sexta-feira, 31 de outubro de 2025

CONHECENDO O JEQUI - Tanque de Pedra, Comunidade Quilombola de Zabelê

Foto: Jô Pinto

 

Na comunidade Quilombola de Zabelê, localizada no município de Francisco Badaró, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, encontra-se uma construção singular da primeira metade do século XIX: o “Tanque de Pedra”. Segundo relatos dos moradores, essa estrutura foi erguida por homens e mulheres negros que haviam sido escravizados, representando não apenas uma solução prática, mas também um legado de resistência e engenhosidade.

Essa tecnologia social aproveita as rochas naturais típicas da região semiárida para transformá-las em grandes reservatórios de água. Inspirada em formações naturais que acumulavam água da chuva e dos córregos, a construção dos tanques de pedra reflete o saber ancestral sobre o uso sustentável dos recursos locais. Na comunidade de Zabelê, o tanque servia para lavar roupas e abastecer a sede da antiga fazenda.

Os materiais utilizados variam conforme as características de cada lajedo. A técnica consiste em retirar a terra de uma área rochosa, deixando a pedra exposta e pronta para receber a água. As paredes são construídas com pedras retiradas do próprio entorno, formando uma estrutura murada que permite o armazenamento eficiente da água, especialmente durante os períodos de estiagem.

Mais do que uma obra física, o tanque de pedra é um símbolo de mobilização e organização comunitária. Sua construção, uso e manutenção envolvem diversas famílias, fortalecendo os laços sociais e possibilitando a produção agrícola após as chuvas e mesmo em tempos de seca.

Essas estruturas são comuns em regiões com escassez hídrica, onde comunidades desenvolvem soluções artesanais e sustentáveis para garantir o acesso à água. A história dos tanques de pedra está profundamente ligada à necessidade de coletar, conservar e utilizar esse recurso vital em áreas de difícil acesso, como o semiárido brasileiro.

Na comunidade de Zabelê, o tanque foi feito com barro e pedras locais, escolhidas por sua resistência e disponibilidade. Apresentam formatos retangulares ou cilíndricos, com bordas elevadas para evitar a entrada de impurezas. De estilo rústico e funcional, integra-se ao ambiente natural sem ornamentos, priorizando a durabilidade e o uso prático.

Atualmente, o tanque encontra-se inativo, com parte do canal que levava água à sede da fazenda danificado. Ainda assim, resiste ao tempo e permanece como um símbolo de sustentabilidade e da convivência harmoniosa entre o ser humano e o meio ambiente. Representa a cultura, a criatividade e a força das comunidades rurais diante dos desafios climáticos, além de ser um testemunho da tecnologia ancestral deixada pelo povo negro daquela localidade.

Fonte: Arquivos do Patrimônio Cultural de Francisco Badaró


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quinta-feira, 30 de outubro de 2025

DIÁRIO DE LEITURA - Poesia " Vida no Jequi " de Tin Tin Alves

Gerada por IA


VIDA NO JEQUI


Pó do mesmo pó

Filho do massapê 

Arte da terra

Sete palmos, nada mais... 

Escavados com suor

Pra viver e - ter - ni – da - de...

 

Sou torrão efêmero 

Na natureza eterna 

Amolecido com água,

Do mesmo torrão vertida. 

Sou morte sou vida.

 

Filho desse torrão

Com calos calcando o chão 

Chão do qual sou,

Qual meu não é.

 

Sou buriti

Que de pouca agua carece...

 

Sou Jequi,

Sem onhas pra sonhar...

 

Sou da vida a labuta 

Num eterno definhar.

 

Sou parte da arte 

Que da vida parte, 

Reparte e parte 

Pro eterno labutar


Sou Jequi! Sou Vida!


TIN TIN ALVES

Troféu de poesia em movimento 2013, 

Editora Delicatta e UNIP.

 

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

OPINIÃO DO BLOG - Dia do Livro e a importância das bibliotecas

Nesse dia Nacional do Livro, onde celebramos a Leitura e o acesso ao conhecimento, trazemos uma reflexão sobre a importância do livro, mas também das bibliotecas.

