão dia e noite sem parar
por uma semana. Causo narrado por Trabion de Jacinto/MG Por |
segunda-feira, 23 de junho de 2025
MEMÓRIA CULTURAL - Os ciganos e as peças de ouro
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Imagem gerada por IA |
Na minha infância, costumava ir para
roças de famílias conhecidas e uma das coisas que me chamava atenção naquelas
cozinhas, eram os tachos de fazer doces em tamanhos variados.
A
características destes utensílios podiam ser vistos como preto por fora e
avermelhados por dentro que reluziam em contato com os raios de sol que
entravam nas frestas das janelas. Cheguei a pensar que aquilo devia ser feito
de ouro, de tanto brilho que tinha. Ficavam pendurados em ganchos acima do
fogão , debaixo de mesas grandes de
madeira, ou, naqueles quartinhos , que
conhecemos como despensa E para
aguçar minha imaginação, achava que somente ciganos é quem fazia esses tachos,
porque de tempos em tempos , apareciam uns ciganos diferentes, armavam suas
barracas, instalavam suas famílias por ali
e os homens tinham carros
carregados de peças daquelas que eu via nas casas, desde alambiques para
fabricação de cachaça, serpentinas para
esquentar água e vasilhas como os tachos para fazer doce e rapadura,
principalmente.. Como
os ciganos gostavam de ouro, a começar pelos dentes, relógios e as mulheres
cheinhas de colares, pulseiras, brincos e confirmavam que era ouro, então
achava que as peças que eles vendiam também era de ouro. E acreditava que havia grupos de ciganos mais
rico que outros, pois tinham aqueles que faziam alvoroço quando entravam na
cidade, roubando tudo que achavam, desde galinha, porco e na esperteza da
leitura das mãos, esse considerava pobres só sabiam roubar e trapacear nos
negócios com os cavalos, enquanto os ciganos ricos não causavam confusão e viviam
a negociar suas mercadorias reluzente que para mim, era tudo de ouro. Até
o dia que passei a frequentar às escondidas a barraca de uma família cigana. Entre
conversas e curiosidades me contaram que as peças que vendiam não eram de ouro,
mas cobre. E que os ciganos, eram grupos nômades com diferentes gerações, mas
que gostavam e prezavam a vida daquela maneira e cada grupo tinha seu jeito de ser
e sobreviver.
Por |
sexta-feira, 23 de maio de 2025
CONHECENDO O JEQUI - Cabo de Machado
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Comunidade Quilombola de Mocó - Francisco Badaró/MG |
Cabo de
Machado é o nome mais comum, mas também é conhecido como Bolo de Folha, Miguelão,
Miguelinho, Zé Pelado, Careca, Cobu, Pau a Pique, Broa de fubá, João Deitado,
entre outros nomes. É uma iguaria muito tradicional da gastronomia do Vale do
Jequitinhonha, especialmente presente nas comunidades quilombolas da região, é também
encontrada em outras regiões de Minas e do Brasil. Seu ingrediente principal é
o fubá, e sua preparação carrega consigo a história e a cultura de nosso povo.
Esse bolo é
um verdadeiro símbolo da culinária afetiva do Vale do Jequitinhonha, trazendo
consigo o sabor da tradição e a simplicidade dos ingredientes típicos da
região. Além de delicioso, o uso das folhas de bananeira ajuda na proteção ao assar,
confere um aroma especial e mantém a umidade da massa, tornando-o ainda mais
irresistível. Mas também reflete práticas sustentáveis e o respeito ao meio
ambiente, características fundamentais da culinária quilombola.
O
Cabo de Machado no
Vale do Jequitinhonha, tem suas raízes na tradição alimentar das comunidades
quilombolas, que desenvolveram receitas a partir dos ingredientes disponíveis
em seus territórios. A culinária quilombola é um reflexo da resistência e adaptação dessas
comunidades, que fugiram da escravidão e estabeleceram modos de vida
autossustentáveis.
A
base alimentar dos quilombolas inclui cultivos como mandioca, milho, feijão e banana, ingredientes que são
utilizados em diversas preparações tradicionais. O Cabo de Machado, feito
principalmente com fubá,
é um exemplo dessa criatividade culinária, onde técnicas ancestrais de
cozimento e preservação dos alimentos foram mantidas ao longo das gerações.
O Cabo de
machado é muito mais do que uma simples receita para as comunidades quilombolas
do Vale do Jequitinhonha. Ele representa identidade, resistência e tradição,
sendo um símbolo da conexão dessas comunidades com sua história e seus saberes
ancestrais. Ele carrega consigo saberes transmitidos de geração em geração,
reforçando a identidade quilombola e a valorização da cultura afro-brasileira.
O cabo de
Machado faz parte dos rituais e celebrações, é frequentemente preparado em festas
e encontros comunitários, reforçando laços sociais e celebrando a cultura quilombola.
Essa
iguaria não é apenas um alimento, mas um patrimônio cultural, que mantém viva a
história e os costumes das comunidades quilombolas em nossa região.
Ele é muito
comum nas três regiões que compõem o Vale do Jequitinhonha, Alto, Médio
e
Baixo, nas minhas andanças por esse Jequi, já tive a oportunidade de experimentar
em Felisburgo, Almenara, Jequitinhonha, Itinga, Jenipapo de Minas, Berilo,
Francisco Badaró, Capelinha, Chapada do Norte, Minas Novas, Capelinha, Leme do
Prado, Diamantina, Serro e Gouveia. O nome
varia de lugar para lugar, assim como a receita. A base é sempre o fubá, mas outros
ingredientes são adicionados como: rapadura, amendoim, queijo, doce de leite,
goiabada e coco.