O Dia Nacional do Livro, comemorado em 29 de outubro, é uma data que nos convida a refletir sobre o poder transformador da leitura, mais do que uma atividade intelectual, ler é um ato de liberdade, de descoberta e de construção de identidade. Os livros nos transportam para outros mundos, ampliam horizontes, despertam empatia e nos ajudam a compreender melhor a nós mesmos e ao universo que nos cerca.

Ler desenvolve o pensamento crítico, estimula a criatividade e fortalece a capacidade de argumentação, crianças que têm contato com livros desde cedo tendem a ter melhor desempenho escolar, maior vocabulário e mais facilidade para se expressar, para jovens e adultos, a leitura é uma ponte para o conhecimento, para o crescimento pessoal e profissional, e para o exercício pleno da cidadania.

Ter uma biblioteca pública em um município é garantir que todos tenham acesso democrático à informação, à cultura e à educação, ela funciona como um espaço de convivência, aprendizado e inclusão social, além de oferecer livros gratuitamente, muitas bibliotecas promovem atividades culturais, oficinas, clubes de leitura e apoio escolar.

Uma biblioteca bem estruturada pode ser o coração cultural de uma cidade, especialmente em regiões onde o acesso à internet e aos livros é limitado. Ela acolhe leitores de todas as idades e perfis, e muitas vezes é o único espaço de leitura disponível para estudantes e pesquisadores.

Quando um município não possui uma biblioteca pública, perde-se mais do que um prédio com estantes e livros, perde-se a oportunidade de formar leitores, de incentivar o hábito da leitura e de oferecer alternativas educativas e culturais à população. A ausência de uma biblioteca é um obstáculo ao desenvolvimento intelectual e social, e contribui para a perpetuação das desigualdades. Sem esse espaço, crianças crescem sem estímulo à leitura, jovens têm menos recursos para estudar, e adultos ficam privados de uma fonte acessível de conhecimento, é como se a porta para o mundo estivesse trancada, e o livro, que é a chave, estivesse fora do alcance.

Neste Dia Nacional do Livro, que possamos valorizar não apenas os livros, mas também os espaços que os tornam acessíveis. Que cada município reconheça a importância de investir em bibliotecas públicas como um compromisso com a educação, a cultura e o futuro de seus cidadãos.

Hoje em Itinga, após um trabalho de pareceria do poder público com a sociedade civil, temos uma biblioteca que é exemplo, com sede própria em um espaço tombado como patrimônio cultural, funcionando em três turnos e com uma diversidade de livros a população. Uma referência para estudantes e leitores


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terça-feira, 28 de outubro de 2025

CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - Racismo e Violência em Itinga no século XIX

Imagem gerada por IA


A história da Escrava Feliciana, que se tornou uma santa popular para o Povo de Itinga, é uma história conhecida, mas existe outra história de uma jovem negra que também sofreu com a escravidão em Itinga e que poucas pessoas falam sobre sua história. Venho pesquisando a anos tentando entender os motivos pelo qual essa história ficou tão oculta mesmo na memória popular.

 

No início do século XIX, o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, era uma região marcada pela exploração agrícola e pela presença de grandes fazendas sustentadas pelo trabalho escravo. A história da jovem negra mutilada na Fazenda Jenipapo, em Itinga, insere-se nesse contexto de extrema violência e dominação. Segundo a narrativa oral, a jovem foi vítima de um ato de ciúmes e crueldade extrema por parte da esposa de um coronel, após um comentário sexualizado feito por outro homem branco sobre os seios da menina.

“diz a história oral, que dois coronéis, estavam na sala e a patroa mandou servir o café, quando a menina se retirou da sala, o coronel visitante disse: quanto você quer pela negrinha? ela tem seios lindos, diga seu preço, o coronel respondeu  - vendo não, essa é minha, de estimação. Porem sua esposa ouviu e pediu que levassem a menina para senzala, lá ela arrancou os seios da menina e mandou que outra escravizada levasse e servisse para os dois em uma bandeja”

Esse episódio revela como mulheres negras escravizadas eram vistas como propriedade sexual e doméstica, sem qualquer direito sobre seus corpos ou destinos. A mutilação dos seios, símbolo de feminilidade, maternidade e identidade, foi uma forma de punição exemplar, usada para reafirmar o poder da senhora branca sobre a escravizada e sobre o próprio marido, num gesto de posse e vingança.

A violência sofrida por essa jovem não foi um caso isolado. Mulheres negras escravizadas eram frequentemente vítimas de estupros, castigos físicos e mutilações, tanto por senhores quanto por senhoras. A escravidão no Brasil não apenas explorava a força de trabalho, mas também o corpo e a sexualidade das mulheres negras, que eram sistematicamente desumanizadas.

A atitude da senhora da fazenda, ao arrancar os seios da menina e servidos aos coronéis, é um gesto de sadismo que ultrapassa a punição física: é uma tentativa de apagar a humanidade da vítima, transformando-a em objeto de escárnio e repulsa. Esse ato também revela a cumplicidade das mulheres brancas da elite escravocrata com o sistema de opressão racial e patriarcal.

Embora não se saiba o destino da jovem mutilada, sua história sobreviveu na memória popular como um símbolo da brutalidade do regime escravocrata. Narrativas como essa são fundamentais para compreender as raízes do racismo e da desigualdade de gênero no Brasil contemporâneo. Elas nos lembram que a violência contra corpos negros e femininos não é um fenômeno recente, mas parte de uma longa história de opressão.

Resgatar essas memórias é um ato de resistência. É dar voz às vítimas silenciadas pela história oficial e reconhecer a dor que moldou a trajetória de milhões de brasileiros. É também um chamado à justiça histórica, à reparação e à construção de uma sociedade que enfrente com coragem os fantasmas do seu passado.


Por  Jô Pinto - Historiador e Pesquisador das historias do Povo Negro e Quilombola do Vale do Jequitinhonha. 



 

 

 

 

 


 

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

GIRO PELO VALE - Vale do Jequitinhonha de Luto - Faleceu a artesã Geralda Batista de Caraí

Imagens da Internet
 

 

Com pesar, comunicamos o falecimento de Geralda Batista dos Santos (1949–2025), filha de Manuel Batista Miranda e Joana Gomes dos Santos, natural do Ribeirão Capivara, distrito do município de Caraí, Minas Gerais.

Geralda foi uma das grandes representantes da cerâmica artesanal do Vale do Jequitinhonha, região reconhecida internacionalmente por sua riqueza cultural e pela força criativa de suas mulheres. Com mãos firmes e alma sensível, ela moldou o barro como quem conta histórias, histórias de sua terra, de seu povo, de suas raízes.

Mais do que ceramista, Geralda foi guardiã de uma tradição ancestral, transmitindo seu saber com generosidade. Sua casa, sempre aberta, era também ateliê, escola e ponto de encontro de quem buscava aprender com a terra e com a vida.

Sua partida deixa um vazio imenso, mas também um legado que seguirá vivo nas mãos de tantas outras mulheres que ela inspirou. Que sua memória seja celebrada com a mesma delicadeza com que ela moldava o barro, com amor, paciência e profunda conexão com a terra.

Geralda Batista dos Santos viveu como vive o barro: firme, moldável e eterno.

Seu  trabalho está diretamente associado ao de sua mãe Joana Gomes dos Santos, paneleira e “moringueira” e ao de suas irmãs Noemisa, Jacinta e Santa. Mesmo ofuscada pela criatividade e pelo exímio senso estético de Noemisa Batista, Geralda nunca deixou de produzir sua arte do barro. Menos sonhadora que a irmã, sua obra se limita em utilitários e brinquedinhos – bichinhos, panelinhas e xicrinhas – com raras inserções na vida cotidiana do sertão mineiro.  Nota-se claramente a tradição familiar em todo processo de feitura: desde o preparo e modelagem do barro, o oleio e a sua queima. A obra da artista se distingue pelo acabamento despretensioso, pela “fragilidade” na textura, nas deformações formais e decorativas e, pelos tons suaves da pigmentação mineral. ( https://desenvolvimento.mg.gov.br)

A artesanato do Vale do Jequitinhonha se despede de mais uma artista da barro, dona Noemisa irmã de Dona Geralda nos deixou também recentemente. Que a história e seu legado não seja esquecida, que sua memória seja preservada pela arte e o amor a terra.


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CONTOS E CRÔNICAS DO JEQUI - Pedie dar-se-vos-a

Imagem gerada por IA Foi o texto do sermão do velho pároco da aldeia de Moinhos. Texto áureo que frisou várias vezes. Terminada a Missa,...