A culinária
mineira é uma de nossas identidades e eu mesmo não sendo especialistas no
assunto, acredito que o Cabo de Machado ou como queiram chamar é um símbolo da culinária
do Vale do Jequitinhonha.
Por
quinta-feira, 22 de maio de 2025
DIÁRIO DE LEITURA - Dica de Leitura: Violações dos Direitos Humanos das Mulheres na Ditadura
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Foto: Internet |
Dica
de Leitura da Semana: Violações dos Direitos Humanos das Mulheres na Ditadura
Essa semana, trago uma leitura potente,
dolorosa e urgente: o artigo “Violações dos direitos humanos das mulheres
na ditadura”, de Vera Silva, publicado na Revista Estudos
Feministas. É uma leitura que fala de dor, coragem, silêncio… e
sobretudo de memória. O texto nos leva de volta aos anos de
chumbo da ditadura militar brasileira (1964–1985) e escancara uma face ainda
pouco discutida da repressão: a violência específica cometida contra as
mulheres. Mais do que perseguição política, elas enfrentaram uma repressão
misógina, sistemática e marcada por torturas sexuais, estupros, ameaças
envolvendo filhos e gravidez, humilhações baseadas na sexualidade e no papel
social da mulher. O corpo feminino virou campo de batalha — usado como
instrumento de castigo, silenciamento e controle. A autora nos lembra que o silêncio em
torno dessas violências não foi apenas ausência de discurso, mas também uma
política de repressão. Como diria o sociólogo Michael Pollak, o silêncio pode
ser uma forma de sobrevivência. Muitas dessas mulheres só puderam contar suas
histórias mais de 40 anos depois, graças ao trabalho da Comissão
Nacional da Verdade (2011–2014), que abriu espaço para que
essas vozes finalmente fossem ouvidas. Essa escuta pública não é apenas simbólica
— ela é um ato político de reconhecimento e reparação. O Brasil ainda deve
muito às mulheres que resistiram e sofreram nas mãos do Estado. Os crimes
sexuais cometidos naquele período são classificados como crimes de
lesa-humanidade: não prescrevem, não devem ser esquecidos e
precisam ser investigados. Discutir esse tema hoje é essencial,
especialmente num momento em que discursos autoritários e tentativas de apagar
a história ganham espaço. Lembrar é resistir. Trazer à tona essas memórias é um
passo necessário para que o corpo da mulher deixe de ser um território de
repressão e se afirme como espaço de fala, de luta e de reconstrução da
verdade.
Leia
o artigo completo em:
https://www.scielo.br/j/ref/a/fj3JtHZGBYcHgWMPPjZsHvs/# Por
|
quarta-feira, 21 de maio de 2025
OPINIÃO DO BLOG - Tombamento da bacia do Rio Jequitinhonha, o que mudou?
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Rio Jequitinhonha em Itinga - Foto: Jô Pinto |
O tombamento estadual da Bacia
Hidrográfica do Rio Jequitinhonha e sua declaração como monumento natural,
estabelecidos pela Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989, representam
um marco na proteção ambiental e cultural da região. No entanto, é fundamental
questionar se essas medidas têm sido eficazes na preservação dos ecossistemas e
na valorização das comunidades locais que habitam o vale do Jequitinhonha.
Historicamente, a região do Alto
Jequitinhonha foi explorada economicamente desde o século XVIII, principalmente
devido à mineração de ouro e diamante. Com a decadência dessa atividade, o
território passou por uma diversificação econômica, adotando a criação de gado
e o cultivo agrícola. Depois vieram a monoculturas, entre ela a do Eucalipto, que
na década de 1970 chegaram como a redenção econômica do Vale do Jequitinhonha,
retorna se a exploração da mineração: grafite, granito e lítio, todos esses
processos, associados ao clima semiárido, impôs desafios à sustentabilidade e
ao desenvolvimento da população local, que, ainda hoje, enfrenta dificuldades
relacionadas à escassez de recursos hídricos e à baixa infraestrutura. A proteção jurídica da bacia
hidrográfica é um passo significativo para sua conservação. No entanto,
políticas públicas voltadas à preservação ambiental devem ser acompanhadas de
investimentos reais na recuperação dos recursos naturais e na melhoria das condições
socioeconômicas dos habitantes. A mera declaração do rio como monumento
natural não é suficiente se não houver iniciativas concretas de combate à
degradação ambiental, incentivo à agricultura sustentável e valorização das
manifestações culturais locais. A riqueza histórica e cultural do Vale
do Jequitinhonha é um dos maiores patrimônios da região, refletida nas
tradições das lavadeiras, na musicalidade dos violeiros e na identidade única
de sua população. Contudo, a proteção desse patrimônio deve ir
além do reconhecimento formal e se traduzir em políticas inclusivas que
promovam o desenvolvimento sustentável, garantindo dignidade e oportunidades
para aqueles que vivem às margens do rio Jequitinhonha. Portanto, o tombamento estadual da bacia representa um avanço simbólico, mas que precisa ser constantemente revisado e complementado por ações eficazes. Sem isso, corre-se o risco de que essa proteção seja apenas uma formalidade, sem impactos reais na melhoria da qualidade de vida da população e na preservação ambiental desse bem que mantem viva a vida dessa região. Por .
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MEMÓRIA CULTURAL - Theófilo Benedicto Ottoni e Christiano Benedicto Ottoni
Imagem internet Jorge Benedicto Ottoni, um dos irmãos de José Eloy Ottoni e nascido em 1782, exerceu importantes cargos políticos na Vila do...

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PILÃO Mulheres de Cabo Verde, utilizando o Pilão O pilão tem sua origem árabe, mas foi na África que ganhou afirmaç...